Actor e encenador Tiago Rodrigues recebe Prémio Pessoa 2019
O actual director do Teatro Nacional D. Maria II é o vencedor da 33.ª edição do prémio. O júri consagra uma carreira de “excepcional projecção dentro e fora do país, mas também reconhece um contributo notável para o desenvolvimento do campo das artes performativas portuguesas”.
Tiago Rodrigues, actor, encenador, dramaturgo e actual director do Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII), é o vencedor do Prémio Pessoa 2019, foi anunciado esta sexta-feira. O encenador recebeu simbolicamente a notícia em Londres, onde está a ensaiar José Saramago com a prestigiada Royal Shakespeare Company (RSC) na sequência de um convite que lhe foi endereçado no ano passado.
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Tiago Rodrigues, actor, encenador, dramaturgo e actual director do Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII), é o vencedor do Prémio Pessoa 2019, foi anunciado esta sexta-feira. O encenador recebeu simbolicamente a notícia em Londres, onde está a ensaiar José Saramago com a prestigiada Royal Shakespeare Company (RSC) na sequência de um convite que lhe foi endereçado no ano passado.
O júri quis consagrar uma carreira de “excepcional projecção dentro e fora do país, mas também reconhece um contributo notável para o desenvolvimento do campo das artes performativas portuguesas”, lê-se na acta da 33.ª edição do Prémio Pessoa.
O mais jovem director artístico do D. Maria II, Tiago Rodrigues, de 42 anos, “começou por se destacar no panorama artístico português quando foi co-fundador do projecto Mundo Perfeito, com o qual apresentou mais de 30 produções, quer em Portugal, quer em alguns dos mais importantes festivais e temporadas na Europa, no Brasil e nos Estados Unidos”. Foi ele próprio autor de obras como Se uma Janela se Abrisse, Tristeza e Alegria na Vida das Girafas e Três Dedos Abaixo dos Joelhos. “Empenhado num constante diálogo entre o teatro e as demais linguagens artísticas, colaborou com o coreógrafo Rui Horta e com os cineastas Tiago Guedes, João Canijo, Bruno de Almeida e Marco Martins e foi autor do guião da série televisiva Noite Sangrenta”, diz a acta.
No ano passado, Tiago Rodrigues foi um dos vencedores do Prémio Europa de Teatro – Realidades Teatrais, criado pela Comissão Europeia, e que lhe foi entregue em Novembro, em São Petersburgo.
Em 2014, ano da nomeação para director do TNDMII, “lançou um ambicioso projecto de internacionalização daquela instituição, à qual imprimiu um novo dinamismo desde logo reconhecido pela crítica e pelo público”. Bovary, a sua adaptação de Flaubert estreada nesse ano no Alkantara Festival, foi considerada em 2016 a melhor peça do ano em língua francesa pela Associação Profissional da Crítica de Teatro, Música e Dança de França.
Esta é a segunda vez que o Prémio Pessoa é atribuído a uma personalidade do teatro: Luis Miguel Cintra, actor e encenador, recebeu o prémio em 2005.
O encenador João Mota considera “justíssimo” o prémio agora atribuído ao seu ex-aluno na Escola de Teatro e Cinema, em Lisboa. “E é um prémio que vem numa idade boa, 42 anos. Cria-lhe mais responsabilidade, mas ele está na altura de fazer mais e ir muito mais longe na sua carreira”, desafia o fundador d’A Comuna.
Recordando ao PÚBLICO o contacto que teve com Tiago Rodrigues na Escola de Teatro, João Mota diz que já aí se notava “a sua diferença, o seu rigor”, e o “grande grau de exigência” que ele colocava em tudo o que fazia. “Depois começou a escrever, foi-se afirmando como autor e a seguir como encenador”, recorda. E acabou por chegar, “com mérito”, à direcção do TNDMII, cargo que João Mota também já desempenhou. “No Teatro Nacional, ele tem correspondido às expectativas, tem feito inovações interessantíssimas, mas penso que pode ainda fazer melhor”, diz o encenador. E reclama, expressamente, que Tiago Rodrigues deixe que as produções do Dona Maria II “fiquem em cena mais tempo, pelo menos um mês, mês e meio, em cartaz, para criar mais e novos públicos — é esse o desafio que lhe faço”.
Missão “política"
O júri do Prémio Pessoa destaca também “o papel que, sob a sua orientação, o Teatro Nacional tem vindo a desempenhar na articulação com os projectos teatrais independentes e com a circulação de produções por todo o país”.
“Fui convidado em 2014, entrei nos primeiros dias de 2015 e nunca tinha dirigido um teatro. Passar da inexperiência total na direcção de um teatro a dirigir um teatro nacional é um pouco como escrever um romance de estreia com mil páginas”, disse em entrevista ao PÚBLICO, publicada em 2018.
Nessa entrevista, assumia a missão “absolutamente política” que o teatro desempenha: “O projecto que tentamos desenvolver aqui dialoga com a missão consagrada, histórica, do Teatro Nacional D. Maria II, e uma interpretação hoje do que pode ser a tradução para teatro e para serviço público de teatro dessa missão. A missão do teatro nacional e as ideias fundamentais que em 1846 foram subscritas pelo Garrett parecem tão urgentes hoje como na época, interpretadas de outra maneira, ou seja, traduzimos com a língua do nosso tempo e com o olhar do nosso tempo uma urgência que é comum. ”
Tiago Rodrigues é “uma presença regular nos principais palcos europeus, entre eles os do Festival de Avignon ou do Teatro da Bastilha”, em França (que este ano lhe atribuiu o grau de Cavaleiro de Artes e Letras), além do convite, já referido, para encenar para a Royal Shakespeare Company em Inglaterra. O júri sublinha ainda a “intensa actividade pedagógica” do encenador em Portugal e no estrangeiro e a “forte dimensão comunitária” e de natureza social do seu trabalho.
“Um dos grandes problemas da sociedade portuguesa com a cultura e com as artes é a noção de que são coisas excepcionais, para os grandes momentos, para as grandes celebrações, para as efemérides; que são para festejarmos”, dizia na entrevista ao PÚBLICO. “O acesso às artes é uma coisa que deve acontecer, sobretudo, nos dias úteis. Não faz mal que aconteça também aos domingos e aos feriados e nas grandes festas. Deve fazer parte, mas deve fazer parte do quotidiano de toda a gente. Isso só é garantido com gerações de pessoas que passam pelo sistema de ensino público e integram e interiorizam isso.”
Saramago em Inglaterra
Tiago Rodrigues está a preparar a peça Blindness and Seeing, baseada nos romances Ensaio Sobre a Cegueira e Ensaio Sobre a Lucidez, de José Saramago. “Pareceu-me uma resposta da literatura portuguesa a uma ideia de Europa que, na altura, era uma resposta absolutamente premente, mas que hoje ganha uma renovada urgência”, explicou o encenador ao PÚBLICO, no passado mês de Novembro, quando interpretou o convite da Royal Shakespeare Company como uma abertura em relação à Europa, nestes tempos conturbados do ‘Brexit’. “Achei que estes livros podiam fazer um ricochete interessante no público inglês, nos artistas com quem vou trabalhar em Inglaterra, nos actores e na companhia.”
Na sua página de Facebook, Tiago Rodrigues comenta ter passado esta quinta-feira, dia de legislativas antecipadas no Reino Unido e que deram uma vitória esmagadora a Boris Johnson, "a ler o Ensaio Sobre a Lucidez de José Saramago em voz alta na tradução inglesa. Agora, parece-me uma espécie de epitáfio. Devia ter sido leitura obrigatória antes do voto. Devíamos ter saído pelas ruas a recitar a quem passasse.”
Blindness and Seeing — título que associa os dois termos das traduções inglesas dos livros do Nobel português — deverá estrear-se a 1 de Agosto de 2020 e ficar em cena até 26 de Setembro no Swan Theatre, uma das salas da RSC em Stratford-upon-Avon. Terá um elenco de 14 actores, que Tiago Rodrigues está presentemente a fechar entre membros da companhia inglesa e alguns nomes convidados.
O que é o Prémio Pessoa?
O prémio, uma iniciativa do jornal Expresso patrocinada pela Caixa Geral de Depósitos, tem o valor de 60 mil euros e distingue uma personalidade portuguesa que tenha tido uma “intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica”. É considerado um dos maiores galardões atribuídos à personalidade portuguesa que mais se tenha destacado nas áreas da Cultura, Arte ou Ciência.
O júri desta edição foi constituído por Francisco Pinto Balsemão (presidente), Emílio Rui Vilar (vice-presidente), Ana Pinho, António Barreto (cronista do PÚBLICO), Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Eduardo Souto de Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Maria de Sousa, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques
Em 2018, o Prémio Pessoa foi entregue ao investigador Miguel Bastos Araújo, especialista em biogeografia e um dos maiores especialistas mundiais em alterações climáticas e biodiversidade.
Lista das personalidades distinguidas com o Prémio Pessoa, desde a sua criação em 1987:
2018 - Miguel Bastos Araújo (geógrafo)
2017 - Manuel Aires Mateus (arquitecto)
2016 - Frederico Lourenço (filólogo, escritor, tradutor)
2015 - Rui Chafes (escultor)
2014 - Henrique Leitão (historiador de ciência)
2013 - Maria Manuel Mota (investigadora)
2012 - Richard Zenith (investigador)
2011 - Eduardo Lourenço (ensaísta)
2010 - Maria do Carmo Fonseca (investigadora)
2009 - Manuel Clemente (cardeal-patriarca de Lisboa)
2008 - João Luís Carrilho da Graça (arquitecto)
2007 - Irene Flunser Pimentel (historiadora)
2006 - António Câmara (investigador)
2005 - Luis Miguel Cintra (actor, encenador)
2004 - Mário Cláudio (escritor)
2003 - José Joaquim Gomes Canotilho (constitucionalista)
2002 - Manuel Sobrinho Simões (investigador)
2001 - João Bénard da Costa (historiador de cinema)
2000 - Emmanuel Nunes (compositor)
1999 - Manuel Alegre (escritor) e José Manuel Rodrigues (fotógrafo)
1998 - Eduardo Souto de Moura (arquitecto)
1997 - José Cardoso Pires (escritor)
1996 - João Lobo Antunes (investigador, neurocirurgião)
1995 - Vasco Graça Moura (escritor e tradutor)
1994 - Herberto Helder (poeta)
1993 - Fernando Gil (ensaísta)
1992 - António e Hanna Damásio (investigadores)
1991 - Cláudio Torres (arqueólogo)
1990 - Menez - Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca (artista plástica)
1989 - Maria João Pires (pianista)
1988 - António Ramos Rosa (poeta)
1987 - José Mattoso (historiador)