Operação Marquês: Ivo Rosa obrigado a avaliar como prova declarações de Salgado no Monte Branco e GES

Tribunal da Relação de Lisboa dá razão a um recurso apresentado pelo Ministério Público e invalida despacho de Ivo Rosa com data de Junho deste ano. Em causa depoimentos de ex-banqueiro nos inquéritos Monte Branco e colapso do BES/GES.

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MANUEL DE ALMEIDA

O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu esta semana invalidar um despacho do juiz Ivo Rosa, responsável pela instrução da Operação Marquês, e obrigar o magistrado a substituí-lo por outro que autorize a utilização como prova das declarações prestadas pelo antigo banqueiro Ricardo Salgado em dois outros casos, o processo Monte Branco e o inquérito ao colapso do Banco Espírito Santo (BES) e do grupo com o mesmo nome.

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O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu esta semana invalidar um despacho do juiz Ivo Rosa, responsável pela instrução da Operação Marquês, e obrigar o magistrado a substituí-lo por outro que autorize a utilização como prova das declarações prestadas pelo antigo banqueiro Ricardo Salgado em dois outros casos, o processo Monte Branco e o inquérito ao colapso do Banco Espírito Santo (BES) e do grupo com o mesmo nome.

A decisão da Relação foi motivada por um recurso do Ministério Público, que contestou a decisão tomada pelo juiz Ivo Rosa em Junho deste ano. O facto de considerar que os depoimentos de Ricardo Salgado naqueles dois processos, o primeiro realizado em Julho de 2014 no Monte Branco e o segundo um ano mais tarde na investigação ao colapso do BES/GES, não podiam valer como prova foi a razão apresentada por Ivo Rosa para chamar a depor o ex-banqueiro Ricardo Salgado, que nem sequer tinha pedido a abertura desta fase facultativa do caso onde se decide apenas se há indícios suficientes para levar cada um dos arguidos a julgamento.

Na decisão, assinada pelos juízes Cid Geraldo e Ana Sebastião, dá-se razão ao Ministério Público, recusando-se os argumentos de Ivo Rosa que se sustentava em dois artigos do Código de Processo Penal para dizer que apenas podiam ser avaliadas como prova os depoimentos feitos “no processo” e não noutros casos.

“A referência das ditas normas à possibilidade de utilização ‘no processo’ das declarações anteriormente prestadas pelo arguido ‘no processo’ deve ser entendida como abarcando todas as declarações prestadas pelo arguido sobre um objecto processual em concreto – ou seja, sobre um conjunto de factos, um segmento da realidade, que se pretende submeter a julgamento, ficando abrangidos os interrogatórios realizados no processo onde as declarações vão ser utilizadas, mas também as prestadas em outros processos que chegaram a abranger o mesmo objecto (versando a mesma matéria)”, lê-se na decisão da Relação, com data da passada terça-feira.

Os juízes desembargadores dizem que o colega Ivo Rosa confundiu conceitos e sobrevalorizou “o elemento literal, sem querer perceber que está em causa um mesmo objecto de prova”. Por outro lado, notam (dando razão a um argumento do Ministério Público), que ainda que a interpretação feita por Ivo Rosa fosse a correcta tal nunca tornaria impossível a valoração das declarações de Salgado na fase de instrução.

Esses dois interrogatórios de Salgado foram um elemento apresentado pelo Ministério Público na acusação da Operação Marquês para sustentar a alegada falsidade de um contrato assinado entre a Espírito Santo Enterprises, conhecida como o alegado “saco azul” do GES, e o antigo administrador da PT, Zeinal Bava, para justificar o recebimento de um valor global de 25,2 milhões de euros transferidos em três tranches para contas do gestor no banco UBS, em Singapura e na Suíça, entre 2007 e 2011. A primeira, de 6,7 milhões de euros, foi paga em Dezembro de 2007, a segunda – de 8,5 milhões de euros – a 21 de Dezembro de 2010 e a terceira, de dez milhões, foi transferida a 20 de Setembro de 2011.

O Ministério Público defende que as três transferências se trataram de “luvas” pagas por Salgado para que Zeinal Bava beneficiasse, como administrador da PT, os interesses do GES. O gestor nega essa tese e justifica o recebimento do dinheiro com um contrato que está datado de 20 de Dezembro de 2010. O documento prevê um financiamento até um máximo de 30 milhões de euros para Bava adquirir em nome da ES Enterprises – uma empresa que não consta do organigrama oficial do grupo e, por isso, escapava ao controlo da supervisão – acções da PT no âmbito de um programa de incentivo aos quadros superiores que assegurasse a sua permanência na gestão daquela operadora de telecomunicações.

Na versão de Zeinal Bava – que em 2016 devolveu à massa falida da Espírito Santo Internacional 18,5 milhões de euros – os 6,7 milhões já foram transferidos ao abrigo daquele acordo, feito no final de 2006 apenas de forma verbal e formalizado quatro anos mais tarde. No contrato, contudo, não há nenhuma referência à transferência feita em 2007. 

Não foi esta a justificação que Salgado deu ao Ministério Público em Julho de 2015. Segundo os juízes da Relação, só num interrogatório prestado pelo ex-banqueiro em Janeiro de 2017, na Operação Marquês, Salgado “referiu que o acordo celebrado com o arguido Zeinal Bava estava reduzido a escrito e que esse documento deveria constar dos autos, ao que o Ministério Público esclareceu não ter conhecimento da existência desse documento nos presentes autos”.