Jorge Nunes percorre o país para inventariar o Portugal natural
Máquina fotográfica na mão, bloco de notas no bolso: já lá vão 26 anos desde que se iniciou, qual arquivista minucioso, neste trabalho de registar o património natural nacional. O livro que agora publicou é o mais recente esforço num caminho que tem como lema “conhecer para preservar”.
Para colmatar o que chama de “inaptidão inata” para o desenho biológico, Jorge Nunes arranjou uma “muleta”, que, diz, “acabou por revelar-se um precioso instrumento ao serviço da comunicação científica”. Uma máquina fotográfica. Ainda a mesma com que começou a fazer um registo da natureza em Portugal há quase 30 anos. Agora também tem um drone, também ele ao serviço da sua paixão de criança, que passou a ser uma espécie de missão (já lá chegaremos) – a natureza.
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Para colmatar o que chama de “inaptidão inata” para o desenho biológico, Jorge Nunes arranjou uma “muleta”, que, diz, “acabou por revelar-se um precioso instrumento ao serviço da comunicação científica”. Uma máquina fotográfica. Ainda a mesma com que começou a fazer um registo da natureza em Portugal há quase 30 anos. Agora também tem um drone, também ele ao serviço da sua paixão de criança, que passou a ser uma espécie de missão (já lá chegaremos) – a natureza.
Cresceu rodeado dela, com ela, numa aldeia da Beira Baixa. E foi essa sua “meninice campestre”, como lhe chama, que o aproximou de animais e plantas – nunca mais os largou de vista. “Deixei-me logo enfeitiçar pelas cores e formas e extremamente belas que se escondem no mundo natural”, confessa. Descobriu “encanto e maravilha” em todas as espécies animais e vegetais com que se foi cruzando, não importa se são as mais abundantes ou as mais raras.
E a partir de uma determinada altura, quando se tornou “mais autónomo”, começou a “palmilhar o território português” de forma mais metódica, digamos: com a tal máquina fotográfica ao pescoço e um bloco de notas na mão dedicou-se a observar e a registar os ambientes e organismos. Não demorou a perceber que “todos os seres vivos, dos minúsculos insectos até aos imponentes mamíferos ou majestosas aves de rapina, passando pelo deslumbrante mundo vegetal, têm coisas interessantes para nos ensinar”. Não demorou a entender que “todas as espécies têm o seu valor e que desempenham papéis essenciais na teia da vida”.
Como os líquenes, por exemplo, que, diz, “para a maioria das pessoas não passam de insignificantes manchas coloridas mas para os cientistas são seres vivos fascinantes”. Estão por todos os lados, nas rochas, nos muros, nas árvores, nos edifícios – “são organismos bastante ubíquos” – e têm vindo “a afirmar-se na monitorização ambiental”. São como “inspectores da poluição” – ou “vigilantes do ambiente”, como Jorge Nunes se lhes refere na sua obra mais recente, Descobrir Portugal Natural. Assume este livro como “mais um contributo, devidamente actualizado”, na divulgação do património natural português, algo que faz com a diligência de um arquivista há várias décadas.
Foi nos primeiros anos da licenciatura em biologia que constatou “a escassa literacia científica e ambiental da generalidade da população”. Foi nessa altura que a paixão se misturou com a missão: “Decidi arregaçar as mangas e dar um contributo enérgico para a divulgação do património natural português” – que é como quem diz, seres vivos, paisagens e ambientes, da serra mais remota ou à porta de casa nas cidades. Os seus registos, escritos e visuais, começaram a sair das gavetas e das pastas do computador, conta, para se converterem em “reportagens, artigos e livros destinados ao público em geral”. Há 26 anos que percorre o país “de lés-a-lés”, conjugando a sua profissão de professor com a de fotógrafo e escritor, sempre a divulgar o património natural português que encontra agora abrigo no livro Descobrir Portugal Natural, onde a fotografia ilumina o texto escorreito.
São dez capítulos que percorrem o país, da “selva urbana” às “esculturas da natureza”, deitando olho aos “vegetais gigantes” e sem perder de vista as “invasoras silenciosas”, assistindo à “guerra dos peixes” e escutando os “últimos uivos”. “O livro foi compilado como se de um romance se tratasse”, explica Jorge Nunes, “tem inúmeras personagens diferentes [seres vivos], o enredo desenvolve-se em muitos cenários [ambientes aquáticos, terrestres e aéreos], recorre aos cinco sentidos, fala de mitos, medos e fobias e explora diversos conflitos, geralmente entre o ser humano e o ambiente.”
“Portugal”, explica, “dada a sua peculiar localização geográfica”, tem um vasto espólio natural que inclui “preciosidades biológicas”, avalia, “tanto animais como vegetais”.
“As espécies mais valiosas são os endemismos lusos ou ibéricos”, destaca Jorge Nunes, “que apenas ocorrem no território português ou na Península Ibérica, não existindo em nenhum outro lugar do planeta”. “Regra geral”, prossegue, “falamos de plantas e de animais com escassa distribuição geográfica e que se encontram ameaçados ou em vias de extinção”. Porém, é incontornável que as espécies mais icónicas “costumam ser as de maiores dimensões, que toda a gente conhece”, assume.
E, entre estas, em Portugal, destacam-se o lobo-ibérico, “de que já só restam cerca de 300 no território”, ou o lince-ibérico, “que foi até há pouco tempo considerado o felino mais ameaçado do mundo e cuja população portuguesa se estima em 75 exemplares”. Mas o livro não se detém nestes, viaja pelo território nacional desvendando também as suas curiosidades e aspectos menos conhecidos – desde espécies tão raras que “apenas foram baptizadas com nomes científicos, em latim, não existindo sequer nomes vulgares para os designar” à presença de raposas no Parque Florestal de Monsanto (“os seus hábitos crepusculares afastam-nas geralmente dos olhares indiscretos”), do “regresso” do esquilo vermelho, que havia sido considerado extinto em Portugal mas voltou a colonizar naturalmente o país e tem-se tornado habitual em “várias cidades nortenhas”, às 24 espécies de morcegos nacionais, sendo o morcego-anão o mais vulgar em paisagens citadinas.
Há um propósito que guia este livro – Jorge Nunes declara-o mesmo como “lema”: “conhecer para preservar”. E tal pretende chamar a atenção para a importância e necessidade de protecção de todos os seres vivos, por mais insignificantes que possam parecer, para o equilíbrio dos ecossistemas e mesmo para a sociedade. “Não tenho dúvidas que, na actualidade, conhecemos melhor do que nunca os nossos valores naturais”, defende, “e esse aumento do conhecimento tem contribuído para uma progressiva alteração de mentalidades”. Os cidadãos estão “mais conscientes e conhecedores dos problemas ambientais” e isso também se deve à (melhor) comunicação da ciência.
“Creio que, nos últimos anos, o grande desafio foi fazer com que os conhecimentos saíssem do meio académico e nesse sentido acredito que as redes sociais têm desempenhado um papel fundamental, tanto como veículos privilegiados de divulgação científica como de concretização de projectos de ‘ciência cidadã’”, diz – como aqueles em que os cidadãos são chamados a ajudar os cientistas nas suas diversas missões, nomeadamente na actualização da distribuição geográfica de determinadas espécies fauno-florísticas. Contudo, alerta, “tendo em conta os problemas ambientais emergentes, como o aquecimento global ou a extinção de espécies”, essa mudança de mentalidades “tem-se revelado demasiado lenta face aos inúmeros perigos que enfrentamos”.
É do que Jorge Nunes chama o seu “enamoramento pelos animais e pelas plantas” e da sua percepção da “necessidade da sua conservação e da implementação de modelos civilizacionais mais racionais, saudáveis e sustentáveis” que trata Descobrir Portugal Natural. Um livro onde cabem as espécies marcantes como o lobo-ibérico, veados, gamos e corços, e os organismos “mais humildes, como os cogumelos, os líquenes, os insectos, os aracnídeos, os anfíbios, os répteis, os peixes ou as orquídeas silvestres” – todos valem a pena conhecer e preservar.