O caminho doce de Francisco Moreira até à “maior fábrica de chocolate do mundo”
Na tv, ensina-nos as receitas dos Doces do Ofício, programa que acaba de estrear a segunda temporada. Há dias lançou o seu primeiro livro. Vive entre Portugal e a Bélgica, onde trabalha na Chocolate Academy. Para o jovem chef pasteleiro isto anda tudo perto do sonho. Para adoçar ainda mais, deixa-nos uma receita de fatias douradas.
“Falta agora provar, que é a parte mais importante”, diz o chef Francisco no final de um dos Doces do Ofício, onde, como em cada episódio, apresentou três docinhos de fazer água na boca. Entre eles, uns “papos de anjo na sua calda aromática de laranja e poejos a lembrar terras alentejanas”. “Os sabores portugueses também nunca nos deixam ficar mal”, dirá depois ao dar uma colherada num destes amarelinhos doces, uma das estrelas da primeira temporada do seu primeiro programa de televisão. Temporada de sucesso, já que foi o mais visto do canal 24 Kitchen este ano. Não em vão, a 2.ª temporada acaba de estrear, no dia 2, poucos dias depois de ter lançado o seu primeiro livro de receitas com as propostas apresentadas no ecrã.
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“Falta agora provar, que é a parte mais importante”, diz o chef Francisco no final de um dos Doces do Ofício, onde, como em cada episódio, apresentou três docinhos de fazer água na boca. Entre eles, uns “papos de anjo na sua calda aromática de laranja e poejos a lembrar terras alentejanas”. “Os sabores portugueses também nunca nos deixam ficar mal”, dirá depois ao dar uma colherada num destes amarelinhos doces, uma das estrelas da primeira temporada do seu primeiro programa de televisão. Temporada de sucesso, já que foi o mais visto do canal 24 Kitchen este ano. Não em vão, a 2.ª temporada acaba de estrear, no dia 2, poucos dias depois de ter lançado o seu primeiro livro de receitas com as propostas apresentadas no ecrã.
É um ano em grande para os sonhos do chef: aos 28 anos, está na TV, na Net, em livro e, enquanto tudo isso se cozinha em Portugal, vive na Bélgica, onde é chef na Chocolate Academy da centenária e profissional Callebaut, dita a maior fábrica de chocolate do mundo. Tem sido um caminho doce, Francisco?, pergunto-lhe, sentados na Avenida da Liberdade, com uma fava de cacau vinda do Equador ao lado. “Tem sido um caminho muito, muito doce”, confirma, com um sorriso (há que ser frontal) realmente doce.
Vendo a idade, poderá parecer à primeira vista que foi tudo muito rápido. “Bom…”, contraria-me, “foram dez anos de trabalho, comecei a trabalhar aos 18, mas realmente nunca pensei chegar a este ponto.” É que, numa década, não parou quieto: cresceu em Cascais e entrou aos 15 para a escola profissional, interessado na cozinha em geral. Foi já em estágio no Grande Real Villa Itália que se interessou pela pastelaria – “descobri um mundo novo de técnicas” – e daí foi um correr-mundo doce, do Tavares Rico e Oitavos até chef de pastelaria da Fortaleza do Guincho e depois de todo o grupo Olivier. Acabaria mesmo por ganhar 1.º o concurso nacional de pastelaria ADN Pasteleiro, momento em que achou que chegara a altura de arriscar “voar” além-fronteiras – e logo para um Martin Berasategui (o M.B. do Tenerife, duas estrelas Michelin).
“Foi tudo por impulso e para ter várias experiências”, conta. “Para se ser um profissional completo é preciso tentar várias coisas, para mim foi muito bom passar por restaurantes, hotéis, casas com e sem estrela Michelin. É importante ter várias experiências para crescermos e irmos percebendo por onde queremos seguir.”
Um dia, fez um curso na academia de chocolate da Callebaut, em Wieze, perto de Bruxelas. E a passagem foi marcante: pouco depois convidavam-no a integrar a academia, onde, desde 2017, dá aulas e faz consultadoria. “Um trabalho de sonho”, diz-nos, sendo fácil deixar a imaginação voar até vermos Francisco em Charlie e a Fábrica de Chocolate. A realidade não é bem assim, porque não trabalha directamente na fábrica (“muito moderna, mas com muito respeito pela tradição do chocolate”, diz ): a academia fica no edifício ao lado.
A sua vida passa-se entre os dias “académicos” belgas com sabor a chocolate, área que vai aprofundando cada vez mais, e os saltos a Portugal para gravar o programa televisivo e matar saudades. Afinal, o chef é um sentimental. “O amor é um ingrediente importante, sim”, comenta, quando lhe cito um texto que assina no seu livro. E não desarma: “Não quero soar a cliché, mas é que é mesmo!”.
Talvez por isso interligue tanto as sobremesas com os afectos e as memórias. A família não tem ligação profissional à cozinha, mas não esquece os ensinamentos da mãe e da avó (“cozinham as duas muito bem”, fica-se a saber). “Não é tanto a forma de fazer, mas o sabor, é isso que nos traz memórias, o sentimento, algumas receitas são ou da minha mãe ou nela inspiradas, e da minha avó também”, confessa. “A minha mãe fazia um bolo de cenoura e desde que me lembro havia esse bolo em casa. No livro tenho uma receita que modifiquei um bocadinho à minha maneira mas acaba por ser o bolo da minha mãe”, conta.
Para uma conversa que começou com o café a dois (com o chef a sublinhar o pedido de “sem açúcar”), é boa altura para abordarmos o elefante na sala: esse mesmo, o açúcar. “Cada vez trabalho com menos açúcar”, sublinha. Para Francisco, o futuro passa pela “redução” mas sem exageros: “A doçaria conventual, por exemplo, tem que continuar a existir...”. “Temos que ser mais cautelosos nas quantidades de açúcar, no consumo, mas é mais uma questão de moderação do que substituição”, diz. “Se temos uma receita com morangos doces, pode cortar-se no açúcar”, mas, lembra, em relação a substitutos, que “um bolo de arroz, ou um mil-folhas, sem açúcar, não é o mesmo, podemos fazê-lo, mas é outra coisa”. Não que não trabalhe com alternativas ao açúcar, tal como faz para receitas para que tem problemas com lacticínios, glúten ou quer alternativas veganas.
E para um chef que trabalha todos os dias com chocolate, qual é o melhor? Que é o belga, disso não tem dúvidas. Mas deixa bons conselhos: “A definição ideal de um bom chocolate seria um com cacau 100%, onde toda a gordura seja manteiga de cacau e sem outras gorduras adicionadas, depois pode ser uns 70% cacau e 30% açúcar, depende do gosto. É olhar sempre para a lista de ingredientes.”
Entre a doçaria e o chocolate, a televisão e os livros, Lisboa e Bruxelas, é como vai continuar a receita da vida do chef. O regresso definitivo a Portugal não está nos seus planos para breve, mas será que um dia destes teremos por cá uma pastelaria com a assinatura de Francisco, fã assumido do pastel de nata, do pudim abade de Priscos e de toucinho-do-céu? “Quem sabe, quem sabe... É uma coisa que gostava muito de fazer um dia.” Entra mais um sonho para o forno.