Quando o Sol sopra, formam-se buracos na sua atmosfera
Ondas gigantes, buracos na atmosfera de onde saem ventos ou partículas vindas de cometas e asteróides – são estes alguns dos segredos mais íntimos do Sol registados pela sonda que quer “tocar” na nossa estrela.
Lá vamos nós em direcção ao Sol. A bordo da sonda Parker Solar Probe, estamos mais perto de desvendar os segredos mais íntimos da nossa estrela. Esta quarta-feira tivemos acesso a alguns deles: na edição online desta semana da revista Nature anunciam-se os resultados iniciais da missão em quatro artigos científicos. Se um dos trabalhos mostra que há ondas gigantes e bem fortes à medida que nos aproximamos do astro, outros confirmam que os ventos solares formam buracos na sua atmosfera.
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Lá vamos nós em direcção ao Sol. A bordo da sonda Parker Solar Probe, estamos mais perto de desvendar os segredos mais íntimos da nossa estrela. Esta quarta-feira tivemos acesso a alguns deles: na edição online desta semana da revista Nature anunciam-se os resultados iniciais da missão em quatro artigos científicos. Se um dos trabalhos mostra que há ondas gigantes e bem fortes à medida que nos aproximamos do astro, outros confirmam que os ventos solares formam buracos na sua atmosfera.
Lançada em Agosto de 2018, a Parker Solar Probe é a primeira sonda enviada para a atmosfera do Sol. Este veículo da NASA tem como principal objectivo desvendar os mistérios da corona (a parte mais à superfície da atmosfera solar e que é mais quente do que a sua superfície) e do vento solar. O nome desta missão é uma homenagem a Eugene Parker, cientista que teorizou a existência de vento solar, partículas electricamente carregadas.
Neste momento, já foram feitas três grandes aproximações ao Sol, ou seja, a sonda esteve no periélio, o ponto da sua órbita mais perto do Sol. Esteve assim mais perto do astro do que qualquer outra sonda. Agora, chegam-nos os primeiros resultados das observações feitas a essa distância.
Para nos explicar os resultados, Justin Parker (da Universidade do Michigan, nos EUA, e um dos autores de um dos artigos) salienta que a corona é mil vezes mais quente do que a superfície do Sol. “Gostaríamos de perceber como é que a corona aquece até estas elevadas temperaturas.”
Além disso, a corona produz fluxos de partículas supersónicas que fluem no espaço, o tal vento solar, e em que se podem ver ondas. “Gostaria de saber porque é que este vento é tão rápido – centenas de milhares de quilómetros por segundo.” Outras das questões são: será que são as ondas dos ventos solares que estão a aquecer a corona? E serão essas ondas mais fortes quanto mais próximas estão do Sol? Através da Parker Solar Probe, a equipa imaginou então que estava no oceano e observou a flutuação dessas ondas.
A bordo da sonda, viu-se “surpreendentemente” que mais perto do Sol estavam não só ondas pequenas fortes como também vagalhões, tal como no oceano. “Quando um vagalhão atravessava a sonda, a velocidade do vento podia disparar em segundos mais de 500 mil quilómetros por hora”, descreve Justin Parker. “Vimos milhares destes vagalhões nos dez dias em que nos aproximámos mais do Sol. Questionamo-nos se os vagalhões são o que aquece a corona.”
Também se percebeu que mais perto do Sol o vento solar gira na mesma direcção que o próprio Sol roda em torno do seu eixo. “Isto já tinha sido previsto, mas a rotação que encontrámos é entre dez a 20 vezes mais rápida do que os modelos padronizados para o Sol”, indica o investigador. “Estamos a descobrir que os nossos modelos têm em falta alguma física muito fundamental e que esta missão é uma grande oportunidade para revelar o que realmente acontece.”
Tubos de vento
Já Stuart Bale, da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), vê a viagem a bordo da Parker Solar Probe como se estivesse a estudar a fonte de uma cascata. Para o seu artigo científico, retirou dados da sonda a 24 milhões de quilómetros de distância do Sol (Mercúrio está a 58 milhões) e traça a origem do vento solar. O vento solar rápido circula entre os 500 e os mil quilómetros por segundo e sabe-se que vem de buracos da corona situados no pólo Sul e pólo Norte do Sol. De onde vem o vento solar mais lento que sopra a menos de 500 quilómetros por segundo?
Durante uma das grandes aproximações ao Sol, a sonda esteve durante uma semana por cima de um buraco na corona que emitia partículas do vento solar ao longo das linhas do campo magnético da estrela. Através dos instrumentos do veículo, conseguiu-se seguir a possível origem do vento solar mais lento: está em buracos na corona perto do equador do Sol. Associados às manchas solares, estes buracos são mais frios e menos densos do que o resto da corona. “Pudemos ver a estrutura magnética da corona, o que nos contou que o vento solar está a emergir aí de pequenos buracos”, diz Stuart Bale, num comunicado sobre o trabalho.
Verificou-se ainda que picos de vento solar eram gerados por um processo chamado “reconexão magnética”, em que linhas do campo magnético criam “dobras”. Com a duração de apenas alguns minutos, este processo liberta muita energia, o que acelera o vento solar que forma longos tubos com aproximadamente o diâmetro da Terra.
Outra das surpresas foi a poeira que “salpicava” para a sonda durante os voos de aproximação: “Provavelmente mais pequenas do que um micrómetro, que corresponde à milésima parte de um milímetro, as partículas de poeira são possivelmente detritos de asteróides ou de cometas que derreteram perto do Sol e que ficaram assim para trás”, lê-se no comunicado. Stuart Bale suspeita mesmo que este pó acabe por ser pressionado a sair do nosso sistema solar.
Durante as aproximações, ainda se viu que o campo magnético se invertia, de repente, em 180 graus e que, horas mais tarde, voltava a inverter-se. “Estes ziguezagues estão provavelmente associados a algum tipo de jactos de plasma”, assinala Stuart Bale. “O meu próprio pressentimento é que sejam fundamentais para o problema do aquecimento do vento solar.”
Falhas na rede eléctrica
Também se indica que o campo magnético do Sol acelera partículas do vento solar que podem polvilhar a Terra. Estas partículas aceleradas interagem com o campo magnético do nosso planeta, o que pode gerar luzes coloridas no Norte e no Sul da Terra ou até mesmo danificar a rede eléctrica e de telecomunicações à superfície da Terra ou ameaçar satélites em órbita e astronautas no espaço.
“Houve um grande fenómeno meteorológico no espaço em 1859 que abalou redes de telégrafos na Terra e outro em 1972 que fez explodir minas navais no Norte do Vietname, isto apenas a partir de correntes eléctricas geradas por uma tempestade solar”, recorda Stuart Bale para mostrar como é importante entender o ambiente magnético do Sol. “Agora estamos numa sociedade muito mais tecnológica do que em 1972 e, como tal, as redes de comunicação e o poder da rede eléctrica são extraordinariamente complexas. Por isso, grandes distúrbios vindos do Sol podem ser muito sérios. Se conseguirmos prever a meteorologia espacial, podemos desligar ou isolar partes da nossa poderosa rede ou de sistemas de satélites que poderão ser mais vulneráveis.”
O próximo marco desta sonda realizar-se-á a 26 de Dezembro quando fizer o segundo voo de aproximação a Vénus, para ganhar impulso e se poder aproximar mais do Sol. Espera-se que nos próximos anos chegue a seis milhões de quilómetros da superfície da estrela. “Há décadas que temos vindo a dizer que se viajássemos com uma sonda para uma região inexplorada perto do Sol que poderíamos descobrir novas coisas. Já estamos a ver coisas surpreendentes numa fase muito precoce da missão”, diz entusiasmado Justin Parker sobre esta missão que durará mais cinco anos. A Parker Solar Probe não estará sozinha: em 2020 a Agência Espacial Europeia lançará a missão Solar Orbiter, com a participação da NASA. Tentará perceber como é que o Sol cria e controla a gigante bolha de plasma que envolve todo o sistema solar.