Afinal, os coalas estão, ou não, “funcionalmente extintos”?
Estima-se que já tenham morrido mais de mil coalas nos incêndios na Austrália e que existam hoje 80 mil em estado selvagem. Por todo o mundo, correram notícias sobre o perigo de estarem “funcionalmente extintos”, mas há especialistas que garantem que os coalas não estão, nem estarão nessa situação num futuro próximo.
Os incêndios florestais que têm vindo a devastar a Austrália ao longo das últimas semanas já provocaram a morte a cerca de mil coalas e destruíram uma grande parte do seu habitat, o que levou a Australian Koala Foundation (AFK) a alertar para o perigo de os coalas estarem “funcionalmente extintos” — uma hipótese que é, no entanto, contestada por muitos. Estará, de facto, esta espécie nesta situação? O P3 falou com vários biólogos e especialistas sobre o actual estado de conservação de um dos animais mais acarinhados do mundo.
Quantos já morreram e quantos existem?
Devido aos incêndios na Austrália, estima-se que, neste momento, já tenham morrido mais de mil coalas. “Isto são números confirmados, mas provavelmente serão muitos mais”, começa por dizer o vice-presidente da direcção nacional da Quercus, Nuno Sequeira. Segundo dados da organização World Wide Fund for Nature (WWF), enviados ao P3, existirão hoje cerca de 200 mil coalas em estado selvagem na Austrália. As estimativas da AFK e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), por seu turno, indicam que “daqueles que eram os 100 mil indivíduos que deveriam existir, poderá haver actualmente apenas 80 mil” coalas na natureza.
Para o biólogo português, são números “muito baixos” tendo em conta a “vasta” área, o que pode indiciar que a “espécie possa vir a ser considerada funcionalmente extinta”. No entanto, John Woinarski, co-presidente do grupo especialista em marsupiais e monotremados australasianos da Comissão de Sobrevivência de Espécies da IUCN, organismo responsável pela elaboração da famosa Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas (ver caixa), explica que, na escala populacional dos coalas ao nível global, “o impacto destes incêndios provavelmente não será significativo” para a espécie.
“Existe uma preocupação legítima pelos impactos dos actuais incêndios florestais — e pela seca prolongada e extensiva que contribuiu para esses fogos — em muitas das espécies ameaçadas da Austrália”, realça o professor de biologia da conservação na Universidade Charles Darwin, num email enviado ao P3. “Contudo, o coala continua disperso e a maioria [provavelmente pelo menos 90%] da sua população encontra-se em áreas não afectadas pelos incêndios”, destaca.
“Vulneráveis” ou “funcionalmente extintos”?
De acordo com o biólogo Nuno Sequeira, verifica-se um desfasamento entre esta avaliação, feita há três anos pela IUCN, e a situação actual. “Esta avaliação, por ter já três anos, não leva em conta todos estes incêndios que têm ocorrido ao longo das últimas semanas. Cremos que, existindo agora uma avaliação rigorosa e actualizada, certamente os coalas já teriam subido um degrau na escala de risco de extinção”, destaca.
Já John Woinarski sublinha que “o coala está em declínio e é afectado cumulativamente por muitas ameaças”. Ainda que os incêndios aumentem a pressão sobre os coalas, segundo o investigador da Universidade Charles Darwin “não há provas suficientemente convincentes ou robustas de que o coala esteja ou se torne funcionalmente extinto num futuro próximo” ou de que a taxa de declínio da população tenha aumentado de tal forma que atinja os níveis mais elevados de extinção.
A WWF Austrália explica que o anúncio de uma possível extinção funcional foi feito, pela primeira vez, em Maio deste ano pela Australian Koala Foundation, ainda antes dos recentes incêndios na Austrália. A organização não-governamental também garante que os coalas não estão “funcionalmente extintos”. Ainda assim, publicou este mês um relatório, onde prevê que “os coalas se poderão extinguir na natureza no leste da Austrália até 2050 e, muito provavelmente, até 2100, se a desflorestação e outras ameaças continuarem a este ritmo”. Os incêndios foram um “duro golpe para uma espécie já em declínio”.
Quais as actuais dificuldades de monitorização?
Embora sublinhe a necessidade de levar a cabo uma monitorização regular e intensiva nas zonas de habitat dos coalas, Nuno Sequeira lembra que estes “são trabalhos que logicamente demoram o seu tempo”. “É necessário que, quando os fogos terminem, seja dada uma especial atenção a esses trabalhos para efectivamente determinar qual é o verdadeiro estatuto de conservação desta espécie e qual o seu risco de extinção”, nota.
Há também quem defenda, como é o caso de Christine Adams-Hosking, investigadora na Universidade de Queensland citada pela National Geographic, que embora algumas populações de coalas se estejam a tornar localmente extintas, há outras em que tal não acontece (como os grupos no estado australiano de Vitória). A área ocupada pelos coalas estende-se por toda a costa leste da Austrália. Segundo um artigo de Diana Fisher, investigadora da Universidade de Queensland, os recentes incêndios florestais em Nova Gales do Sul e Queensland afectaram entre um e 2,5 milhões de hectares, mas a área florestal no leste da Austrália corresponde a mais de 100 milhões de hectares.
A WWF destaca que “infelizmente, ainda é muito cedo para avaliar adequadamente os danos totais causados às populações de coalas e seus habitats” — ainda que acredite que os danos possam ser significativos — e sublinha que as populações de coalas no leste da Austrália, nomeadamente em Queensland e Nova Gales do Sul, têm um papel especialmente importante devido à sua diversidade genética. Embora não possua dados oficiais, a WWF acredita que a perda de 80% do habitat dos coalas possa ser uma sobrestimação e, por outro lado, que a morte de mil coalas nos incêndios possa ficar, na verdade, aquém da realidade.
Quais as principais ameaças?
As grandes ameaças à conservação estão relacionadas precisamente com a destruição e fragmentação do habitat. O aumento do dióxido de carbono na atmosfera tem também vindo a diminuir a qualidade nutricional das folhas de eucalipto das quais os coalas se alimentam e extraem água. Também têm impacto fenómenos globais como as alterações climáticas, o aumento das temperaturas, a seca e, consequentemente, os fogos florestais. À National Geographic, David Bowman, director do Centro de Investigação de Incêndios da Universidade da Tasmânia, admitiu que a situação ainda possa piorar entre Janeiro e Fevereiro, altura do Verão na Austrália.
Além disso, os coalas têm características muito próprias que acabam por potenciar o risco de morte em caso de incêndio. Estes animais são bastante dependentes das florestas, pelo que a grande redução do seu habitat tem um impacto especialmente negativo. “Estima-se que cada coala necessite, em termos de alimentação e habitat, de cerca de 100 árvores para sobreviver”, explica Nuno Sequeira. Outra desvantagem está relacionada com o facto de os coalas se deslocarem lentamente, sendo, por isso, “muito susceptíveis ao avanço dos fogos florestais, que proliferam a uma velocidade muito maior do que aquela a que eles conseguem fugir”.
Dentro da classe dos mamíferos, os coalas pertencem à subclasse dos marsupiais, pelo que as crias estão dependentes das suas mães nos primeiros seis meses de vida, abrigando-se nas bolsas das fêmeas. “Têm um período de maturação relativamente longo, o que faz com que, ao contrário de outros mamíferos que ao fim de pouco tempo são independentes, os coalas não. Quando o fogo atinge a mãe, atinge também a cria e a mortalidade é a duplicar.”
Para os especialistas da WWF, a principal ameaça é a destruição das florestas que mata, todos os anos, centenas de coalas, “geralmente longe dos olhos do público”: “A menos que a desflorestação e o aquecimento global sejam controlados, as principais populações selvagens de Queensland e Nova Gales do Sul poderão desaparecer na segunda metade deste século.” Porém, de acordo com John Woinarski, “existem muitas outras espécies menos carismáticas que foram muito mais severamente afectadas por estes incêndios e secas”, as quais “devem ser o foco de atenção e resposta” por parte dos especialistas em conservação.
É possível que a espécie recupere?
Há uma multiplicidade de factores que fazem com que a pressão sobre esta espécie seja grande. Além da destruição de habitat, existem outras ameaças como a caça ilegal para comercialização da pele. “Apesar de ser um animal muito popular por todo o mundo e acarinhado pelos seres humanos, acaba por estar exposto a uma situação potencialmente perigosa ao nível de risco de extinção”, afirma Nuno Sequeira.
É ainda necessário que sejam “tomadas medidas sérias e capazes de prevenir, da melhor forma, estes fogos florestais que são a grande causa da perda de habitat para os coalas e do aumento do seu risco de extinção de ano para ano”, acrescenta. Nuno Sequeira acredita que é possível que a espécie ainda se recupere naturalmente. No entanto, afirma, “tudo vai depender de como os próximos anos correrem”.
A WWF acredita, por sua vez, que os coalas podem vir a ter um futuro promissor. Para isso, é preciso combater o aquecimento global e travar a destruição das florestas, com a organização a defender também a criação de corredores ecológicos que permitam ligar as populações isoladas. A WWF Austrália revela ainda ao P3 que, com a colaboração de especialistas independentes, elaborou um Plano de Conservação de Habitat dos Coalas, onde são estabelecidas medidas para salvar e restaurar as suas florestas.