Isto não é colocar mais dinheiro no SNS, é gastar o dinheiro “de forma mais inteligente”

Dotação de 800 milhões de euros no SNS não é reforço do orçamento, porque o Governo tem vindo sempre a fazer sucessivas injecções de capital no sector para pagar dívidas ao longo dos anos, afirma presidente da associação de administradores hospitalares.

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Rui Gaudencio

O Governo decidiu avançar por uma “alteração de paradigma, de modelo de gestão orçamental”, o que era reivindicado desde há anos pelos intervenientes no sector. Isto não significa, porém, “que vá colocar mais dinheiro no Serviço Nacional de Saúde [SNS], mas sim que o fará de uma forma mais inteligente”, reage o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço.

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O Governo decidiu avançar por uma “alteração de paradigma, de modelo de gestão orçamental”, o que era reivindicado desde há anos pelos intervenientes no sector. Isto não significa, porém, “que vá colocar mais dinheiro no Serviço Nacional de Saúde [SNS], mas sim que o fará de uma forma mais inteligente”, reage o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço.

Então, a dotação de mais 800 milhões de euros no próximo ano não significa um reforço do financiamento do SNS? Não, porque “não há subfinanciamento do SNS mas sim suborçamentação”, uma vez que, ao longo dos anos, o Governo vê-se sempre na necessidade de ir fazendo “sucessivas injecções de dinheiro” para pagar dívidas, desmonta Alexandre Lourenço.

“Uma demonstração disto mesmo é o facto de ter sido agora anunciado que ainda este ano vão ser injectados no SNS mais 550 milhões de euros para saldar pagamentos em atraso. Se este dinheiro tivesse sido utilizado no início deste ano teria permitido uma relacionamento mais saudável com os fornecedores, uma redução dos preços praticados e que não fosse necessário vender dívida ao sector financeiro, que lucra com os problemas do SNS”, esclarece.

Agora, sublinha, “aguardamos com expectativa as medidas associadas a este orçamento inicial”, nomeadamente os contratos de gestão em que se vai materializar “a nova dinâmica dos centros de responsabilidade integrada”, e em que vão ser investidos 100 milhões de euros no próximo ano, segundo adiantou esta quarta-feira a ministra da Saúde. A ministra Marta Temido que, quando era presidente da APAH, reivindicava justamente este modelo de gestão, lembra.

Apesar de estar satisfeito com este anúncio – “felicito o Governo por inverter esta política de suborçamentação”, enfatizou –, Alexandre Lourenço espera que esta alteração de paradigma permita que “o SNS comece a ter os meios necessários para responder à população”, mas avisa que “é nos detalhes” que se perceberá como a mudança será concretizada.

Quanto ao reforço em meios humanos, mais 8400 profissionais em dois anos, acentua que há carência de assistentes operacionais, de enfermeiros e de médicos de algumas especialidades nos hospitais e que este aumento vai permitir reduzir a despesa em horas extraordinárias e em prestação de serviços. “Só em horas extraordinárias, gastamos em 2018 o equivalente à contratação de dois mil enfermeiros”, especifica, enquanto em “tarefeiros” a factura ascendeu a 105 milhões de euros no ano passado. E este ano a situação “ainda está pior”, frisa.

Mas o administrador hospitalar está convencido de que com estas medidas se vão criar condições para que o SNS seja atractivo para os médicos, uma vez que os centros de responsabilidade integrada permitem premiar os que têm melhor desempenho e e convencê-los a optar pela dedicação plena ao SNS. De igual forma, sublinha o anúncio da maior flexibilidade na aplicação da lei dos compromissos que limita muito a contratação de bens e serviços.

"É preciso ler tudo"

“É um excelente princípio” que “faz todo o sentido” porque é “uma maneira de gerir que permite mais previsibilidade” e que “a passagem de um período para o outro seja feita sem interrupção da cobertura de cuidados, com tempo”, reage o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Henrique Barros, lembrando igualmente que um plano plurianual para a saúde era reclamado desde há vários anos.

No final de 2017, aliás, o CNS, recém-criado e quando era presidido por Jorge Simões, logo no seu primeiro relatório – que incidia sobre os fluxos financeiros no SNS –recomendava que fosse criado “um orçamento plurianual, que permita maior estabilidade e previsão orçamental e contribua para um planeamento efectivo na saúde”.

Agora, avisa também Henrique Barros, “é preciso saber se [este plano] vem com alguns constrangimentos, é preciso ler tudo”. Sem querer entrar em mais detalhes, porque ainda desconhece os pormenores das medidas anunciadas, o médico e professor universitário insiste que é preciso olhar para este anúncio do Governo com cautela. “Às vezes dizemos que vamos ser todos felizes, mas…”.

Um ano antes, em Novembro de 2016, o Conselho Estratégico Nacional da Saúde da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) já tinha igualmente reclamado que os orçamentos para a saúde deixassem de ser feitos apenas para um ano e passasse a existir uma visão a médio prazo. Esta era a ideia na base da proposta apresentada então pelos responsáveis por este organismo e que previa, por exemplo, que 10% da receita obtida com o imposto sobre o tabaco fosse canalizada para o SNS.

O presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), João Almeida Lopes, também membro deste órgão da CIP, defendeu então que a solução para alguns dos problemas do SNS passaria por esclarecer para onde vão as fatias do bolo do orçamento, como já acontece com a Segurança Social. A ideia da proposta da CIP passava pela previsão a médio prazo de quanto há para gastar em áreas como a prevenção, a inovação ou com patologias concretas e que geram mais despesa, de que são exemplo a oncologia, a diabetes ou o VIH/sida. As associações que integram este órgão consultivo da CIP representam mais de cinco mil empresas a operar em Portugal.