Advogados: pelo direito a ter direitos

É cada vez mais evidente que dignidade na advocacia é exigir com barulho os direitos que são nossos, que a nossa profissão será tanto mais digna quanto mais exigirmos que parem de usar os advogados como escudos para pretensões pessoais.

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Mais um caso em que a advocacia expressa as suas contradições no seio de uma profissão cada vez mais amorfa e deitada ao individualismo. Foi noticiado esta terça-feira pela TVI mais um caso dramático que espelha aquela que é vertente cínica e elitista de uma Ordem Profissional e de uma Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) que não se coíbem de cobrar quotas e contribuições quais publicanos romanos, sem atentar, por uma vez que seja, que os advogados também são cidadãos.

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Mais um caso em que a advocacia expressa as suas contradições no seio de uma profissão cada vez mais amorfa e deitada ao individualismo. Foi noticiado esta terça-feira pela TVI mais um caso dramático que espelha aquela que é vertente cínica e elitista de uma Ordem Profissional e de uma Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) que não se coíbem de cobrar quotas e contribuições quais publicanos romanos, sem atentar, por uma vez que seja, que os advogados também são cidadãos.

A colega Sandra tem cancro e, além de não ter direito de apoio na doença, tem de prosseguir pagando as chorudas contribuições. A colega Sandra está grávida e não tem o direito à maternidade, direito à saúde tal como a Constituição exige. Nestes tempos de chavões, não tenhamos medo de os aplicar quando de facto são realidade: é um retrocesso nos direitos das mulheres a impossibilidade de levar a cabo uma gravidez sem terem de se preocupar com o seu trabalho.

É um retrocesso de direitos que há muito são tidos como assentes no Portugal de Abril e são ainda hoje uma miragem no exercício da advocacia. Não é normal que se tenha de continuar a contribuir para a CPAS quando não nos encontramos com capacidades para trabalhar. Suspender a inscrição na Ordem? Para podermos ter um período de doença sem as preocupações financeiras que a CPAS provoca teremos de entregar a nossa carteira profissional e, assim, atribuir à doença a capacidade de nos despersonalizar? De nos ir delapidando enquanto pessoas e profissionais?

São muitos os advogados que escondem por de baixo das togas as amarguras de uma profissão que não os respeita, mas que os obriga, no entanto, a dignificar em todo o momento o ofício da lei.

As manifestações assertivas de aspirações, revoltas e anseios nunca foram tidas em grande conta no seio da advocacia, nem acolhem por esta grandes amores. Não existe vontade que passemos agora de um momento para o outro a exigir aquilo a que temos direito porque o direito de todos é o fim do privilégio de alguns. Estava no início do meu estágio quando começaram os sussurros que, depois de décadas, os advogados iriam sair à rua para contestar o modelo da CPAS e exigir dos seus representantes uma resposta firme em sua defesa. Volvidos dois anos, a situação não só melhorou como piorou. Mesmo nessa manifestação, os advogados desfilaram até ao largo de São Domingos, em Lisboa, em silêncio, postulando por uma forma de contestação que não fugisse aos cânones das boas práticas entre colegas. Dignidade, pediam os representantes. É cada vez mais evidente que dignidade na advocacia é exigir com barulho os direitos que são nossos, que a nossa profissão será tanto mais digna quanto mais exigirmos que parem de usar os advogados como escudos para pretensões pessoais.

Descontar para a Segurança Social deveria ser uma possibilidade no exercício desta profissão liberal que, em tudo, tinha a ganhar com o bem-estar dos seus profissionais. Já escrevi por aqui várias vezes sobre a problemática da CPAS e creio que será sempre de aproveitar todo o momento para que o assunto volte a estar em cima da mesa e que daí não saia até ser resolvido. Neste mês vão realizar-se as eleições para Bastonário e para o Conselho Geral da Ordem dos Advogados e seria importante que todos os advogados rumassem a estas com a consciência de quem sabe bem aquilo que não quer mais.

Muitos dos que agora prometem um futuro diferente já estiveram em perfeitas condições para levar a cabo contributos para que a advocacia não fosse agora tão falada pelos piores motivos. Creio que as elites que têm as rédeas da profissão não se estão a aperceber que o seu argumento falacioso que sustenta a rolha que cala os advogados está, afinal, a ser uma das consequências de anos e anos da política das aparências que praticam, ou seja, a dignidade com que tanto enchem a boca para justificar a sua inércia está por aí deitada à rua, nas televisões e nos cafés, onde já não é surpresa para ninguém que há de facto advogados pobres.