Habitação: não queremos ser expulsas de Lisboa
“A cidade de Lisboa está a perder a sua gente. Os que cá moram, alguns desde sempre, não conseguem resistir à pressão imobiliária e do turismo. Resta-nos uma cidade sem Lisboetas, sem alma.” A opinião de três moradoras da Mouraria.
Somos Lisboetas porque é aqui que vivemos há muitos anos e amamos a nossa cidade. Vivemos na Mouraria e temos o coração alfacinha.
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Somos Lisboetas porque é aqui que vivemos há muitos anos e amamos a nossa cidade. Vivemos na Mouraria e temos o coração alfacinha.
Gostamos da cidade e das suas gentes e também dos que nos visitam. Mas viver nesta cidade é cada vez mais difícil. Todas as semanas vemos uma vizinha partir e as suas casas serem transformadas para turismo. Os preços das casas estão muito altos e é impossível encontrar uma alternativa que nos permita ficar aqui a viver perto do local onde trabalhamos e onde os nossos filhos vão à escola. O governo não arranja soluções para este problema e a câmara municipal apresenta programas muito reduzidos na capacidade de oferta. A crise está a agravar-se dia para dia.
Vivemos num prédio na rua dos Lagares, no número 25, mesmo no centro da Mouraria. Há dois anos éramos 16 famílias, hoje somos 11. Foi no verão de 2017 que o nosso senhorio nos quis pôr na rua. Não aceitámos que, depois de tantos anos a viver naquele prédio, o senhorio nos expulsasse sem existir uma alternativa. Juntámos os vizinhos, fomos expor o nosso problema na Assembleia e Câmara Municipal de Lisboa, fomos à televisão e, com a solidariedade de muitos amigos, conseguimos que a câmara municipal interviesse.
Na altura, a câmara pressionou o senhorio e conseguiu um acordo que, apesar de aumentar significativamente as rendas para alguns inquilinos, permitiu prolongar a permanência das famílias por cinco anos. Foi “apenas um balão de oxigénio”, como lhe chamou na altura a presidente da Assembleia Municipal, a arquiteta Helena Roseta. Disse também que era preciso fazer mais. A própria câmara municipal equacionou a compra do prédio e isso também nos deu alguma esperança. Agora sabemos que o tempo está a contar e a esgotar-se. O horizonte para nós está muito escuro e sabemos que dentro de dois anos estaremos na rua.
A nossa esperança reacendeu-se quando a câmara municipal abriu um concurso para arrendamento de casas municipais no centro histórico. Uma das condições para acesso a este concurso era estar em risco de perder a habitação num prazo de 12 meses. Candidatámo-nos e preencheríamos todas as condições para ser selecionadas se não fosse o acordo de 2017 que a própria câmara municipal nos pediu para assinar para ficar no nosso prédio e supostamente termos estabilidade nas nossas vidas. Porque ainda temos cerca de dois anos de contrato, não fomos aceites. Fomos penalizadas pelo acordo que nos deram para assinar.
Estamos aflitas porque sabemos que dentro de pouco tempo teremos de sair das nossas casas. Estamos por isso numa situação de precariedade habitacional e ainda assim somos excluídas dos poucos programas que existem para dar alternativas de habitação às pessoas. É uma injustiça e revela bem a incapacidade da câmara municipal em proteger os direitos dos Lisboetas.
A cidade de Lisboa está a perder a sua gente. Os que cá moram, alguns desde sempre, não conseguem resistir à pressão imobiliária e do turismo. E os que gostariam de viver na cidade e não têm altos rendimentos também não conseguem pagar os preços exorbitantes. Resta-nos uma cidade sem Lisboetas, sem alma.
As autoras escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico