Jorge Drexler dá som ao silêncio porque a informação é torrencial
Em tempos de excesso informativo, de que ele até gosta, o cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler valoriza o silêncio em palco. Silente estreia-se nos dias 28 e 29 no São Luiz, em Lisboa, e dia 1 na Casa da Música, no Porto.
À semelhança de um recém-nascido, “a canção tal como chegou a este mundo”, diz Jorge Drexler, veio nua. E é assim que o cantor e compositor uruguaio imaginou um espectáculo novo, cruzando esse conceito com o da concentração e o do silêncio. É assim que Portugal o verá agora em palco, sozinho com as suas guitarras, em Silente, espectáculo que estreou em Fevereiro, em Barcelona, e com o qual já correu vários palcos da América do Sul, em mais de 30 espectáculos de lotações esgotadas. Agora estará em Lisboa, no São Luiz (dias 28 e 29) e no Porto, na Casa da Música (dia 1).
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À semelhança de um recém-nascido, “a canção tal como chegou a este mundo”, diz Jorge Drexler, veio nua. E é assim que o cantor e compositor uruguaio imaginou um espectáculo novo, cruzando esse conceito com o da concentração e o do silêncio. É assim que Portugal o verá agora em palco, sozinho com as suas guitarras, em Silente, espectáculo que estreou em Fevereiro, em Barcelona, e com o qual já correu vários palcos da América do Sul, em mais de 30 espectáculos de lotações esgotadas. Agora estará em Lisboa, no São Luiz (dias 28 e 29) e no Porto, na Casa da Música (dia 1).
Com 13 discos editados e um Óscar recebido em 2005 pela canção Al otro lado del rio (escrita para o filme Diários de Che Guevara, de Walter Salles), Drexler tinha acabado de fazer uma digressão baseada no seu mais recente disco, Salvavidas de Hielo (2017) e sentiu necessidade de mudar, como ele explica ao PÚBLICO, por telefone: “O conceito de contrapeso é muito persistente na intenção do que faço, nos discos e espectáculos. Por isso, tenho vindo a alternar espectáculos de grande formato com outros a solo.” E isso sucedeu agora, de novo: “Depois de 100 concertos com a banda, e como estou muito acostumado a fazer quase exclusivamente o que quero, quis mudar. Não gosto muito nem da nostalgia nem da monotonia, por isso quando o espectáculo vai perdendo o efeito de surpresa é preciso começar a pensar noutra coisa. E foi isso que fiz. Mas dá muito trabalho, porque é preciso parar, pensar numa concepção nova do espectáculo, ensaiar, trabalhar com um roteiro novo, um cenário novo, uma equipa nova.”
Os insistentes convites que recebeu para regressar ao Chile, à Argentina, ao México, para ali actuar de novo, acelerou a decisão de mudança. “Porque eu não queria voltar com o mesmo show, tenho um respeito muito grande pelo público e eu, como público, não gosto de repetições. Há grandes artistas, que eu admiro, mas quando volto a vê-los, passados uns anos, fazer exactamente o mesmo espectáculo, digo para mim: que pena! Então isso levou-me a conceber e fazer um espectáculo completamente diferente.”
Jogo de minimalismos
Há ainda outra razão: “Algumas das personagens que aparecem nas canções crescem espontaneamente, como acontece numa série, e têm os seus próprios derivados. E isso aconteceu aqui com o disco Salvavidas de Hielo, em particular com a canção Silencio. E eu preciso do silêncio nesta época, também. E Silente é um espectáculo onde o silêncio se torna matéria-prima dentro do próprio concerto, evidenciando-se através do som. E não há maneira de o fazer, em palco, senão criar um som e pará-lo, por contraste.”
Porquê o silêncio? “Porque a torrente de informação é incessante, em todos os âmbitos: visuais, sociais, mediáticos, sonoros. Há uma contaminação permanente de informação. Eu gosto desta época em que vivo, não sou nostálgico, mas mesmo gostando, o silêncio adquire mais valor ainda, porque é raro nesta época de abundância, do ‘tudo agora’.”
O espectáculo tem guitarras e voz, programações electrónicas subtis e o resto fica com a mesa de som. “As luzes são todas brancas e estáticas, antigas”, diz Drexler. “Não há luzes móveis automatizadas nem de cores. É muito, muito antigo, o jogo de sombras e de luzes brancas. Há muitos lugares onde eu trabalho no palco, para onde me movo, mas os elementos são mínimos. E eu queria esse minimalismo que leva até ao silêncio.”
Jorge Drexler está consciente de que “o som do silêncio é uma coisa paradoxal, porque na verdade não existe o silêncio absoluto. É mais a procura do silêncio do que o silêncio em si mesmo.” E esse é, aqui, o desafio: “O silêncio é a matéria-prima, a concentração é o acto do espectáculo. Não podemos concentrar-nos sem silêncio, e essa é uma premissa do meu trabalho para compor. Às vezes não é o silêncio em redor, pode haver barulho, é um silêncio interior. E esse é outro dos pontos importantes deste espectáculo.”
Contrariar a distracção
Esse conceito tornou-se ainda mais claro depois da leitura do livro The Shallows, de Nicholas Carr (editado em 2011). “Gostei muito desse livro, sobre as mudanças neurolinguísticas e neuro-sensoriais na época das multitarefas e da Internet. Desde o começo da humanidade, a descoberta da leitura em silêncio, interior, que chegou muito depois da escrita, levou ao maior grau de concentração na existência do Homo sapiens. Porque o ser humano torna-se demiurgo, cria imagens a partir de tinta e papel. E a concentração é uma coisa quase impossível neste mundo de hoje. Começamos a ler uma coisa e passamos logo a outra, há um ambiente de distracção permanente.”
Com Silente, Drexler procura contrariar essa distracção, quer dele quer do público. “Há um momento, no espectáculo, em que posso beber água. Um momento só, porque o espectáculo tem um grau de concentração e de roteiro que faz dele mais uma peça de teatro do que um show. Todos os movimentos estão muito pré-definidos. E faço sempre esta advertência ao público: é preciso concentração, numa época em que a concentração é um bem escasso. A luz também não convida a tirar fotografias com o telemóvel, porque ficarão pouco interessantes. Então, as pessoas vão concentrar-se na música.”