Um símbolo para iluminar a escuridão
Neste momento de escuridão, Greta é um símbolo que nos permite ver um futuro, mas são precisos milhões de mãos e cabeças para construí-lo.
Hoje, Greta Thunberg chega a Portugal. Em menos de um ano, tornou-se um símbolo mundial, ultrapassando em muito a dimensão que a sua greve frente ao parlamento em Estocolmo tinha, e representando um catalisador para um movimento em ascensão. Mas não podemos enganar-nos: a situação é grave e, apesar da mobilização em massa por todo o mundo, a insanidade institucional de não reagir perante a crise climática é ainda a nota dominante.
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Hoje, Greta Thunberg chega a Portugal. Em menos de um ano, tornou-se um símbolo mundial, ultrapassando em muito a dimensão que a sua greve frente ao parlamento em Estocolmo tinha, e representando um catalisador para um movimento em ascensão. Mas não podemos enganar-nos: a situação é grave e, apesar da mobilização em massa por todo o mundo, a insanidade institucional de não reagir perante a crise climática é ainda a nota dominante.
Quando o catamarã em que Greta atravessou o Atlântico chegar a Lisboa, esta manhã, uma multidão receberá Greta Thunberg antes da sua saída para a Cimeira do Clima em Madrid. A cimeira deveria ter acontecido no Brasil, mas o governo negacionista de Bolsonaro cancelou-a, tendo passado para Santiago do Chile, mas os protestos massivos contra a austeridade levaram o Presidente chileno a cancelar a cimeira, tendo o governo espanhol oferecido a sua capital para albergar o evento. Pouco tempo depois, Pedro Sánchez “concessionava” a cimeira às grandes empresas do IBEX35, solicitando 60 milhões de euros às multinacionais para pagar a logística do evento. Ontem, a Endesa, uma das maiores emissoras de gases com efeito de estufa em Espanha, comprou as capas de todos os jornais para anunciar o seu empenho no combate às alterações climáticas.
O rocambolesco episódio acima descrito é um microcosmos da abordagem às alterações climáticas das instituições do capitalismo global: governos negacionistas que sabotam as negociações climáticas, governos austeritários que reprimem os seus povos e descartam-se de sequer mexer neste problema e governos teoricamente progressistas que entregam as negociações a empresas que são responsáveis pela crise climática. Considerando que 2019 baterá novamente o recorde de emissões de gases com efeito de estufa (que era de 2018, que tinha batido o recorde de 2017 e por aí fora), e que vários dos pontos de não retorno estão a ser atingidos agora e não daqui a 30 ou 40 anos como era previsto, este microcosmos de insanidade pinta um panorama muito grave.
Quando Matos Fernandes envia uma carta a Greta a congratular-se com os esforços que Portugal faz no combate às alterações climáticas, mas há pouco tempo não via incoerência em explorar petróleo e gás, quando atirava à cara de dezenas de milhares de activistas que fechar as centrais a carvão era “deixar metade do país às escuras”, quando autorizava e comprazia-se com a construção de mais um aeroporto em Lisboa, percebemos que a insanidade não é defeito, é feitio. Quando António Costa ontem subiu ao palco em Madrid para anunciar que os preços da energia ficam mais baratos com as renováveis, que as alterações climáticas devem ser interpretadas como uma “grande oportunidade” para mais crescimento económico, percebemos como o panorama é grave.
Neste capitalismo tardio, governos e governantes são uma extensão nos interesses empresariais diversos e olham para todo e qualquer evento ou situação como uma nova oportunidade de fazer dinheiro. Mas não, as alterações climáticas não são uma “grande oportunidade” para fazer negócios, são a maior ameaça que alguma vez já pairou sobre a Humanidade. Resolvê-las não pode ser sujeito à lógica de fazer dinheiro. Resolver a crise climática requer um investimento massivo para mobilizar o esforço humano que permita evitar atingir pontos sem retorno identificados pela ciência. Este esforço não tem como objectivo principal ou sequer secundário produzir rendimento e lucro, mas sim mudar a estrutura da produção de energia, transportes, agricultura, comércio, indústria. Essa mudança será em muitos casos a diminuição da estrutura. Isto não é gerível pelo chamado mercado, pelo meio-milhar de capitalistas que controla a economia mundial, porque implica que esse meio-milhar de capitalistas deixe de controlar a economia mundial e que a mesma passe a ser planificada não para produzir capital, mas sim para uma transição histórica imprescindível para continuar a haver civilizações. O sistema actual é o principal inimigo da Humanidade e o principal obstáculo a resolver esta crise.
Ao dizer “oiçam a ciência”, Greta diz-nos que é preciso cortar 50% das emissões à escala global na próxima década para travar o colapso climático. Não diz para compatibilizarmos isto com o status dos donos do mundo – isso é impossível. Neste momento de escuridão, Greta é um símbolo que nos permite ver um futuro, mas são precisos milhões de mãos e cabeças para construí-lo.