Albert Camus terá sido assassinado pela KGB com o aval dos franceses, acusa livro
O livro presta-se a reconstituir a infiltração do serviço de espionagem russo em França e inclui o testemunho do advogado italiano Giuliano Spazzali sobre uma conversa que este teve com o falecido Jacques Vergès.
Não são novas as teorias que dizem que Albert Camus, Prémio Nobel da Literatura, foi assassinado. Em 2011, o académico italiano Giovanni Catelli, que assina agora A Morte de Camus, foi citado num artigo no jornal italiano Corriere della Sera, por ter notado no diário de Jan Zábrana, o poeta checo, uma passagem que denunciava que a morte de Albert Camus não teria sido acidental.
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Não são novas as teorias que dizem que Albert Camus, Prémio Nobel da Literatura, foi assassinado. Em 2011, o académico italiano Giovanni Catelli, que assina agora A Morte de Camus, foi citado num artigo no jornal italiano Corriere della Sera, por ter notado no diário de Jan Zábrana, o poeta checo, uma passagem que denunciava que a morte de Albert Camus não teria sido acidental.
“Eles [KGB] equiparam o pneu com uma ferramenta que acabou por o perfurar quando o carro estava a circular a alta velocidade”, lê-se no diário do poeta, que cita “um homem bem informado e relacionado”.
No entanto, o estudioso italiano decidiu não se ficar por aí e foi à procura de mais informações que explicassem a morte do franco-argelino. O resultado é o livro A Morte de Camus, lançado em Fevereiro, e cuja tradução para o inglês está de momento a ser discutida, segundo noticia o jornal britânico The Guardian.
O testemunho do controverso Jacques Vergès
A tese apresentada por Catelli passou por validar as palavras de Zábrana: o livro inclui uma entrevista à viúva do poeta, Marie; presta-se a reconstituir a infiltração da KGB em França e inclui o testemunho do advogado italiano Giuliano Spazzali sobre uma conversa que este teve com o falecido Jacques Vergès, o controverso magistrado que ficou conhecido por defender clientes como Saddam Hussein, Carlos, o “Chacal” e Klaus Barbie.
“Vergès disse que o acidente foi encenado”, relatou Spazzali a Catelli, referindo que terá ficado com a sensação que “Vergès tinha mais provas do que pretendia compartilhar”. “Não investiguei mais, mas ainda me lembro como Vergès tinha a certeza de que o acidente tinha sido planeado por uma divisão da KGB, com o aval dos serviços secretos franceses.”
Voltando ao diário de Zábrana, o mesmo indica que a ordem foi emitida por Dmitri Shepilov, como retaliação por um artigo que Camus escreveu no jornal francês Franc-Tireur, publicado em Março de 1957, em que atacava directamente aquele político soviético pela situação húngara.
“Parece que os serviços secretos demoraram três anos para executar a ordem”, relata o diário de Zábrana. “Eles conseguiram eventualmente e de tal maneira que, até hoje, o mundo inteiro pensava que Camus tinha morrido por causa de um acidente de carro comum. O homem recusou-se a dizer-me a sua fonte, mas afirmou que era totalmente confiável.”
A teoria de Catelli, porém, não é consensual: a filha de Camus, Catherine, proibiu inclusive a editora Gallimard de citar o trabalho do pai. Apesar de tudo, o livro foi publicado em França (a versão traduzida para francês, La Mort de Camus, pode ser encontrada em Portugal, na Bertrand), na Argentina e em Itália, tendo recebido rasgados elogios de Paul Auster, o realizador de A Vida Interior de Martin Frost: “Uma conclusão horrível, mas depois de digerir as provas que Catelli nos dá, torna-se difícil não concordar consigo. Assim, ‘acidente de carro’ deve agora ser arquivado noutra gaveta como ‘assassinato político’ — e, assim, Albert Camus foi silenciado aos 46 anos de idade”, escreve Auster no prefácio.
Uma teoria “inverosímil"
Para Alison Finch, professora catedrática de literatura francesa em Cambridge, especialista no período pós-século XIX, tudo não passa de um engodo. Ao The Guardian, explica que “os defensores da teoria de assassinato incluem um escritor criativo e um realizador de cinema (Paul Auster); um escritor e tradutor checo (Jan Zábrana), cuja família foi perseguida pelo regime comunista e que tinha boas razões para odiar o comunismo; e o muito controverso advogado Jacques Vergès, que, com certeza, defendeu combatentes da independência da Argélia torturados pelos franceses, mas que se tornou famoso por defender os indefensáveis.”
Já sobre a participação francesa no complô, a especialista considera que aceitar essa possibilidade passa por acreditar que “o assassinato foi aprovado ao mais alto nível e, presumivelmente, por De Gaulle”. Algo inverosímil, diz Alison Finch, porque “De Gaulle, um escritor talentoso, tinha um grande respeito pelos intelectuais franceses, incluindo aqueles de cujas opiniões discordava”.
Albert Camus morreu a 4 de Janeiro de 1960, após o seu editor Michel Gallimard ter perdido o controlo do automóvel onde seguiam. Camus teve morte imediata, enquanto Gallimard viria a falecer alguns dias mais tarde. Quase duas décadas depois, na biografia do poeta, Herbert Lottman já pusera em causa as condições em que o acidente se dera: “O acidente parecia ter sido causado por uma explosão [do pneu] ou por um eixo partido; os especialistas ficaram intrigados com o facto de isso acontecer numa longa recta, numa estrada com nove metros de largura e com pouco tráfego na época.”