O ruidoso silêncio na relação Costa-Centeno
Costa vai deixando instalar a ideia de que o seu homem das Finanças não é o ministro, mas apenas mais um ministro. Ao fazê-lo, porém, é a sua própria imagem política que se altera.
Não é preciso muito esforço para percebermos que algo mudou na relação entre António Costa e Mário Centeno, quando o ministro das Finanças avançou com uma candidatura extemporânea para a liderança do FMI. Estávamos em Julho, já na pré-corrida para as legislativas, e o anúncio mereceu na altura uma declaração lacónica do primeiro-ministro que deixava perceber um misto de surpresa e de desilusão (“A hipótese que surgiu e que está em cima de mesa é uma hipótese, não podemos deixar de considerar, mas não é objectivo”, dizia António Costa). Perder a estrela Centeno a tão curta distância das eleições era temerário. Contrariar as expectativas de um ministro no auge da sua popularidade, um suicídio. Costa fez o que sabe fazer bem: geriu o tempo.
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Não é preciso muito esforço para percebermos que algo mudou na relação entre António Costa e Mário Centeno, quando o ministro das Finanças avançou com uma candidatura extemporânea para a liderança do FMI. Estávamos em Julho, já na pré-corrida para as legislativas, e o anúncio mereceu na altura uma declaração lacónica do primeiro-ministro que deixava perceber um misto de surpresa e de desilusão (“A hipótese que surgiu e que está em cima de mesa é uma hipótese, não podemos deixar de considerar, mas não é objectivo”, dizia António Costa). Perder a estrela Centeno a tão curta distância das eleições era temerário. Contrariar as expectativas de um ministro no auge da sua popularidade, um suicídio. Costa fez o que sabe fazer bem: geriu o tempo.
Hoje, no Governo, Mário Centeno parece ser mais uma dádiva política do passado do que uma promessa do futuro. Como o seu mandato no Eurogrupo dura até meados de 2020, permanece intocável. Mas anda triste e, mais assinalável ainda, discreto. Não tem sido um astro no Parlamento. Partilha a nobiliarquia do Governo com três outros ministros do Estado. Aos poucos, vai cedendo parte do seu poder absoluto em matérias como as PPP. Perdeu a aura de intocável que a aliança inabalável com o primeiro-ministro lhe concedia e é abertamente desafiado na praça por outros ministros. Em surdina, o PS já não suporta o poder de veto que lhe permitia brilhar nos números do défice à custa da aflição dos pares que tutelam a Saúde ou a ferrovia.
Centeno esvazia-se e com o seu declínio todo o projecto político de António Costa fica em questão. Se ele foi o que foi na anterior legislatura, é porque António Costa assim o quis. Se governou as contas do Estado com mão de ferro, foi porque o primeiro-ministro se deliciou com o controlo do défice e se envaideceu (justamente) junto dos seus pares europeus. Se agora temos a expectativa de um orçamento com investimento público, com dinheiro para comboios, o SNS, para funcionários públicos ou uns pozinhos para a Cultura é porque o legado do primeiro Centeno o permite.
Costa vai deixando instalar a ideia que o seu homem das Finanças não é o ministro, mas apenas mais um ministro. Ao fazê-lo, porém, é a sua própria imagem política que se altera. Centeno foi o principal obreiro da anterior legislatura e qualquer tentativa de esvaziar esse passado causará danos. Talvez seja por isso que Centeno se vai mantendo em silêncio. Talvez seja por isso que António Costa autoriza que o moam de mansinho. Que neste diálogo cínico se adivinha um clima de crescente mal-estar restam poucas dúvidas.