Ser trabalhador independente, antes da estabilidade
A vida do trabalhador independente é cheia de incertezas, uma vez que não têm um rendimento fixo. A nova legislação encoraja os trabalhadores independentes a fechar actividade se recebem apenas pouco mais de 20 euros mensalmente e a facturá-los sem passar recibo.
No início deste ano saiu uma nova legislação sobre o Novo Regime Contributivo dos Trabalhadores Independentes. A partir de 2019, deixou de haver escalões (o trabalhador pode ainda optar pela fixação de um rendimento superior ou inferior até 25% àquele que resultar dos valores declarados). Independentemente do rendimento do trabalhador independente, é obrigatório o pagamento mensal de 20 euros. A taxa contributiva varia entre 20% e 70% sobre o rendimento relevante. Este valor é determinado através da declaração de rendimentos correspondente à actividade exercida nos três meses imediatamente anteriores.
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No início deste ano saiu uma nova legislação sobre o Novo Regime Contributivo dos Trabalhadores Independentes. A partir de 2019, deixou de haver escalões (o trabalhador pode ainda optar pela fixação de um rendimento superior ou inferior até 25% àquele que resultar dos valores declarados). Independentemente do rendimento do trabalhador independente, é obrigatório o pagamento mensal de 20 euros. A taxa contributiva varia entre 20% e 70% sobre o rendimento relevante. Este valor é determinado através da declaração de rendimentos correspondente à actividade exercida nos três meses imediatamente anteriores.
Segundo dados do Ministério do Trabalho citados pelo Eco, 92% dos trabalhadores com contabilidade organizada optaram por manter o regime anual em 2019, tendo como base de incidência contributiva os rendimentos do ano de 2018, uma vez que o trimestral é apenas obrigatório para regimes de contabilidade simplificada. Este número elevado pode mostrar que os trabalhadores não consideram que um trimestre seja elucidativo sobre o seu volume de rendimentos e preferem ser taxados sobre o seu rendimento anual.
A vida do trabalhador independente é cheia de incertezas, uma vez que não têm um rendimento fixo. Há sempre meses com rendimentos menos volumosos, em que surge menos trabalho, e eventualmente outros em que surjam oportunidades para compensar estas lacunas. O cálculo trimestral não parece ser suficientemente amplo para colocar estes trabalhadores a salvo, numa actividade caracterizada pela sua instabilidade.
Pessoalmente, tendo mais conhecimento sobre algumas áreas de trabalho específicas, considero que um músico, por exemplo, pode estar alguns meses sem declarar rendimentos, pois estaria a trabalhar em novas canções, enquanto depois de terminada essa fase teria meses consequentes com rendimentos mais volumosos, resultantes do lançamento de um eventual álbum e dos respectivos concertos de apresentação. O mesmo se pode aplicar a alguém que esteja a fazer um filme, por exemplo, que só será fonte de rendimento quando acabado e eventualmente lançado no circuito comercial.
Estes são apenas dois exemplos limitados, pois muitos trabalhadores independentes de diferentes áreas trabalham sujeitos às variações do mercado que têm sempre períodos de maior e menor procura. O objectivo da contribuição mínima de 20 euros é que não haja interrupções na carreira contributiva, pois muitas vezes os trabalhadores que não tinham rendimentos anuais suficientes não tinham nada declarado, o que lhes impedia o acesso a subsídios sociais. É obviamente importante que sejam garantidos estes subsídios, no entanto será através de obrigações mais agravadas a trabalhadores que, no regime anterior, não tinham sequer rendimentos suficientes para que lhes fosse exigida contribuição alguma?
Esta nova lei encoraja os trabalhadores independentes a fechar actividade se recebem apenas pouco mais de 20 euros mensalmente e a facturá-los sem passar recibo. Obriga estudantes que trabalhem pontualmente por 40 ou 50 euros por mês a pensarem duas vezes antes de abrirem actividade e verem o seu rendimento cortado por metade. Claro que é possível acumular os rendimentos anuais e passar um acto único por ano, mas nem todos podemos sobrevier todo o ano sem ver um tostão.
É também verdade que a nova legislação inclui a descida da taxa contributiva aplicada ao rendimento relevante. Comento apenas as mudanças relativas às declarações trimestrais e à taxa mínima mensal de 20 euros, pois considero que não tomam suficientemente em consideração os trabalhadores independentes com rendimentos muito pouco elevados e instáveis que actualmente em Portugal necessitam de especial protecção.
Em suma, diria que a função do Estado seria facilitar a vida a quem decide trabalhar, passar recibo e pagar impostos, mas este tipo de medida encoraja muita gente a fazer exactamente o contrário. Mesmo mantendo-se o primeiro ano de isenção, o novo sistema parece dificultar uma entrada de um novo trabalhador independente jovem no mundo do trabalho, pois normalmente nos primeiros meses de início de actividade é necessário um encorajamento por parte do sistema para que uma pessoa se sinta acolhida pelo mesmo e sem vontade de realizar actividade à sua margem.