Costa recusa aceitar solução desenhada por Centeno para o orçamento europeu

O primeiro-ministro juntou uma segunda linha vermelha ao seu caderno de encargos para as negociações do próximo quadro financeiro plurianual. Costa não admite cortes no envelope da coesão, e não apoia proposta do Eurogrupo para o instrumento financeiro de convergência.

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FRANCISCO ROMAO PEREIRA

Na difícil negociação com os outros líderes europeus sobre o próximo quadro financeiro plurianual da UE, António Costa decidiu incluir a oposição portuguesa ao modelo definido para o funcionamento do novo orçamento da zona euro. Uma posição que surge depois de um longo período de discussão sobre o tema dentro do Eurogrupo, um órgão liderado por Mário Centeno e que chegou a um entendimento final sobre esta matéria com o acordo português.

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Na difícil negociação com os outros líderes europeus sobre o próximo quadro financeiro plurianual da UE, António Costa decidiu incluir a oposição portuguesa ao modelo definido para o funcionamento do novo orçamento da zona euro. Uma posição que surge depois de um longo período de discussão sobre o tema dentro do Eurogrupo, um órgão liderado por Mário Centeno e que chegou a um entendimento final sobre esta matéria com o acordo português.

Em Bruxelas, o primeiro-ministro, António Costa, não poupou críticas, tal como já tinha feito durante a semana no Parlamento, ao futuro Instrumento Financeiro para a Convergência e Competitividade (BICC, na sigla em inglês). “Não faz sentido. Está mal desenhado, tem de ser refeito”, censurou António Costa, que não exclui a hipótese de “chumbar” o chamado orçamento da zona euro se o seu esquema de funcionamento não for alterado. 

“É conhecido que Portugal tem uma divergência relativamente a esta proposta do BICC como foi configurado no Eurogrupo. O esquema que foi aprovado ao prever que há uma cláusula de ‘justo retorno’ de 70% em função da quota ideal de contribuições de cada um dos países para o orçamento da UE”, explicou o primeiro-ministro, sublinhando que esse modelo “faz com que o BICC deixe de ser um instrumento de convergência e passe a ser um verdadeiro mecanismo de rebate”. António Costa certificou-se que no parágrafo das conclusões sobre a cimeira do euro aprovadas pelo Conselho, foi acrescentada uma frase para incluir no mandato de Charles Michel a negociação dos termos do BICC. 

A reformulação do modelo do BICC tornou-se a segunda linha vermelha de António Costa para as negociações do próximo quadro financeiro plurianual (QFP) para 2021-27, que vão entrar agora numa fase de contactos bilaterais conduzidos pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. No final da cimeira de chefes de Estado e governo da UE, esta sexta-feira em Bruxelas, o primeiro-ministro disse que não vai admitir cortes no envelope nacional da política da coesão, que de acordo com a proposta orçamental da presidência finlandesa da UE poderiam chegar a 10% do montante actual.

"Constrangimento” ou “bom desempenho do papel"?

No que diz respeito ao BICC, aquilo que surpreende na posição do primeiro-ministro é o facto de o modelo criticado ter sido apresentado pelo presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, após complexas negociações que se prolongaram por quase dois anos. Fontes europeias deram conta do “constrangimento” na sala do Conselho após António Costa ter levantado as objecções de Portugal ao BICC, em frente do presidente do Eurogrupo: o seu próprio ministro das Finanças. O primeiro-ministro desvaloriza essas “tricas políticas” que, lamenta, desviam a atenção do “problema em cima da mesa”.

Para Costa, “não houve nenhum constrangimento entre o primeiro-ministro de Portugal e o presidente do Eurogrupo”, o que houve foi “dois portugueses presentes na sala a desempenhar bem o seu papel”. “Ao primeiro-ministro de Portugal compete-lhe representar os portugueses e os seus interesses. E ao presidente do Eurogrupo compete-lhe, e bem, representar a vontade geral do Eurogrupo”, observou.

Costa contrariou ainda a descrição das mesmas fontes do Conselho, segundo as quais as críticas de Portugal “complicaram” o debate entre os líderes. “Não creio que corresponda à realidade. Acho que ajudei bastante à discussão porque ajudei a evitar que quando chegarmos à fase da discussão do quadro financeiro plurianual o BICC seja chumbado”, contrapôs, insistindo que sem uma “correcção” dos problemas que identificou na proposta do Eurogrupo, Portugal vai opor-se à sua aprovação.

“A lógica do BICC não existe em nenhum mecanismo do QFP e há aliás muitas dúvidas que juridicamente possa existir uma regra como esta de os países recuperarem 70% daquilo que é a sua quota de contribuição para o financiamento geral da UE”, afirmou Costa, dizendo que essa regra inviabiliza o instrumento de cumprir a função para o qual foi constituído. “Ora, se da aplicação da fórmula temos um resultado inverso ao desejado, só podemos concluir uma coisa: a fórmula foi mal desenhada”, repetiu.

Durante a longa negociação para a criação de um orçamento para a zona euro, a fórmula a definir para a distribuição dos fundos foi uma das matérias que motivou mais discussões. Em primeiro lugar, ficou definido que, do total do BICC, 80% é distribuído pelos países seguindo uma fórmula baseada na população (quanto maior, mais o país recebe) e no PIB per capita (quanto maior menos o país recebe) e 20% são alocados aos melhores projectos, independentemente dos países que os apresentam.

Depois, numa tentativa de terem uma maior parte no bolo, os países com PIB per capita mais alto, defenderam que devia ser estabelecido um mínimo, que corresponderia a uma percentagem do valor total da contribuição feita pelo país. Países como a Holanda, por exemplo, queriam que cada país recebesse um mínimo de 90% das suas contribuições, países do sul como Portugal começaram por defender inicialmente um valor próximo de 50%. No final chegou-se a um entendimento em torno do mínimo de 70%, que agora é criticado por António Costa. Com a introdução deste mínimo, Portugal acaba por registar uma perda potencial de fundos recebidos do BICC. Nos cálculos técnicos usados nas negociações, a diferença entre as duas opções (com e sem mínimo de 70%) para Portugal era da ordem dos 20 milhões de euros, num total próximo de 600 milhões de euros, apurou o PÚBLICO.

Pelo facto de Mário Centeno ser o presidente do Eurogrupo e ter a tarefa de tentar encontrar consensos entre os diversos países, as posições de Portugal neste órgão são defendidas pelo secretário de Estado das Finanças Ricardo Mourinho Félix, que acabou, como os representantes de todos os outros países, por concordar com a solução proposta.

O PÚBLICO colocou questões ao Ministério das Finanças sobre a posição assumida por Portugal durante as negociações do Eurogrupo, mas não obteve resposta em tempo útil.