Porto unido por José Mário Branco separa-se na rua 25 de Novembro
Fez-se um minuto de silêncio por José Mário Branco e aprovou-se recomendação do PS a pedir uma rua do Porto para o músico e compositor. Logo de seguida, a polémica instalou-se com moção do grupo de Rui Moreira, com um pedido de uma rua para o 25 de Novembro e um elogio a quem fez esse dia
Quando a vereadora Maria João Castro pediu a palavra e se alongou numa declaração de homenagem a José Mário Branco, um dos nomes maiores da canção portuguesa, falecido a semana passada, viu o hemiciclo portuense juntar-se sem hesitações. Mas a inquietação dos quatro vereadores socialistas e da vereadora comunista estaria para chegar, logo de seguida, quando de um vereador do movimento de Rui Moreira saiu uma moção de louvor a todos os envolvidos no 25 de Novembro de 1975, data que, para muitos, assinala o fim do processo revolucionário.
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Quando a vereadora Maria João Castro pediu a palavra e se alongou numa declaração de homenagem a José Mário Branco, um dos nomes maiores da canção portuguesa, falecido a semana passada, viu o hemiciclo portuense juntar-se sem hesitações. Mas a inquietação dos quatro vereadores socialistas e da vereadora comunista estaria para chegar, logo de seguida, quando de um vereador do movimento de Rui Moreira saiu uma moção de louvor a todos os envolvidos no 25 de Novembro de 1975, data que, para muitos, assinala o fim do processo revolucionário.
O consenso em torno do portuense, figura da música de intervenção, surgiu sem pestanejos. A socialista Maria João Castro elogiou o “cidadão activo e empenhado na luta pela liberdade, igualdade e fraternidade, valores que abraçou até ao fim”, e considerou que “Zé Mário” merecia “uma homenagem da sua cidade”, pedindo um voto de pesar pela sua morte, com um minuto de silêncio. E, já agora, que a Câmara do Porto propusesse à Comissão de Toponímia atribuir a rua o nome do homem de uma “integridade radical”.
Tal como Ilda Figueiredo, vereadora da CDU, também Rui Moreira quis associar-se à iniciativa do PS, lembrando que José Mário Branco tinha sido figura central da Feira do Livro de 2018 e até uma tília dos jardins tinha sido simbolicamente baptizada com o seu nome.
O minuto de silêncio cumpriu-se e o período pré-agenda da reunião da autarquia passou ao assunto seguinte. Ricardo Valente, vereador com as pastas da economia e turismo, leu a sua moção, com aval do presidente, mas gerando discórdia da sala. Dizendo ser “inegável” a importância do 25 de Abril, o vereador, que integrou as listas da Iniciativa Liberal nas últimas legislativas, afirmou não ser menos verdade que “a concretização dum regime democrático em Portugal só foi possível depois do 25 de Novembro de 1975”.
A “Eanes, Pires Veloso e Jaime Neves, entre tantos outros”, atribuiu a responsabilidade de libertar o país “dos bandos fardados que mandavam em tudo no Verão de 1975, acabando com as prisões arbitrárias, os atentados à comunicação social, as ocupações selvagens e a destruição sistemática do aparelho produtivo público e privado”. E foi para eles, e para “todos os envolvidos directa e indirectamente nesta data”, que pediu um “voto de louvor”.
Graças ao “25 de Novembro”, considerou, criaram-se as condições para o “estabelecimento de um Estado de direito e para uma real evolução democrática em Portugal, salvando-se a liberdade que, prometida a 25 de Abril, tinha sido raptada por alguns”. E, por isso, a data deve ter direito a uma rua ou praça da cidade e uma celebração oficial.
Ilda Figueiredo lamentou os “fantasmas do passado à solta” na autarquia portuense. Registando a “enorme confusão” gerada pela moção do grupo independente, eleito com o apoio do CDS, declarou com veemência o seu voto contra aquilo que considerou ser uma “tentativa de divisão da sociedade portuguesa”. As parcas palavras acabariam por não bastar à vereadora comunista, que minutos depois, já após o social-democrata Álvaro Almeida e Rui Moreira terem falado, ligou novamente o microfone para deixar um testemunho na primeira pessoa sobre o Verão Quente.
A data tem acalorado debates nacionais, apesar do apelo de Marcelo Rebelo de Sousa para que não seja “objecto de lutas conjecturais”. O Chega assume-a como bandeira, BE e PCP rejeitam celebrar a data e o PS divide-se. E foi precisamente nessa fractura socialista que Rui Moreira se apoiou para falar do assunto. Mandando distribuir pelo hemiciclo e comunicação social uma cópia do artigo que Francisco Assis escreveu este sábado no PÚBLICO, em defesa do “25 de Novembro” enquanto data simbólica da democracia, disse não entender a posição global deste partido. “Que o Partido Socialista tenha vergonha daquilo que Mário Soares fez parece-me surpreendente, mas é o que é”, disse.
O autarca, cujo pai foi detido no pós-revolução, considerou “preocupante” a resistência em reconhecer o legado da data e remeteu a sua posição para um artigo que escreveu há quatro anos no livro O 25 de Novembro e a Democratização Portuguesa, no qual considerou o “25 de Abril” e o “25 de Novembro” momentos “inseparáveis!”. No escrito, Moreira diz que o país ficou “numa corda bamba muito especial” com Abril e recusa uma “visão míope” onde Novembro se afigura apenas como data onde “se corrigiu aquilo que havia para corrigir”.
Álvaro Almeida esteve ao lado do movimento Porto, O Nosso Partido, considerando que “a Constituição de Abril só existe porque existiu o 25 de Novembro” e a esquerda promove agora uma “tentativa de revisionismo histórico”. O PS encaminhou a sua homenagem para “todos os que se regem por valores democráticos” e negou quaisquer divisões. Foi a aprovação da Constituição que marcou o momento mais significativo da democracia portuguesa, defendeu Fernanda Rodrigues, destacando o papel de Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal. “Todos, sem excepção, conseguiram ultrapassar as dificuldades de um processo de transição democrática.” O debate terminou sem união: PS e CDU votaram contra a proposta, mas o movimento de Rui Moreira fez passar a sua proposta, com a sua maioria e apoio do PSD.