O maior orçamento de sempre da ESA vai levar-nos à Lua e a explorar o Atlântico
Para que servirá o novo orçamento da Agência Espacial Europeia? Para criar um observatório espacial de ondas gravitacionais ou uma constelação de satélites no Atlântico em que Portugal participará.
Durante dois dias, o financiamento da Agência Espacial Europeia (ESA) esteve em jogo em Sevilha. Para mostrar a importância do aumento da contribuição dos Estados-membros da agência, na quarta-feira Johann-Dietrich Wörner – o seu director-geral – mostrou aos ministros e outros representantes no Conselho Ministerial da ESA a Terra circundada por satélites e astronautas na Lua. Na quinta-feira, o financiamento total da ESA acabou por subir dos 10.700 milhões de euros (acordados em 2016) para os 12.500 milhões nos próximos três anos e para 14.400 milhões nos próximos cinco anos. De acordo com a ESA, este é o “o maior orçamento de todos os tempos”. Confirmou-se o aumento da contribuição portuguesa de cerca de 73 milhões de euros para cerca de 102 milhões nos próximos cinco anos.
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Durante dois dias, o financiamento da Agência Espacial Europeia (ESA) esteve em jogo em Sevilha. Para mostrar a importância do aumento da contribuição dos Estados-membros da agência, na quarta-feira Johann-Dietrich Wörner – o seu director-geral – mostrou aos ministros e outros representantes no Conselho Ministerial da ESA a Terra circundada por satélites e astronautas na Lua. Na quinta-feira, o financiamento total da ESA acabou por subir dos 10.700 milhões de euros (acordados em 2016) para os 12.500 milhões nos próximos três anos e para 14.400 milhões nos próximos cinco anos. De acordo com a ESA, este é o “o maior orçamento de todos os tempos”. Confirmou-se o aumento da contribuição portuguesa de cerca de 73 milhões de euros para cerca de 102 milhões nos próximos cinco anos.
“Celebrar o futuro é bom, mas agora o mais importante é preparar o futuro”, salientou Johann-Dietrich Wörner na sessão inicial. Aí, o director-geral introduziu como elemento-chave nesta equação “os sonhos dos cidadãos” europeus. Para isso, mostrou um vídeo com sonhos de crianças e adolescentes. Logo o primeiro foi precisamente o de Margarida, uma menina portuguesa que tinha como fundo um campo com vacas, algumas árvores e que disse: “O meu sonho espacial é que no espaço encontrassem mais tecnologia para melhorar a nossa vida porque vivo num sítio com muito pouca água.” Mas não foi a única, já num outro ambiente (talvez na secretária dos seus quartos), um adolescente de Espanha pediu que o lixo espacial fosse removido e outra da Alemanha apelou à ida a Marte.
Para lá dos sonhos, Johann-Dietrich Wörner falou da futura realidade das missões científicas. “As pessoas adoram saber o que está a acontecer no Universo e querem saber mais sobre os buracos negros, as ondas gravitacionais e os exoplanetas”, referiu, acrescentando que tudo isto faz parte do programa obrigatório da ESA que todos os 22 Estados-membros têm de contribuir. A parte que vai directamente para a ciência teve “um aumento significativo”, subindo para 1671 milhões de euros nos próximos cinco anos. Nesse sentido, está a ser desenvolvido o LISA, o primeiro detector espacial de ondas gravitacionais, que se espera que seja lançado em 2034. Já a Athena, uma missão para explorar buracos negros, será lançada por volta de 2031.
Primeiro europeu na Lua?
Quanto à exploração humana e robótica do espaço – que terá 1953 milhões para os cinco anos –, o director-geral da ESA apontou três destinos: a órbita da Terra, a Lua e Marte. Como tal, salientou a contribuição da ESA na plataforma Gateway, uma estação em órbita da Lua que será a base de apoio de robôs e astronautas na exploração do nosso satélite natural. Além disso, salientou que o módulo europeu fará parte do foguetão pesado SLS (da NASA). “Quando os norte-americanos forem à Lua em 2024, vão juntamente com os europeus, porque o módulo faz parte do programa da ESA e foi desenvolvido na Europa”, disse. Esta colaboração acaba por ser um bilhete de viagem da Europa à Lua: “Podemos vir a levar europeus à Lua.”
Marte também não foi esquecido. Por agora, a ambição da ESA passa por desenvolver uma missão a lançar por volta de 2026, a Mars Sample Return. O robô desta missão procurará as amostras da superfície de Marte já recolhidas por outro robô norte-americano. Depois, colocá-las-á num grande recipiente que chegará à Terra num veículo espacial.
Incluído nos programas opcionais que cada país decide se quer contribuir, o lixo espacial está entre as contribuições que acabaram por ter mais financiamento do que o que tinha sido proposto pela ESA. “Estou positivamente surpreendido”, disse Johann-Dietrich Wörner. Hoje, estima-se que haja cerca de 900 mil pedaços de lixo maiores do que um centímetro, incluindo muitos satélites “mortos”. A ESA planeia uma missão – a ADRIOS – para detectar e limpar o lixo espacial.
Boa posição dos Açores
Johann-Dietrich Wörner salientou ainda a importância dos programas de observação da Terra – onde se inclui o programa Copérnico e que tem 2541 milhões de euros para cinco anos –, de navegação ou de telecomunicações e de como podem ser essenciais para enfrentar problemas como as alterações climáticas, os conflitos na Terra, a escassez de recursos e outros associados à energia.
Dentro dos programas opcionais, a observação da Terra foi onde Portugal fez a sua maior contribuição com 15 milhões de euros. Afinal, o país quer fazer parte de uma constelação de satélites para observação dos oceanos e mares da Europa. Se Portugal irá liderar a parte do Atlântico, a Alemanha e os países nórdicos serão responsáveis pelo mar Báltico. Já Itália, França e a Grécia ficarão encarregues do Mediterrâneo.
“O espaço surge hoje como uma oportunidade para ocuparmos o Atlântico, isto é, sabermos tudo o que se passa em todos os centímetros e metros de profundidade como uma boa resolução espacial”, assinalou aos jornalistas Manuel Heitor, ministro da Ciência, que organizou os trabalhos no Conselho Ministerial da ESA. Afinal, Portugal assumiu a co-presidência com França do conselho e assim se manterá nos próximos três anos.
Manuel Heitor afirmou ainda que há a possibilidade de os pequenos satélites desta constelação virem a ser lançados do futuro porto espacial de Santa Maria, nos Açores. “O nosso objectivo é o de completar o grande porto da ESA na Guiana Francesa com vários pequenos portos na Europa”, afirmou, indicando que a Escócia, a Suécia e a Noruega também estão a discutir a possibilidade de criarem um porto espacial para pequenos satélites. “Tem havido uma grande apetência pelos Açores porque é aquele que tem uma maior abertura de rotas e órbitas. É uma competição que se desenrolará nos próximos meses.”
Já o director-geral da ESA assumiu que este é um porto “importante para a Europa e para Portugal”: “Os Açores têm uma localização muito específica e é um excelente sítio para o porto espacial. Está em muito boa posição na competição.”
Mas as ambições de Portugal no espaço não se ficam por aqui. O ministro da Ciência destaca a importância do Space Rider, um futuro veículo laboratório espacial para experiências em microgravidade que poderá vir a aterrar nos Açores. “Com isso desenvolveremos também capacidades na indústria farmacêutica”, exemplificou.
Manuel Heitor diz que houve um ambiente “saudável e amistoso” neste encontro. “Houve um grande espírito de solidariedade. A competição não é entre os vários países, mas é da Europa no seu todo com os Estados Unidos e a China, que estão a fazer investimentos brutais no espaço.” Por isso, salientou que deve existir uma melhor articulação entre os investimentos da ESA, do financiamento privado, da Comissão Europeia. “Portugal vai ter de assumir o papel de articular os programas da ESA com o futuro programa europeu para o espaço, os programas da defesa europeus e o programa de investigação e inovação, o Horizonte Europa”, refere sobre o papel do país durante a sua co-presidência.
Mesmo assim, salienta que a ESA é uma instituição intergovernamental independente e autónoma, o que fez com que o Reino Unido (num processo de saída da União Europeia) contribuísse com 1655 milhões de euros no orçamento (11,5% dos 14.400 milhões). Já a Alemanha financia 22,9% e a França 18,5% do orçamento para cinco anos.
O PÚBLICO viajou a convite da Agência Espacial Portuguesa