Henry Fonda, lei e ordem

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E ia, sozinho, perder-se nas florestas do Jura. Terá sido esta frase, lida no Libération, que empurrou Emmanuel Carrère para o caso Romand, que sacudiu a França nos anos 90: Jean-Claude Romand fingiu durante 18 anos que era médico na OMS e quando se perspetivava a sua exposição, assassinou os pais, a mulher e os filhos, e pôs fogo à residência da família. Suportado por entrevistas e correspondência trocada com o Romand recluso, Carrère escreveu L’Adversaire (2000). O falsário começou a ocupar-me a cabeça em 2001, depois de assistir a O Emprego do Tempo, adaptação livre de Laurent Cantet, com Aurélien Recoing, um protagonista melancólico, incapaz de assumir a perda do emprego, que se dissolve nos reflexos dos envidraçados das portas e janelas dos escritórios por onde circula, e emprega o tempo em auto-estradas e estações de serviço. Depois de entrevistas com Cantet e Carrère, encontrei a versão de Nicole Garcia, com Daniel Auteuil – O Adversário (2002) – mais plana, assente na crueldade do desfecho, com um protagonista psicopata e devedor da ideia de Adversário, Satanás, o oponente de Deus. Só agora chego ao livro de Carrère, e descubro com alguma surpresa que já lá estão todos os indícios para a adaptação de Cantet e para a composição do doce Vincent. Com uma estrutura insólita, que mistura relatos de encontros com Romand e investigação do seu passado, é um exercício elástico de procura de empatia de Carrère com as vulnerabilidades e o medo de não existir do encarcerado. No Verão passado, 26 anos depois da detenção, Romand escolheu não voltar ao subúrbio residencial na planície que acompanha o sopé das montanhas do Jura até à margem do Lago de Genebra: sob vigilância electrónica, está em retiro na Abadia de Fontgombault, uma comunidade de monges beneditinos.

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E ia, sozinho, perder-se nas florestas do Jura. Terá sido esta frase, lida no Libération, que empurrou Emmanuel Carrère para o caso Romand, que sacudiu a França nos anos 90: Jean-Claude Romand fingiu durante 18 anos que era médico na OMS e quando se perspetivava a sua exposição, assassinou os pais, a mulher e os filhos, e pôs fogo à residência da família. Suportado por entrevistas e correspondência trocada com o Romand recluso, Carrère escreveu L’Adversaire (2000). O falsário começou a ocupar-me a cabeça em 2001, depois de assistir a O Emprego do Tempo, adaptação livre de Laurent Cantet, com Aurélien Recoing, um protagonista melancólico, incapaz de assumir a perda do emprego, que se dissolve nos reflexos dos envidraçados das portas e janelas dos escritórios por onde circula, e emprega o tempo em auto-estradas e estações de serviço. Depois de entrevistas com Cantet e Carrère, encontrei a versão de Nicole Garcia, com Daniel Auteuil – O Adversário (2002) – mais plana, assente na crueldade do desfecho, com um protagonista psicopata e devedor da ideia de Adversário, Satanás, o oponente de Deus. Só agora chego ao livro de Carrère, e descubro com alguma surpresa que já lá estão todos os indícios para a adaptação de Cantet e para a composição do doce Vincent. Com uma estrutura insólita, que mistura relatos de encontros com Romand e investigação do seu passado, é um exercício elástico de procura de empatia de Carrère com as vulnerabilidades e o medo de não existir do encarcerado. No Verão passado, 26 anos depois da detenção, Romand escolheu não voltar ao subúrbio residencial na planície que acompanha o sopé das montanhas do Jura até à margem do Lago de Genebra: sob vigilância electrónica, está em retiro na Abadia de Fontgombault, uma comunidade de monges beneditinos.