Como reconquistar o centro
Na frente externa e na frente interna, a moderação e a conciliação de interesses serão a aposta mais segura para Boris. A vitória histórica que obteve apenas aumenta as suas responsabilidades.
1. É difícil dizer se o resultado, claríssimo, das eleições britânicas foi uma estrondosa vitória de Boris Johnson ou uma ainda mais estrondosa derrota de Jeremy Corbyn. Em eleições livres e justas, há sempre muitas razões para as vitórias e as derrotas, tantas quantas levaram cada eleitor a decidir-se num ou noutro sentido. Mas há uma primeira razão irrefutável. Boris Johnson fez do “Brexit” o tema único da sua campanha eleitoral: “Get Brexit done.” E essa simples ideia correspondia ao sentimento de uma larga maioria do eleitorado.
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1. É difícil dizer se o resultado, claríssimo, das eleições britânicas foi uma estrondosa vitória de Boris Johnson ou uma ainda mais estrondosa derrota de Jeremy Corbyn. Em eleições livres e justas, há sempre muitas razões para as vitórias e as derrotas, tantas quantas levaram cada eleitor a decidir-se num ou noutro sentido. Mas há uma primeira razão irrefutável. Boris Johnson fez do “Brexit” o tema único da sua campanha eleitoral: “Get Brexit done.” E essa simples ideia correspondia ao sentimento de uma larga maioria do eleitorado.
Por razões que ultrapassam a simples divisão entre os leavers e os remainers – nesse caso, o resultado seria, porventura, um pouco mais equilibrado e os liberais-democratas teriam obtido um resultado melhor. Mas porque uma ampla maioria dos britânicos está pura e simplesmente cansada de três anos e meio durante os quais o país ficou totalmente refém do “Brexit”, porque a classe política não foi capaz de se entender sobre o que fazer com o resultado do referendo.
2. Do outro lado, os eleitores confrontaram-se com um Labour por sua vez refém de um líder que veio da extrema-esquerda que dominou o partido nos anos 70 e boa parte dos anos 80 e que nunca tomou uma posição clara sobre o abandono da União Europeia – apenas a decisão mais importante do Reino Unido desde que pediu a adesão à Comunidade Europeia em 1963 e teve de esperar até 1973 para vê-la concretizada. A ambiguidade não compensou nem poderia compensar, quando o “Brexit” estava na cabeça de toda a gente. O radicalismo do manifesto que apresentou aos eleitores provou ser de tal modo excessivo, que os próprios votantes trabalhistas hesitaram perante tamanha “fartura”.
Ontem, foram vários os eleitos do Labour a confessar que já não tinham coragem para anunciar tantas benesses, durante o habitual porta-a porta que fazem nas suas circunscrições eleitorais. O partido teve o seu pior resultado desde os anos 1930. Seria caso para que se abrisse uma porta para o regresso dos moderados, blairianos ou não (Ed Milliband, que sucedeu a Gordon Brown na liderança para virar o partido à esquerda, é um moderado quando comparado com Corbyn), tal como aconteceu em 1994, depois de uma sucessão de derrotas do partido. Foi preciso Tony Blair e a sua “terceira via” para conduzir o New Labour a três vitórias consecutivas, enquanto os conservadores se digladiavam à procura da fórmula que lhes desse de novo as chaves do número 10 de Downing Street, o que só aconteceu em 2010, com David Cameron.
Mas não há que ter muitas ilusões. Corbyn, ao contrário do que possa parecer, não se demitiu da liderança do partido, apesar da dimensão da derrota. Limitou-se a dizer que não seria o candidato do Labour nas próximas legislativas que podem ocorrer, no limite, apenas daqui a cinco anos. Até lá tenciona ficar para conduzir o partido num “período de reflexão” sobre os resultados. Por outras palavras, ele e os seus apoiantes não consideram que as suas ideias estão erradas, apenas que o povo ainda não as compreendeu.
Depois da tremenda derrota do Labour em 1983, o então líder, Tony Benn, declarou que nunca o socialismo tinha ido tão longe. Travar uma mudança política no sentido do centro será o seu primeiro objectivo. Corbyn percebeu que tinha de sacrificar-se pelas suas ideias. Para muitos militantes trabalhistas que as defendem, foi a sua extraordinária impopularidade a razão fundamental da derrota.
3. Boris também não terá uma vida fácil pela frente. Se é apenas mais um líder típico destes tempos “trumpianos” em que vivemos, ou mais do que isso, o tempo o dirá. A dimensão da sua vitória dá-lhe um enorme controlo sobre o Partido Conservador, tirando-o das mãos (se ele quiser) da sua facção mais extremista, que obrigou Cameron ao referendo de 2016 e Theresa May às eleições de 2017.
A negociação do acordo de associação com a União Europeia será o primeiro teste. O reeleito primeiro-ministro vai perceber que a Europa continua a ser um parceiro indispensável para o Reino Unido nos domínios da economia, da defesa, da ciência e tecnologia e até da politica externa ou, pelo contrário, vai querer tirar o máximo partido da “libertação” de Bruxelas para negar qualquer compromisso de fair play com os seus 27 parceiros?
Terá de resistir à tentação de embarcar de alma e coração na negociação de um acordo de comércio com os Estados Unidos, com que Trump passa a vida a acenar-lhe. A questão do NHS não é ficção – é um domínio demasiado atraente para muito poderosa a saúde privada americana. A proximidade com os seus parceiros europeus em matéria de standards e de normas é grande: fez parte do clube durante 46 anos.
As vantagens comparativas em relação à Europa continental, em matéria de atracção de investimento, por exemplo, não precisam de novas regras porque já existiam com as regras europeias. E verdadeiramente ninguém espera que os trabalhadores britânicos estejam dispostos a perder os seus salários e as suas regalias sociais só porque saíram da União Europeia. Foi afinal com as regras da União Europeia que a economia britânica cresceu mais do que as outras grandes economias europeias nas últimas duas décadas. Foi porque crescia menos que, em 1963, teve de pedir a adesão à Comunidade Europeia.
4. Depois, Boris Johnson tem de ter muito cuidado com o risco de desunião do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte – o nome completo do seu país. A Escócia será um problema que, por sinal, tem tudo a ver com a saída da União Europeia. A Irlanda do Norte arrisca-se a um período de alguma instabilidade até ficar assente o seu estatuto depois da saída e da negociação de um novo acordo de associação.
A Inglaterra, representando embora 80% da população e um pouco mais de 80% da riqueza, nunca seria a mesma coisa sem as outras nações do reino de sua majestade britânica. Ou seja, na frente externa e na frente interna, a moderação e a conciliação de interesses será a aposta mais segura para Boris. A vitória histórica que obteve apenas aumenta as suas responsabilidades.