O superior interesse do cão na escolha do progenitor com quem conviverá
É inegavelmente importante este repensar da relação do Direito com outras categorias de animais sencientes, para além de nós, os animais humanos. Seria, também, essencial, que o Direito positivo português se preocupasse mais com os animais humanos idosos que, com relativa frequência, são abandonados no nosso país, em hospitais ou lares.
Chegam-nos novidades de Mafra: o Meritíssimo Juiz Joaquim Manuel Silva participou num programa do Correio da Manhã TV, onde nos esclareceu sobre o enquadramento jurídico da guarda de cães, em caso de fim de namoro, a propósito de uma ação que corre no Juízo de Família e Menores de Mafra e que lhe compete julgar. O casal em causa não chega a acordo quanto à guarda da sua Kiara, uma gentil pitbull de sete anos de idade. Chamado a decidir esta questão, o tribunal recorreu, para definir – nas palavras do entrevistador – qual seria a solução mais conforme ao “superior interesse do cão”, aos serviços de um especialista em comportamento animal. Este, por sua vez, relata-nos como averiguou “que vínculo teria o animal com cada um dos progenitores” para determinar com o qual preferiria coabitar. O juiz alerta-nos para que “ambos adoram o cão e isso é uma coisa tão importante para eles e a Justiça tem que responder a isto com sentimento e com Justiça, de dar a cada um – como dizia Platão – o que é dele”.
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Chegam-nos novidades de Mafra: o Meritíssimo Juiz Joaquim Manuel Silva participou num programa do Correio da Manhã TV, onde nos esclareceu sobre o enquadramento jurídico da guarda de cães, em caso de fim de namoro, a propósito de uma ação que corre no Juízo de Família e Menores de Mafra e que lhe compete julgar. O casal em causa não chega a acordo quanto à guarda da sua Kiara, uma gentil pitbull de sete anos de idade. Chamado a decidir esta questão, o tribunal recorreu, para definir – nas palavras do entrevistador – qual seria a solução mais conforme ao “superior interesse do cão”, aos serviços de um especialista em comportamento animal. Este, por sua vez, relata-nos como averiguou “que vínculo teria o animal com cada um dos progenitores” para determinar com o qual preferiria coabitar. O juiz alerta-nos para que “ambos adoram o cão e isso é uma coisa tão importante para eles e a Justiça tem que responder a isto com sentimento e com Justiça, de dar a cada um – como dizia Platão – o que é dele”.
Quando desliguei a televisão olhei para a minha cadela e esperei que dissesse “mamã”! Nada aconteceu. Necessita de um curso de Português para cães ou de que eu frequente um curso sobre como ladrar em Português (Milu, o cão de Tintim, ladrava em línguas diferentes, em função da versão considerada do livro).
É inegavelmente importante este repensar da relação do Direito com outras categorias de animais sencientes, para além de nós, os animais humanos. Seria, também, essencial, que o Direito positivo português se preocupasse mais com os animais humanos idosos que, com relativa frequência, são abandonados no nosso país, em hospitais ou lares. As campanhas publicitárias poderiam recorrer aos slogans usados para os animais domésticos: “Não abandone quem sempre esteve ao seu lado” ou “Um amor assim é para a vida toda”.
Mas, regressando a Mafra, mais novidades nos chegam da forma de aplicar o Direito nesta comarca. O aludido juiz, que se assume como “um juiz restaurativo”, numa entrevista recente dada à Mindalia Televisão, revela-nos recorrer ao inovador modelo terapêutico das constelações familiares para resolver conflitos judiciais, tendo realizado cerca de “três julgamentos desde 2009” até 2018, com “entradas na ordem de 500 processos por ano”. Reina a harmonia nos corações das partes dos litígios que julga, não obstante reconhecer, numa entrevista ainda mais recente, sobre regulação de responsabilidades parentais, que “a violência está dentro do ser humano” porque este é um mamífero que tem “um cérebro reptiliano” e que, sobretudo as mães, lançam por vezes a “bomba da violência doméstica” para desta “tirarem partido” e obterem uma solução mais favorável aos seus interesses. Apenas tem de ser judicialmente controlada.
As constelações familiares associam-se à Genética, “aos comportamentos que vêm dos nossos antepassados e que passam para os 23 genes que temos em cada uma das células – 23 no espermatozoide e 23 no óvulo –, que não trazem apenas códigos, trazem também as coisas boas e más dos nossos pais, trazem as expectativas dos nossos pais, para nós as continuarmos, e os nossos filhos levam as nossas”. Há, deste modo, diz, uma espécie de “wi-fi quântico” entre os problemas não resolvidos dos pais e os dos filhos, passados para estes através dos gâmetas que os originaram… O juiz só é, conclui, “um catalisador da mudança” no sistema familiar.
Num vídeo sobre esta terapêutica, associado ao 1.º Congresso Internacional de Constelações Familiares organizado em Lisboa no passado mês de outubro pelo “Espaço Amar” e em que foi orador o aludido juiz, são-nos explicados os princípios em que assenta. É-nos dito que algumas pessoas desempenham, ao longo das suas vidas, o papel de “sabonetes da família”, porque “têm um amor maior e estão ao serviço da família”, limpando os desequilíbrios ocorridos nas gerações anteriores.
O recurso a este modelo terapêutico não reconhecido pela Ordem dos Psicólogos, no âmbito da mediação, na comarca de Mafra, permite que as partes dialoguem apelando a familiares mortos e tentem comunicar com a “alma da família” para que esta se reorganize. Não é o funcionamento dos órgãos de soberania financiado pelo produto dos nossos impostos? E servirão também para consultar o “espírito do nosso sistema jurídico” para indagar da bondade do recurso a estes métodos como forma de resolução de conflitos nos tribunais?
São, pois, diferentes do comum os sons que o vento nos traz dos carrilhões de Mafra. Talvez pudessem servir de inspiração a uma nova versão do romance Memorial do Convento de Saramago: D. João V e D. Maria Ana Josefa de Áustria resolveriam os seus problemas de infertilidade através do recurso à mediação familiar e ao alinhamento dos astros, no âmbito das constelações familiares. O Tribunal de Mafra seria chamado a decidir sobre a guarda das pulgas que sempre se instalaram no leito real e tanto incomodaram Suas Majestades… Com um pedaço de carne colocado, como era hábito fazer-se, no interior da roupa de dormir dos monarcas, rapidamente se saberia com quem prefeririam estes insetos coabitar.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico