“Zero”, “OK”, ou “supremacia branca”? A história de um gesto “roubado” pela extrema-direita
Um símbolo inócuo com mais de três séculos de história foi recentemente capturado por movimentos racistas. Esta quinta-feira, foi o mais utilizado durante a manifestação dos agentes das forças de segurança em Lisboa.
Foi o gesto mais observado durante a manifestação dos polícias, esta quinta-feira, em frente à Assembleia da República em Lisboa: mão aberta e o dedo indicador a tocar o polegar, fazendo uma circunferência ou um zero. E “zero” foi precisamente a palavra mais ouvida durante o protesto, numa referência ao Movimento Zero, colectivo de profissionais da PSP e da GNR que apoiou a concentração dos agentes e militares e que é acusado pela “Comissão de Polícias pela dignidade e dignificação da Polícia” de estar colado a partidos de extrema-direita.
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Foi o gesto mais observado durante a manifestação dos polícias, esta quinta-feira, em frente à Assembleia da República em Lisboa: mão aberta e o dedo indicador a tocar o polegar, fazendo uma circunferência ou um zero. E “zero” foi precisamente a palavra mais ouvida durante o protesto, numa referência ao Movimento Zero, colectivo de profissionais da PSP e da GNR que apoiou a concentração dos agentes e militares e que é acusado pela “Comissão de Polícias pela dignidade e dignificação da Polícia” de estar colado a partidos de extrema-direita.
Também o gesto é conotado com fenómenos de extrema-direita. Em Setembro, a Liga Anti-Difamação (ADL, na sigla inglesa), uma organização norte-americana que denuncia e combate o racismo e o anti-semitismo, juntou o acto à sua lista de símbolos de ódio. O gesto entrou assim numa lista com 200 entradas, onde estão ícones extremistas como a cruz suástica e outros símbolos mais discretos utilizados por grupos racistas e xenófobos. Também a ACLU (União Americana para as Liberdades Civis) alertou recentemente para a utilização do gesto por militantes da extrema-direita.
A raiz desta conotação nova de um gesto antigo está na Internet, e mais precisamente no fórum 4chan, um site de participação anónima e não moderada que tem sido berço de vários fenómenos online – alguns meramente humorísticos, outros de cariz político, colados sobretudo à extrema-direita. Ali, em 2017, e inicialmente como uma piada, diversos utilizadores do fórum organizaram uma campanha para transformar um gesto inócuo com raízes na Inglaterra do século XVII num suposto símbolo neonazi, fazendo circular através das redes sociais a ideia de que os três dedos esticados simbolizavam a letra “W” de white (branco, em português) e que o indicador e o polegar formavam o “P” de power (poder). O gesto significaria então white power, ou supremacia branca.
Até esse ponto tratava-se apenas de uma piada, mas esta tornou-se vítima do seu sucesso. O passo seguinte deu-se quando grupos da extrema-direita norte-americana, como os Proud Boys, adoptaram efectivamente o gesto. Brent Tarrant, o australiano que em Março foi o presumível autor do massacre de 51 pessoas, a maioria muçulmanas, em duas mesquitas de Cristchurch, Nova Zelândia, fez o gesto em tribunal, sinalizando a sua adesão à ideia de “supremacia branca”.
Mas a própria ADL, que em Setembro decidiu juntar este gesto à sua lista de símbolo de ódios, faz questão de sublinhar que se trata de um gesto tão antigo e popular que, na esmagadora maioria dos casos em que é utilizado, não significa mais do que um sinal de aprovação, um “OK” ou “está tudo bem”.
“Por causa do significado tradicional do gesto de “OK”, bem como outros usos sem relação com [a ideia de] supremacia branca, recomenda-se particular cautela para não tirar conclusões precipitadas sobre as intenções de alguém que faz o gesto”, lê-se no site da ADL.