Pena mínima de 20 anos para Rosa Grilo, pede o Ministério Público
Investigação alvo de críticas. Defesa alega nulidade de parte das provas. Leitura do acórdão fica para 10 de Janeiro.
O Ministério Público (MP) do Tribunal de Loures pediu esta terça-feira uma pena mínima de 20 anos e meio para a viúva do triatleta Luís Grilo, assassinado em Vila Franca no Verão de 2018, e também para o amante da arguida. Para o procurador Raul Farias ficou claro que foi o oficial de justiça António Joaquim, com quem a arguida mantinha uma relação extraconjugal, quem disparou o tiro que matou a vítima.
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O Ministério Público (MP) do Tribunal de Loures pediu esta terça-feira uma pena mínima de 20 anos e meio para a viúva do triatleta Luís Grilo, assassinado em Vila Franca no Verão de 2018, e também para o amante da arguida. Para o procurador Raul Farias ficou claro que foi o oficial de justiça António Joaquim, com quem a arguida mantinha uma relação extraconjugal, quem disparou o tiro que matou a vítima.
O magistrado Raul Farias fez ainda duras críticas ao laboratório de policia científica da PJ, que acusou de ter caído em facilitismo na forma como lidou com o caso. “Espero que doravante o laboratório de polícia criminal seja mais exigente em termos da demonstração dos exames que faz”, observou o procurador.
O facto de a investigação criminal não ter tentado ir mais longe no esclarecimento da origem dos vestígios de oxidação encontrados na arma do crime foi igualmente alvo das suas críticas. Existem suspeitas de que a arguida tentou lavar a pistola como lixívia, o que podia explicar o fenómeno de oxidação.
Para defender não ter sido Rosa Grilo a puxar o gatilho, o magistrado aponta o facto de a suspeita garantir que os supostos angolanos que o marido alegadamente ajudava, segundo a arguida, a traficar diamantes, terem disparados dois tiros, quando na realidade o crânio da vitima só apresentava um orifício de bala. “Rosa Grilo não faz ideia de quantas munições terão sido disparadas”, declarou o magistrado do MP.
Tanto a advogada da viúva como o representante legal de António Joaquim pediram a absolvição dos seus clientes, tendo evocado a nulidade de parte das provas recolhidas e apontado grandes fragilidades na investigação da PJ.
“A prova testemunhal e pericial é zero”
Apesar de pedir a condenação, Raul Farias admite que, neste caso, “a prova testemunhal e pericial é zero”.
O Ministério Público situa agora o homicídio já não a 15 de Julho, mas sim na madrugada do dia seguinte, entre a 1h e as 6h, em casa do casal, na localidade de Cachoeiras, concelho de Vila Franca.
O MP garante que o local onde o corpo foi encontrado, em Benavila, no concelho de Avis, cerca de um mês depois do homicídio, não era assim tão recôndito. Pelo contrário: “É o local ideal para fazer aparecer um cadáver mais tarde, e não para o fazer desaparecer”, uma vez que se tratava de uma zona de reserva de caça associativa, frequentada por isso em certas épocas do ano por cães que podiam dar com o cadáver.
Sem cadáver, o pagamento dos seis seguros no valor total de meio milhão que Luís Grilo tinha feito tornar-se-ia bem mais moroso. Se o casal quisesse mesmo ter feito desaparecer o corpo, acrescentou o magistrado, tê-lo-ia levado para uma barragem ali próxima.
Porém, neste momento, o Ministério Público está convencido de que, apesar de António Joaquim ter ajudado a embrulhar o corpo num edredão e a colocá-lo no automóvel, foi a amante quem, sozinha, o levou para Benavila e o depositou na reserva de caça. Uma teoria que a sua advogada, Tânia Reis, contesta, alegando que, apesar de “entroncada e cheia de genica”, Rosa Grilo nunca teria força para mover o cadáver sozinha.
“Intoxicação pública”
Antes do início das alegações finais, a arguida ainda pediu a palavra ao tribunal, para mais uma vez questionar a forma como foi feita a investigação. Contou que os inspectores lhe deram a certa altura para as mãos o telemóvel de António Joaquim, para que confirmasse que era efectivamente o aparelho do marido, mas que o manusearam sem luvas calçadas, tal como de resto ela própria fez. “A investigação foi o que foi, está concluída”, respondeu-lhe a presidente do colectivo de juízes, Ana Clara Baptista, que neste julgamento é coadjuvada por um júri, a pedido do MP.
Para o representante legal do oficial de justiça, Ricardo Serrano Vieira, houve um objectivo claro neste pedido: “Jogar com a intoxicação pública em redor deste processo”, por forma a fazer condenar os arguidos.
O advogado identificou 11 alegadas violações do manual de procedimentos da Polícia Judiciária por parte quer dos próprios inspectores quer dos próprios técnicos que trabalharam nesta investigação. E diz não ter dúvidas: “O que aconteceu é suficiente para tirar a certificação ao Laboratório de Polícia Científica.”
A última oportunidade de se explicar
A última sessão do julgamento antes da sentença decorria há longas quatro horas e parecia estar prestes a terminar quando as juízas resolveram voltar a questionar a arguida sobre o homicídio do marido. Insatisfeitas com as explicações que apresentara ao longo de todo o julgamento, pareceram querer dar-lhe uma última oportunidade.
Na versão dos factos que apresentou em tribunal, o triatleta terá sido morto a tiro por três angolanos que o sequestraram em sua casa em Cachoeiras, uma localidade do concelho de Vila Franca de Xira, no Verão de 2018, juntamente consigo própria e com o filho do casal. Estaria envolvido com eles no tráfico de diamantes. “Onde é que estão as minhas coisas? Onde é que está aquilo que tu me deves?”, terão perguntado os atacantes a Luís Grilo, enquanto remexiam a casa à procura das pedras preciosas. Uma história que a sua advogada admite haver quem ache hilariante. “Mas é a versão dela e é com isso que temos de trabalhar”, observou. Já o Ministério Público diz que se desenvencilhou do marido, que já a havia agredido mais de uma vez, para ficar com o amante mas também para receber as apólices dos seis seguros que existiam em seu nome ou no do casal, e que totalizavam meio milhão de euros.
A viúva alega que era tal o seu terror dos angolanos que não equacionou pedir ajuda às autoridades, por temer que fizessem mal ao filho. A verdade é que acabou, segundo conta, por ir com dois dos atacantes à casa da avó em Benavila, no concelho alentejano de Avis, em busca dos diamantes que sabia estarem ali escondidos, mas que acabaram por não aparecer, enquanto marido e filho continuavam sequestrados em casa. Foi a cerca de 20 quilómetros desta residência que o corpo do triatleta acabaria por ser encontrado.
Conta ainda a arguida que voltou à casa da avó menos de 48 horas depois de os angolanos matarem o marido e terem desaparecido, deixando o rapaz já órfão de pai sozinho em casa, nas Cachoeiras. Para quê? – perguntou-lhe e voltou a perguntar-lhe uma das juízas. “Deixando o seu filho sozinho no primeiro dia após a morte do pai? Fazendo mais de cem quilómetros sozinha de carro, de noite? Temos de admitir que foi um comportamento temerário, tendo em conta que estava cheia de medo dos angolanos. Ou temos medo ou não temos!” Apesar de ter entrado na sala de audiências prazenteira, nesta altura Rosa Grilo balbuciava: “Para arrumar tudo, para que ninguém percebesse que a casa tinha sido remexida. Para ocultar o que tinha acontecido”.
A juíza acabou por desistir. Seria precisa toda a boa vontade do mundo para aceitar esta explicação, observou, que afinal não era explicação nenhuma. O veredicto do tribunal está marcado para o próximo dia 10 de Janeiro.