“Compreender a curvatura do espaço e do tempo foi quase como uma trip psicadélica”

Foi agitador na política, diletante nos estudos, “rebelde” na ciência. As suas Sete Breves Lições de Física venderam mais de um milhão de cópias. Carlo Rovelli explica porque é que o mundo é um borbulhar de minúsculos quanta — e qual é o lugar da beleza nele.

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Começou o doutoramento sem ter publicado um único artigo científico. Demorou sete anos a acabar a licenciatura. Elege o momento em que uns microgramas de LSD expandiram a sua experiência de tempo “numa escala épica e mágica”. O tempo fascinou-o desde cedo e foi a ele que dedicou o seu livro mais recente, A Ordem do Tempo. Nesse ano de 2017 já tinha publicado Sete Breves Lições de Física (2014), um pequeno livro com uma escrita cristalina e comovente que vendeu mais de um milhão de cópias em todo o mundo — nunca desde Stephen Hawking a física produzira tal fenómeno de vendas.

“Estudam-se, estudam-se, estudam-se, estudam-se os livros até ao ponto em que ao ler um livro se diz: ‘Não, isto não está certo.’ É esse o momento em que alguém se torna um cientista”, diz o físico italiano Carlo Rovelli ao P2, em Lisboa, onde participou numa conferência da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Depois do activismo político, decidiu ser “rebelde” na ciência, proclamar: “Isto não está certo.” Na Universidade de Aix-Marselha, em França, o cientista de 63 anos procura conciliar duas teorias da física do século XX de grande sucesso, mas que ainda não funcionam em harmonia: a relatividade geral e a mecânica quântica. Como resume em A Realidade não É o Que Parece (livro de 2014 editado há dias em Portugal), a teoria da gravidade quântica em loop que ajudou a construir prevê que o espaço “não seja divisível até ao infinito, mas seja formado por ‘átomos de espaço’. Pequeníssimos: mil milhões de vezes mais pequeno que o menor dos núcleos atómicos”.

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Carlo Rovelli

Em que momento percebeu que a realidade não é o que parece?
Quando somos adolescentes, passamos por algumas crises em que o nosso mundo de criança se destrói: descobrimos que o mundo é diferente. Esse momento foi muito forte, talvez nunca tenha saído dele [risos]. Fazer ciência foi parte disso. Quando entrei para a universidade, estudar física não era algo de que tivesse 100% de certeza. Não estudava com muita paixão. Mas quando cheguei ao terceiro ano, com a relatividade e a mecânica quântica, tive um enorme momento “uau”. Ligou-se à minha crise da adolescência: percebi que a ciência moderna nos mostra, de facto, que o mundo é mais complicado do que o que pensamos. Fascinou-me, porque também significa que há muito por descobrir. Uns anos depois, descobri o problema científico ao qual dedicaria a minha vida, a gravidade quântica. E percebi que, para a entendermos, temos de mudar de novo a forma como vemos a realidade.

“Os períodos de férias são aqueles em que se estuda melhor, pois não se é distraído pela escola”, escreve em Sete Breves Lições de Física. Foi ao ver o mar numa praia que compreendeu com clareza o que queria dizer Einstein com a sua teoria da relatividade geral.
Isso aconteceu durante os meus anos de universidade. Não ia às aulas… muito pouco. Estudava por conta própria, falava com os professores, que me diziam que livros estudar. Eu trazia esses livros — e outros — e estudava em casa. Estudei a relatividade geral, não em Bolonha, na universidade, mas quando estava na praia de uma pequena terra, Condofuri, no Sul de Itália, na Calábria. Estudava muito na praia, tentava compreender as equações. Faço um esforço para ver o que as equações dizem e não apenas usar aquele fluxo de símbolos e números para computar: quero a imagem que as equações nos dão da realidade. Quando comecei a compreender a curvatura do espaço e a curvatura do tempo [previstas por Einstein], foi quase como uma trip psicadélica. O momento em que vi essas curvaturas foi como uma epifania: compreendi algo sobre a forma como a relatividade funciona. É como quando percebemos que a Terra roda. Estudamos isso nos livros, mas um dia vemos o pôr do sol: como o Sol não se move, sentimos que estamos nesta grande rocha que gira.

Trinta anos depois, ligaram-me de Condofuri: queriam dar-me a cidadania honorária da cidade, porque ninguém falava da terra e agora pessoas de todo o mundo falam dela. Fui lá, houve uma festa e recebi as chaves simbólicas do município.

O que viu naquele pedaço de mar?
O mar em si mesmo é uma espécie de metáfora: se virmos a superfície da água, o mar está todo a curvar-se. E, se o souberes fazer, é possível ver a curvatura da Terra no mar. Olhando para o céu e para o mar, descortinei a curvatura do espaço a quatro dimensões. Visualizei a descoberta de Einstein.

Faz o mesmo com os quanta, esse mundo mais do que minúsculo que não conseguimos ver?
Sim. Faço um grande esforço para isso. A diferença é que a teoria de Einstein é estranha, fora de comum, surpreendente. Mostra que a realidade é diferente do que pensamos, mas é clara como água: assim que a compreendemos, não há confusão ou mistério nela. No entanto, a mecânica quântica é diferente: funciona muito bem, usamo-la para imensas coisas, mas não é clara. Não temos uma boa intuição da mecânica quântica. Há quem pense na função de onda, que as partículas são ondas, que as partículas são clarões separados de existência, mas não há intuição clara que torne a mecânica quântica compreensível. Penso que o meu próximo livro será sobre mecânica quântica para tentar explicar o que compreendo — ou não compreendo — sobre ela.

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Quando decidiu que queria estudar gravidade quântica, escreveu numa folha “10-33 centímetros”, isto é 0,000000000000000000000000000000001 centímetros. Pendurou a folha no seu quarto. A essa escala, defende, o tempo e o espaço não são como os experimentamos, adquirem propriedades quânticas que desafiam o senso comum. O tempo como que pára, “o mundo é um pulular de efémeros quanta de espaço e de matéria”. Porquê o interesse nesta escala?
A relatividade geral e a mecânica quântica são teorias que não falam uma com a outra; de alguma forma estão escritas como se a outra não existisse. E é isto também o que nos impede de compreender alguns factos físicos, tal como o que acontece no centro dos buracos negros ou como evoluem os buracos negros.

No fim dos meus estudos universitários, compreendi que este é um problema em aberto: não sabemos juntar estas teorias. Temos os ingredientes — uma peça, outra peça —, só temos de encontrar a forma certa de os juntar. Poucas pessoas o tentavam. Decidi fazer dele o problema da minha vida científica. Fiquei fascinado, porque exige, outra vez, mudar a forma como pensamos no espaço e no tempo. Einstein ensinou-nos uma forma melhor de pensar no espaço e no tempo, mas ainda não é suficiente. Temos de mudar de novo para ter em conta a gravidade quântica, que diz respeito a fenómenos que ocorrem numa área muito pequena, muito mais pequena do que os átomos ou as partículas que estudamos no Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), em Genebra. É uma pequena, pequena, pequena fracção de um milímetro. Escrevi 10-33 numa folha e disse: “É isto que quero entender!”

É uma escala que exige matemática, mas também abstracção. Nos seus livros cita Demócrito, que, cinco séculos antes de Cristo, prevê a existência dos átomos — só em 1905, Einstein prova em definitivo que eles existem. Demócrito não tem os meios técnicos, nem os séculos de ciência entretanto volvidos, mas tem o pensamento filosófico, a intuição, a imaginação do seu lado. Escreveu em A Ordem do Tempo que a capacidade de compreender antes de ver é a essência do pensamento científico. Na Antiguidade, antes que os navios dessem a volta à Terra, Anaximandro, a quem dedicou o seu primeiro livro científico, entendeu que o céu se estende sob os nossos pés. A ciência que faz, professor Rovelli, é de difícil prova experimental. Tem semelhanças com a ciência da Grécia antiga que o apaixona?
Se apenas estudar a ciência de hoje, pensará: “OK, é isto.” Mas se olhar para a evolução completa das ideias, perceberá que o que pensamos hoje é só uma versão da história — há 100 anos havia outra, há 500 anos havia outra, há 2000 anos havia outra. Dá-nos uma perspectiva maior e ajuda a encontrar as ferramentas conceptuais para fazermos algo novo. O Renascimento bebeu muito do período helenístico. Algumas das ideias-chave que usamos hoje nasceram nessa altura. Se virmos como nasceram, podemos ver o que há de bom nelas e o que precisa de ser mudado. Estudar as equações da ciência moderna não está separado de estudar a imaginação que está por trás dessas equações e a sua história completa, incluindo quando Aristóteles ou Demócrito falavam destas coisas. É uma história única.

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"Quero a imagem que as equações nos dão da realidade"

Ajuda-o como cientista?
Definitivamente. Por exemplo, escrevi alguns artigos sobre a física aristotélica. Einstein mudou a forma newtoniana de pensar no espaço. Como precisamos de modificar a forma de ver o espaço de Einstein para estudar a gravidade quântica, ler o que Aristóteles tem a dizer é definitivamente útil, porque dá-nos uma perspectiva do espaço que pode ser usada hoje. As pessoas foram muito inteligentes no passado [risos] e propuseram ideias. Algumas delas foram boas, podemos usá-las. Claro que sabemos muito mais hoje.

Escreveu em A Realidade não É o Que Parece: “Com frequência penso que a perda de toda a obra de Demócrito foi a maior tragédia intelectual a seguir à derrocada da civilização antiga.” Ele e outros pensadores da Grécia antiga acreditavam que o mundo deveria ser compreendido pela observação e razão, não pela fantasia, pelos mitos antigos ou religião. O mundo teria sido outro, se aquele pensamento não fosse suprimido?
Sabemos algumas coisas sobre o trabalho de Demócrito, sabemos que os antigos o consideravam um dos grandes pensadores. Indirectamente, temos acesso a algumas ideias dele — e é incrível o tipo de ideias que teve —, mas sabemos que se perdeu muita da sua obra. Há um texto antigo que inclui uma lista dos seus livros: são uns 30 livros sobre muitos assuntos [exemplos: Sobre os Planetas; Sobre as Cores; Sobre as Diferentes Trajectórias dos Átomos; Descrição do Céu], todos perdidos. Pensemos na influência que tiveram Platão e Aristóteles na cultura moderna: se não tivéssemos perdido [a obra de] Demócrito, a sua influência seria igualmente enorme.

O pouco que sabemos da física de Demócrito está no livro De Rerum Natura (Da Natureza das Coisas), de Lucrécio [poeta e filósofo romano do século I a.C.]. Ele diz-nos em verso a física de Demócrito: fala de átomos, de espaço vazio, de espaço infinito, de partículas que se mexem no espaço. O livro [de Lucrécio] foi descoberto no século XV num mosteiro alemão. As ideias de Demócrito tiveram muita influência na ciência moderna, são ideias óptimas em cima das quais outros construíram.

Não foi acidental [o desaparecimento das ideias de Demócrito e outros pensadores gregos]. Quando o Império Romano se cristianizou e o pensamento religioso se tornou dominante, esse trabalho foi tido como incompatível com o pensamento religioso. Aristóteles e Platão podiam ser adaptados, reinterpretados, mas Demócrito não: era muito materialista, muito racionalista. Foi activamente suprimido e isso não foi bom para a ciência. A razão de haver um grande intervalo entre a ciência antiga e a moderna (não significa que não haja nada – houve coisas no mundo árabe, mas nada comparável com o que aconteceu antes e depois) foi precisamente a dominação de um pensamento religioso. No Renascimento isto mudou, muito devido aos portugueses que abriram o mundo e as mentes dos europeus. Houve um ressurgimento das ideias antigas. Um dos meus sonhos é que em alguma expedição arqueológica se descubram livros inteiros de Demócrito. Seria fantástico.

Hoje, a ciência enfrenta outros desafios, tais como desmontar ideias falsas como a “Terra plana” e os perigos das vacinas. Perante factos científicos, há quem responda: “É a tua opinião.”
Há muita falta de confiança na ciência, está a crescer nas últimas décadas. Por causa de interesses políticos, porque as pessoas não lhe reconhecem competência como antes… O que é bom e mau: é bom as pessoas sentirem-se capacitadas para pensar pelas suas próprias cabeças, mas daqui resulta também que muitas pessoas patetas pensam coisas patetas e acreditam noutras [pessoas patetas]. É óptimo que haja mais informação espalhada, mas temos dificuldade em reconhecer em quem confiar. Há muitos disparates e muita exploração política destes disparates e isso é perigoso, porque não respeitamos a mudança climática, não consultamos médicos, mas sim médicos falsos, que não curam.

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No fim de Sete Breves Lições de Física vaticina que “a nossa espécie não durará muito tempo”. As alterações climáticas “dificilmente nos pouparão”. O ser humano é responsável por isto, ao mesmo tempo que regista a imagem de um buraco negro e a ciência alcança outros feitos impressionantes.
As duas coisas podem ser verdadeiras. Aprendemos muito em relação ao passado, o progresso é verdadeiro: vivemos melhor do que há mil anos, vivemos melhor do que há 100 anos. Houve uma altura, no século XIX, em que as pessoas diziam que o progresso é uma lei da natureza, que as coisas melhoram e melhoram. Ora, não há uma lei da natureza para o progresso. O progresso aconteceu, mas não quer dizer que continue. De todo: pode parar agora.

A Idade Média mostrou-o.
Sim. Grandes civilizações desenvolveram-se e falharam no passado. A nossa civilização pode muito bem entrar em colapso. Os riscos são reais. Na altura em que escrevi esse livro estava mais pessimista. Alguns anos passaram e hoje mais pessoas vêem a realidade de que nos estamos a destruir a nós mesmos. Estou pessimista? Sim. Penso que as coisas vão necessariamente correr mal? Não. Num certo sentido escrevi isso para dizer que podemos evitar os desastres, somos inteligentes. Alguns desastres já estão feitos, mas podemos evitar que tudo piore. Cada um de nós não pode salvar o planeta, mas em democracia temos uma voz — podemos votar nos líderes que estão atentos às ameaças.

Há o aquecimento global, a extinção de espécies que está em curso, há muitas coisas que num futuro próximo nos vão afectar muito violentamente. Espero que os humanos aprendam a trabalhar juntos. Se a lógica for eu primeiro, a minha nação, o meu partido, o meu grupo, a minha classe social primeiro, vamos direitinhos à catástrofe.

Nos anos 1970 envolveu-se nos movimentos estudantis de esquerda antiautoritária em Itália e em rádios livres de teor político. Chegou a ser investigado por editar o livro político Fatti Nostri, publicado na clandestinidade. Transferiu esta rebeldia para a ciência?
É muito correcto o que diz. Quando era um homem jovem, era muito rebelde. No fim dos anos 60 e início dos anos 70, uma grande parte da juventude era muito optimista. Achamos que era a altura de mudar o mundo de uma forma forte. Isso falhou, de certa forma. Atraí-me a ciência, porque vi a revolução a acontecer nela. Podia participar numa revolução científica, já que não podia participar na revolução política. Um dos meus melhores amigos dessa altura era um pouco mais velho do que eu. Ele voltou de Portugal onde tinha acontecido uma revolução que devolvera a democracia. Participou activamente nela. Foi um belíssimo exemplo de uma mudança, porque foi para melhor e não foi violenta. Vendo-a de Itália, foi um momento belíssimo.

Penso que muitos cientistas são naturalmente rebeldes. É preciso ser-se rebelde para se ser um cientista criativo. Estudam-se, estudam-se, estudam-se, estudam-se os livros até ao ponto em que ao ler um livro se diz: “Não, isto não está certo.” É esse o momento em que alguém se torna um cientista, em que se desafia o conhecimento recebido. Precisa desse conhecimento, porque a ciência constrói-se em cima do conhecimento do passado, mas a certo ponto afirma: “Isto está errado.” Isso é rebeldia, contra o professor, contra um livro.

Os sonhos da minha idade jovem de um mundo menos violento, com menos desigualdades, confrontação e guerra são os mesmos sonhos a que a humanidade precisa de regressar. As ideias políticas que estão a vencer vão no sentido oposto: proteger-nos dos outros, proteger a minha nação das outras, proteger o meu grupo dos outros. Isso é perigoso para todos.

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Nas suas páginas alia o que a ciência descobriu e procura descobrir a uma qualidade literária e uma atitude que sublinham um encantamento pela vida. Somos uma parte irrelevante num cosmo enorme, quase inconcebivelmente grande, que é divisível até aos misteriosos quanta, quase inconcebivelmente pequenos. Mas a vida fascina-o — com a ajuda da ciência.
A ciência não é apenas o estudo abstracto, frio e racional de um fenómeno particular. É uma maneira de compreender a forma como o mundo e a realidade funcionam e como nos encaixamos neles. É o máximo que sabemos do mundo e é também o máximo que sabemos de nós mesmos. Cometemos um erro quando achamos que somos importantes para o universo, mas também quando achamos que somos irrelevantes para o universo e que, por isso, não há valor [na existência]. O universo não é para nós, não quer saber de nós; se errarmos, seremos varridos da realidade amanhã. A nossa húbris e pretensiosismos são completamente infundados, mas isto não deve implicar que nada interessa, que tudo é o mesmo, que há zero valor. Porque o valor não vem de fora, vem de dentro, de nós. Valorizamos a nossa vida, a nossa forma de amar os outros, o nosso sentido de estética, de beleza. Podemos manter isto e o conhecimento científico, não estão em contradição. Aliás, apoiam-se mutuamente: a ciência diz-nos porque é que nos importamos com as coisas.

Diz que a melhor gramática do mundo é a mudança, não a permanência. Pensamos no mundo como sendo feito de coisas, mas, se tivermos em conta a mecânica e a gravidade quânticas, deveríamos pensá-lo como um fluxo permanente de eventos em relação uns com os outros. “O mundo é feito de redes de beijos, não de pedras”, escreve. “Uma pedra é um vibrar de quanta que mantêm a sua estrutura por algum tempo, tal como uma onda marinha mantém uma identidade antes de se desfazer de novo no mar.” É uma visão muito diferente do mundo de Newton.
Aprendemos mais. E aprendemos novas formas de pensar sobre o mundo. Aprender mais não significa apenas aprender uma nova equação ou um novo facto. Significa novas formas de juntar as coisas. Se não pensarmos o mundo em termos de coisas (um objecto, outro objecto, outro objecto), mas em termos de relações e processos, coisas que acontecem (um objecto é um ensemble complexo de coisas que acontecem), aprendemos a pensar melhor sobre o mundo. É isso que, a um nível profundo, a ciência é.

Esta visão do mundo tem tradução na sua atitude perante a vida?
Rearranja o nosso pensamento, ajuda-nos a pensar até sobre nós mesmos. Se pensar sobre o Carlo não como uma bolha fechada, uma entidade com propriedades, mas como uma forma aberta que mantém relações consigo, com os meus amigos, com a sociedade, com os meus livros, aí penso sobre mim de forma diferente. Descreve-me melhor. E podemos melhorar a sociedade desta forma. Não podemos separar as coisas. Ao fazer isto, há um juízo de valor que é também político. Se pensarmos em nós como uma rede, não cometemos o erro de nos separarmos.

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Começou a escrever livros científicos já depois dos 50 anos. O sucesso de Sete Breves Lições de Física mudou a sua vida?
Não pensei escrever livros durante muito tempo. As pessoas pediam-me para escrever, mas eu resistia, queria fazer ciência primeiro. Mudou a minha vida um pouco. Primeiro era um estudante rebelde, depois um cientista que seguia o seu próprio caminho. A ciência que fazia tinha muitos seguidores entre os jovens, mas havia um grande isolamento face ao público. Não pensava no público. Durante muito tempo senti que as minhas ideias não iam ser aceites pela maioria das pessoas. A reacção a Sete Breves Lições de Física foi incrível, em todo o planeta. As pessoas escrevem-me, não consigo responder a todas. Foi uma surpresa, senti-me menos sozinho. As pessoas identificaram-se com o livro.

O físico norte-americano Richard Feynman disse: “Penso que se poderá dizer que ninguém compreende realmente a mecânica quântica.” Ela assusta o público em geral. Isso é mau para a ciência?
Acho que o problema é que os cientistas não compreendem ainda a física quântica. Se calhar devemos dizer isto mais abertamente: percebemos alguma coisa sobre o mundo quântico, conseguimos fazer coisas, funciona muito bem, mas ainda é confuso. Enfrentar a física quântica é também enfrentar a nossa ignorância [risos]. Cria alguma confusão: as pessoas dizem que a mente é quântica, falam em medicina quântica, há muitos disparates quânticos [risos], o que é mau. Mas temos ainda algo para compreender, é uma fronteira. Há hoje muita discussão envolvendo cientistas e filósofos sobre como pensar sobre física quântica, diferentes interpretações da física quântica. Está no coração da ciência moderna, o que mostra a sua força, mas revela também a fraqueza do nosso conhecimento do mundo.