Gustavo tem autismo e é obcecado por corações. E está a recebê-los aos milhares

Aos oito anos, com um diagnóstico de autismo, o menino da Damaia adora seis coisas. Uma delas, corações. Por isso, a mãe tentou que todos os corações do mundo chegassem até si. E o mundo está a fazer-lhe a vontade.

Foto
O rapaz, de oito anos, quer um dia ser polícia e a PSP convidou-o a ser agente por um dia DR

Gustavo tem oito anos e um transtorno do espectro autista (de momento entre o grau dois e três), com “perturbação da linguagem e atraso global de desenvolvimento”, explica a mãe, Maria Matos Pereira, num texto que decidiu partilhar nas redes sociais, publicado na última quinta-feira, dia 21 de Novembro, onde revela o desejo de receber corações para o filho — não dos virtuais, que se formam a partir do smartphone ou do computador, mas dos que se desenham e remetem por via postal.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Gustavo tem oito anos e um transtorno do espectro autista (de momento entre o grau dois e três), com “perturbação da linguagem e atraso global de desenvolvimento”, explica a mãe, Maria Matos Pereira, num texto que decidiu partilhar nas redes sociais, publicado na última quinta-feira, dia 21 de Novembro, onde revela o desejo de receber corações para o filho — não dos virtuais, que se formam a partir do smartphone ou do computador, mas dos que se desenham e remetem por via postal.

Foto

Porém, a progenitora, que descreve o rapaz como “meigo, nada agressivo, envergonhado, tímido, mas com personalidade forte”, não estava à espera do que se seguiu — foram muitas as pessoas que responderam (e respondem ainda) ao apelo de tornar o Natal da criança mais colorido, e, menos de uma semana depois, as cartas amontoam-se. “Nunca imaginei isto; nem ninguém imagina a alegria que eu sinto ao ver o meu filho a abrir uma carta”, desabafa ao PÚBLICO, de voz embargada.

Até terça-feira à noite, “já foram recebidas perto de mil cartas”, escreve num post na sua conta de Facebook, em que descreve a tarefa hercúlea — e especial — que é abrir os envelopes. Mas, já nesta quarta-feira, quando foi à caixa de correio encontrou mais umas centenas — “isto vai demorar anos”, brinca.

“O Gustavo demora duas horas a abrir 20 cartinhas”, começa por descrever, passando a explicar: “É que ele abre devagar e pede-me: ‘Fecha os olhos e conta até 100’...”. Não se pense, porém, que de tanta carta a revelação de cada uma se tornou um enfado. “Espanta-se sempre com cada coração recebido e resolve dar uma volta com cada coração.” Passeia pela casa e depois “vai mostrar à irmã”, diz-nos a mãe, orgulhosa: “Mostra-lhe e diz-lhe ‘este coração é para ti porque tu também és o meu coração!'”

A ideia de lançar um apelo nasceu do facto de o Gustavo ter na “sua breve vida” seis coisas que adora: a irmã (de um ano), a mãe, a cadela, a melhor amiga, agentes da PSP e corações. “O Gustavo é obcecado por corações”, sublinha.

E, numa altura em que o menino se prepara para uma cirurgia, agendada para 2 de Dezembro — irá ser submetido a uma intervenção para a reconstrução das orelhas, cujo tamanho e forma contribuem para que a criança seja vítima de bullying na escola —, a mãe considerou que receber todos os corações possíveis iria constituir um enorme alento, escrevendo um apelo num grupo de Facebook que reúne utilizadores que têm em comum uma família monoparental (que a própria teve até o Gustavo ter cinco anos). “O meu pedido é simples”, escreveu, “mas requer algum trabalho: mães, poderiam pedir aos vossos filhos, filhas, sobrinhos, sobrinhas, amigos, amigas, que desenhassem corações (ou o que desejassem), numa folha e enviavam para o meu Gustavo através de uma carta? Pode ser o que quiserem, mas que tenha, pelo menos, um coração”.

Foto

Agente da PSP por um dia

Se é verdade que o Gustavo é obcecado por corações, não é menos correcto dizer que tem uma verdadeira paixão pelas figuras da autoridade, nomeadamente agentes da Polícia de Segurança Pública. Tanto que “diz que quer ser polícia um dia” — uma impossibilidade, explica a mãe, pelo facto de ter sofrido uma lesão permanente do plexo braquial, umas das sequelas de um parto traumático, o que não permite a rotação do cotovelo: i.e., entre outras coisas, não consegue pôr o braço atrás das costas.

O que Maria Matos Pereira não imaginava é que o seu desabafo chegaria à própria PSP. Um agente terá lido uma partilha através de uma publicação e pôs a máquina em movimento, decidindo assim contrariar quaisquer impossibilidades e fazer do Gustavo agente por um dia. “A PSP de Lisboa, através da 63.ª Esquadra - Damaia, juntamente com a Esquadra de Trânsito e Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão Policial da Amadora, realizaram uma operação Stop em que o Gustavo participou como mini agente”, informa a instituição na sua página oficial de Facebook, partilhando uma compilação de fotografias da acção.

Maria Matos Pereira recorda o momento em que recebeu a chamada da subcomissária Madalena Castro, da esquadra da Damaia: “Eu só conseguia chorar.” Já o Gustavo, “que continua a chorar sem som, mas que tem evoluído na proximidade com os outros e nos sorrisos genuínos (ainda que às vezes entre no seu mundo)”, viveu o dia com uma emoção indescritível. “Ele guardará sempre na memória os corações e o amor que recebeu e vai recebendo”, escreve a mãe.

Para enviar um coração ao Gustavo Matos, a morada é Rua Vieira Lusitano, nº 4, 3.º esq., Damaia de Cima, 2720-539 Amadora.