Juízes têm assessores na maior parte dos países da UE. Em Portugal esperam há 20 anos

Os magistrados da primeira instância continuam sem apoio. Portugal é um dos dez países da União Europeia em que só os juízes dos tribunais superiores têm assistentes judiciais. Noutros 15 Estados da União há assessores também nas outras instâncias.

Foto
Enric Vives-Rubio

Os modelos e os rácios por magistrado variam. Mas há 15 países na União Europeia (UE) em que os juízes dos tribunais de primeira instância dispõem de assistentes judiciais com formação jurídica para os apoiar. Tal não acontece em Portugal, um dos dez países da União em que só os juízes dos tribunais superiores têm assistentes. Mas não se pense que a questão nunca foi ponderada. Há mais de 20 anos que foi previsto na lei o alargamento desta assessoria aos tribunais de primeira e segunda instância, mas a possibilidade praticamente nunca saiu do papel. Noventa e cinco por cento dos juízes que responderam recentemente a um inquérito sobre este tema dizem ter necessidade desse apoio.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Os modelos e os rácios por magistrado variam. Mas há 15 países na União Europeia (UE) em que os juízes dos tribunais de primeira instância dispõem de assistentes judiciais com formação jurídica para os apoiar. Tal não acontece em Portugal, um dos dez países da União em que só os juízes dos tribunais superiores têm assistentes. Mas não se pense que a questão nunca foi ponderada. Há mais de 20 anos que foi previsto na lei o alargamento desta assessoria aos tribunais de primeira e segunda instância, mas a possibilidade praticamente nunca saiu do papel. Noventa e cinco por cento dos juízes que responderam recentemente a um inquérito sobre este tema dizem ter necessidade desse apoio.

Um levantamento feito pelo PÚBLICO com base num questionário realizado pelo Conselho Consultivo dos Juízes Europeus (CCJE), um organismo do Conselho da Europa, mostra que a maior parte dos países da UE possui assistentes judiciais com formação jurídica para apoiar os seus juízes, nomeadamente os da primeira instância. No entanto, neste grupo há realidades muito diferentes.

Por exemplo, na Holanda há quatro mil advogados nos tribunais para assessorar os cerca de 2500 juízes existentes no país, como explicou esta sexta-feira Martin Vaessen, um juiz holandês que participou no último dia do encontro anual do Conselho Superior da Magistratura, que decorreu em Bragança. Uma realidade bem diferente dos 66 assessores que a vizinha Bélgica dizia ter no questionário CCJE para todos os tribunais do país, dois terços dos quais na primeira instância.

Na República Checa, por exemplo, a norma é nos tribunais de primeira instância haver um assistente para cada dois juízes, um rácio que aumenta nas instâncias superiores. O reforço dos assessores foi decidido pelo Governo checo após alguns estudos realizados entre 2006 e 2008 terem concluído que os assistentes judiciais podiam poupar entre 25% a 33% do tempo de trabalho de um juiz e custar muito menos ao erário público. Segundo dados das autoridades checas, remetidas ao CCJE, um destes profissionais ganha entre 25% a 30% do salário de um juiz.

1700 euros brutos de salário

Em Portugal o que está previsto é que estes profissionais, cujo perfil ainda está a ser definido, sejam técnicos superiores com uma categoria de dirigentes intermédios, recrutados em comissão de serviço por três anos e com um vencimento bruto de perto de 1700 euros. No entanto, a criação de gabinetes de apoio deveria ter arrancado em 2009 nas três comarcas piloto que avançaram com a nova organização dos tribunais. Em Setembro de 2014, um modelo similar, com algumas alterações, foi alargado a todo o país, prevendo igualmente os tais gabinetes de apoio. Mas estas estruturas nunca saíram do papel.

A lei prevê que estes gabinetes possam incluir profissionais especializados em Ciências Jurídicas, em Economia, em Gestão, em contabilidade ou noutras áreas consideradas relevantes, “com formação académica de nível não inferior a licenciatura e experiência profissional adequada”.

O Conselho Superior de Magistratura tem tentado implementar o modelo nos últimos anos, mas a falta de verbas no respectivo orçamento, que depende quase integralmente do Orçamento de Estado, não o tem permitido. Na proposta de orçamento para o próximo ano está prevista uma verba de de 1,6 milhões para este fim, que permitirá recrutar 54 especialistas para distribuir pelos tribunais de todo o país. Mas a medida só poderá ver a luz do dia se o Ministério das Finanças atribuir ao CSM uma verba que possibilite o órgão de gestão e tutela dos juízes arcar com as despesas.

Este é um modelo diferente do que está previsto num outro diploma, aprovado em 2001, quando o actual primeiro-ministro era ministro da Justiça, que previa que os juízes da primeira instância podiam “dispor de assistentes judiciais que os assessoram tecnicamente e os coadjuvam no exercício das suas funções”, destaca o vice-presidente do CSM, José Lameira.

Estes assessores deviam apoiar os juízes na elaboração de projectos de decisões judiciais, proferir despachos de mero expediente ou preparar as agendas de julgamento, o que se aproxima mais das necessidades e da expectativa dos juízes, considera José Lameira. Esta lei, que não há certezas se está ou não em vigor, nunca foi posta em prática.