Produção de combustíveis fósseis cresce 50% acima do necessário para travar aquecimento global
Relatório conjunto de várias organizações, incluindo o Programa Ambiental das Nações Unidas, diz que esforços dos países em reduzir emissões de gases com efeito de estufa não têm passado pela redução de produção de combustíveis fósseis e que o crescimento previsto para o próximo ano compromete as metas do Acordo do Paris.
A produção de combustíveis fósseis no mundo vai continuar a crescer muito acima do que seria possível para atingir os objectivos do Acordo de Paris, que pretende manter o aquecimento do planeta abaixo dos dois graus Celsius, e, se possível, limitá-lo a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Um relatório desenvolvido por vários organismos internacionais, incluindo o Programa Ambiental das Nações Unidas, que analisa, pela primeira vez, o fosso entre os planos de diferentes países do mundo para a produção de combustíveis fósseis e o que seria necessário, a esse nível, para atingir as metas do Acordo de Paris, mostra que o cenário não é optimista: “Os governos estão a planear produzir 50% mais combustíveis fósseis em 2030 do que seria consistente com um aumento da temperatura até dois graus Celsius e 120% mais do que seria consistente com um aumento de temperatura até 1.5 graus Celsius.”
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A produção de combustíveis fósseis no mundo vai continuar a crescer muito acima do que seria possível para atingir os objectivos do Acordo de Paris, que pretende manter o aquecimento do planeta abaixo dos dois graus Celsius, e, se possível, limitá-lo a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Um relatório desenvolvido por vários organismos internacionais, incluindo o Programa Ambiental das Nações Unidas, que analisa, pela primeira vez, o fosso entre os planos de diferentes países do mundo para a produção de combustíveis fósseis e o que seria necessário, a esse nível, para atingir as metas do Acordo de Paris, mostra que o cenário não é optimista: “Os governos estão a planear produzir 50% mais combustíveis fósseis em 2030 do que seria consistente com um aumento da temperatura até dois graus Celsius e 120% mais do que seria consistente com um aumento de temperatura até 1.5 graus Celsius.”
O relatório analisou planos e projecções de dez países considerados como chave na produção de combustíveis fósseis. Sete deles estão no topo dos maiores produtores de carvão, petróleo e gás – China, Estados Unidos da América, Rússia, Índia, Austrália, Indonésia e Canadá –, enquanto os restantes três – Alemanha, Noruega e Reino Unido – além de serem produtores importantes, apresentaram planos ambiciosos na redução de emissão de gases de efeito de estufa (GEE). Os resultados indicam que o fosso entre a realidade e o que seria necessário para impedir um aquecimento global perigoso para o planeta é maior do que a discrepância já divulgada pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP, na sigla inglesa) sobre o fosso entre os planos das nações para diminuir a emissão de GEE e os valores que seriam necessários para cumprir o Acordo de Paris.
Os dados da UNEP de 2018 indicam que “os países necessitam de triplicar as suas intenções de redução de emissões para limitar o aquecimento global a dois graus Celsius, e quintuplicá-las para não ultrapassar 1,5 graus Celsius.” O que mostra o relatório The Production Gap 2019 (O Fosso Produtivo) é que, ao contrário do que seria necessário, “o mundo está no caminho para produzir muito mais combustíveis fósseis em 2030 do que seria compatível” com as metas para travar o aquecimento global.
As contas realizadas pelos especialistas, a partir de planos e projecções dos países analisados é que, em 2030, a produção de combustíveis fósseis levará à emissão de mais 53% de CO2 do que seria possível para atingir o patamar dos dois graus Celsius e mais 120% para não superar um aquecimento de 1,5 graus Celsius. “Esse fosso cresce ainda mais em 2040”, alerta-se no documento, com os níveis de produção a atingiram mais 110% e 210% do que seria compatível com os patamares de aquecimento de dois e 1,5 graus Celsius, respectivamente.
Dos três combustíveis analisados – carvão, petróleo e gás – o primeiro é o que terá um crescimento mais acentuado, segundo as estimativas apresentadas no relatório, com os países a prepararem-se para produzir, em 2030, mais 150% desta matéria do que seria possível para limitar o aquecimento a dois graus Celsius e mais 280% do que seria consistente com o objectivo de não ir além dos 1,5 graus Celsius. Só a China, responsável pela produção de cerca de 43% da produção global de carvão em 2017, viu a produção mais do que duplicar entre 2010 e 2013, e depois de uma breve quebra, a produção voltou a subir em 2016 e assim deverá continuar, pelo menos até ao próximo ano, quando o Governo prevê que comece a cair lentamente. Uma redução drástica por parte deste país é considerada “central” para atingir as metas do Acordo do Paris. Outros casos apontados no relatório passam, por exemplo, pela Rússia, que tem uma estratégia energética que aponta para um crescimento entre 20% a 35% da produção de gás entre 2015 e 2035, enquanto a Índia pretende triplicar a produção de carvão em 2040.
Os autores do documento, que além da UNEP inclui, entre outros, o Stockholm Environment Institute, argumentam que as políticas ambientais dos diferentes governos em torno da redução das emissões de GEE têm-se centrado mais na redução da procura do que na produção, com consequências negativas. “Embora muitos governos planeiem diminuir as suas emissões, demonstram o contrário quando se olha para a produção de combustíveis fósseis, com planos e projecções de expansão. Isto impede a capacidade colectiva dos países para atingirem objectivos ao nível do clima, ao mesmo tempo que alarga não só o fosso produtivo como o fosso de emissões”, defende-se.
A única tónica positiva do relatório é que já há países a desenvolver políticas que apontam caminhos positivos para o resto do mundo e que, por isso, o tempo é o ideal para intervir. “Os governos do Belize, Costa Rica, França, Dinamarca e Nova Zelândia, por exemplo, avançaram com moratórias totais ou parciais à exploração e extracção de petróleo e gás. A Alemanha e a Espanha estão a pôr fim à extracção de carvão e a colaborar com os trabalhadores e as comunidades para planear um futuro económico sem mineração”, apontam os autores do relatório.
O futuro, defende-se, terá de passar obrigatoriamente pela cooperação internacional e rapidamente, porque, apesar de existirem vários actores envolvidos na procura de redução de emissões de GEE – aos governos junta-se a sociedade civil e várias empresas –, no que se refere à produção e uso dos combustíveis fósseis, a mudança “não está a acontecer à velocidade e com a magnitude necessárias para limitar um perigoso aquecimento global”, alerta-se no documento.
O relatório Environment at a Glance 2019, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) também já avisara para o facto de a redução de emissão de GEE conseguido até à data ser insuficiente e de a situação ir piorar. “O progresso geral é insuficiente e espera-se que as emissões voltem a crescer, devido ao aumento recente de [consumo] de energia e emissões de CO2 com ele relacionadas”, refere-se no relatório, disponibilizado aos jornalistas na passada sexta-feira. O documento indicava que o crescimento era previsível nos países da OCDE, e particularmente visível nos países designados como BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – onde, segundo o relatório, “as emissões globais têm crescido 40% desde 2010”.