Greta Thunberg: a “miúda zangada” chegou de barco a Lisboa para “pressionar quem está no poder”
Greta Thunberg chegou a Lisboa cinco horas depois do esperado — nem o vento nem as correntes estavam de feição. Passou 21 dias no mar, numa viagem atribulada. E se o Atlântico lhe deu alguma coisa foi “energia” para continuar. Daqui a “uns dias” parte rumo a Madrid, para ir à COP25 pedir medidas concretas e mais acção aos líderes mundiais.
Foi o culminar de uma longa espera. O momento mais aguardado – isto é, a chegada da activista – foi sendo sucessivamente adiado. E, quando aconteceu, Greta Thunberg teve apenas tempo para deixar uma curta, mas poderosa, mensagem: “Não há um único país que esteja a fazer o suficiente. Devemos fazer muito mais do que estamos a fazer agora.” Greta vai passar alguns dias em Lisboa antes de seguir para Madrid, cidade onde se está a realizar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP25).
O dia começou cedo para os activistas portugueses: pelas 7h30 ainda se ultimavam os preparativos para receber Greta Thunberg na Doca de Santo Amaro, em Alcântara. Entre faixas e pinturas, começaram a chegar algumas pessoas que guardavam lugar para saudar Greta, como Sofia, de 13 anos, e Clara, de nove. Estão junto às grades com uma mensagem para a activista, escrita num saco de papel reciclado: “Sê parte da solução e não da poluição”. “É uma frase da greve climática”, apressa-se a justificar Sofia. As duas meninas enfrentam o frio gélido da manhã de forma estóica. Dizem que o fazem porque nem sempre conseguiram estar presentes nas greves climáticas. “Agora que tivemos oportunidade, quisemos vir.”
Se pudessem falar com Greta, o que lhe diriam? “Dizia ‘olá’ e que estou com ela a tirar os plásticos do chão”, responde prontamente Clara, com a certeza que nove anos lhe podem dar. Ainda não adivinhava a longa espera que tinha pela frente para poder ver a sua maior referência.
“Os mais velhos devem agir”
Pelas 10h, já uma multidão de cerca de algumas centenas de pessoas esperava Greta: um grupo composto por activistas climáticos, jornalistas e até uma turma inteira de um curso profissional de saúde. “A delegada de turma decidiu organizar esta visita de estudo”, explicou Sara, 16 anos, uma das alunas. “Todos gostamos muito da Greta.”
Alguns deputados à Assembleia da República também a esperavam. Foi o caso de José Maria Cardoso (Bloco de Esquerda), que acumula a função de deputado com a de líder da Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território. Foi esta a comissão que convidou a jovem activista a estar presente no Parlamento – algo que não vai acontecer —, mas que, no entender do deputado, não retira importância à passagem de Greta por Portugal: “Coloca esta questão na agenda política do dia e dos próximos dias”, diz José Maria Cardoso ao P3.
Greta é o “símbolo” da luta pelo clima, admite o deputado, uma questão para a qual “as gerações mais novas têm outra abertura e maior sensibilidade”. “Compete-lhes saber alertar. Compete aos mais velhos saber agir”, sentencia.
Acção é mesmo a palavra de ordem, mas o líder da comissão parlamentar admite que ainda existe “alguma falta de vontade e de objectivo político” antes de se chegar a projectos concretos. “Também é verdade que Portugal tem dado alguns passos, o Governo tem criado algumas condições para a descarbonização” entre outras coisas, atira. “Mas é preciso mais.”
Uma viagem atribulada
Os bombos tocaram durante horas para tentar contrariar o desânimo geral que se começava a sentir. Não é de estranhar que, assim que se avistou o La Vagabonde a passar por entre os pilares da Ponte 25 de Abril — escoltado por uma embarcação da Polícia Marítima —, as vozes tenham ganhado um novo ímpeto. “Welcome, Greta!”, entoava-se em uníssono. Ao fundo ouviam-se também alguns aplausos e gritos — tímidos porque as horas de antecipação deixaram a sua marca.
Greta chegou a Lisboa cinco horas depois do esperado — nem o vento nem as correntes estavam de feição. Como o La Vagabonde, catamarã onde seguia Greta, é sustentável, usa as velas, painéis solares e hidrogeradores para navegar. Evitou a emissão de cerca de duas a três toneladas de dióxido de carbono ao longo da viagem transatlântica, mas, nesta terça-feira particularmente fria, ditou o atraso da estudante sueca.
A recepção foi feita no cais. Com a pequena marina como pano de fundo, coube a Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, inaugurar os discursos. Seguiu-se o discurso mais inflamado de Matilde Alvim, uma das caras do movimento climático português. “Lutamos pela justiça climática porque a nossa casa está a arder”, atira a activista, recorrendo a uma das frases mais célebres da jovem sueca e focando-se, a seguir, nos problemas que Portugal enfrenta: da necessidade de energia limpa aos novos projectos, como o do aeroporto do Montijo. “Greta, obrigada por seres radical no teu discurso. Não pares”.
A viagem não foi fácil, como sublinharam os discursos de Riley Whitelum, dono do navio usado nesta viagem, e Nikki Henderson, marinheira profissional. “Eu disse à Greta que o oceano nos muda”, recordou Henderson. Mas à activista, o Atlântico só lhe deu mais energia para continuar.
Greta está “assoberbada”, mas não pára
Depois de 21 dias no mar, é normal que o corpo acuse o cansaço e Greta Thunberg admitiu que “estar em terra” a deixou “assoberbada”. “Os nossos cérebros ainda não estão preparados.” Não vai, contudo, parar.
A postura franzina da adolescente de 16 anos agigantava-se perante a multidão. “Vamos continuar a viajar e a pressionar as pessoas que estão no poder”, afirmou. A próxima luta é na COP25, para que todas as vozes, “principalmente as do Sul global”, sejam ouvidas e que os líderes mundiais “ajam com base na ciência”.
Sobre o caso português, admitiu não saber muito. Não sabe quais os planos para o novo aeroporto do Montijo, mas sabe que qualquer plano tem de ser “feito a longo prazo”. “Não garantindo” ter lido a carta enviada pelo ministro do Ambiente, Greta tece apenas um simples comentário sobre a missiva: “O que posso dizer é que nenhum país está a fazer o suficiente”. E nisso inclui Portugal.
Nos próximos dias, Greta estará em Lisboa e depois partirá para Madrid. Na sexta-feira, 6 de Dezembro, faz intenção de participar na marcha que vai acontecer na capital espanhola, uma iniciativa da contra-cimeira convocada pela Fridays For Future. “As pessoas estão a subestimar a força dos miúdos zangados”, atirou, depois de uma resposta a um jornalista. “Têm de deixar de nos deixar zangados.”
Da Doca de Santo Amaro, a saída foi rápida. Protegida por um cordão de segurança feito por jovens, a activista seguiu num carro eléctrico rumo ao local onde irá passar a noite. Pelo caminho, trocou algumas palavras com quem a esperava e ouviu um sonoro “Obrigada, Greta, por tudo”.