Michelin: Portugal tem um novo duas estrelas e Viseu estreia-se no guia
Rui Paula entra no clube de elite dos dois estrelas e Portugal tem mais quatro novos restaurantes com a desejada entrada no guia: Mesa de Lemos (Viseu), Vistas (Algarve), Epur e Fifty Seconds, ambos em Lisboa. Há três que saem da lista.
A Casa de Chá da Boa Nova, do chef Rui Paula, ascende ao exclusivo clube duas estrelas Michelin, ao mesmo tempo que a lista de restaurantes com o desejado símbolo do famoso guia passa a ter também quatro novos restaurantes portugueses.
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A Casa de Chá da Boa Nova, do chef Rui Paula, ascende ao exclusivo clube duas estrelas Michelin, ao mesmo tempo que a lista de restaurantes com o desejado símbolo do famoso guia passa a ter também quatro novos restaurantes portugueses.
Sem grandes surpresas, mas com o nosso país a assumir-se cada vez mais como protagonista, a edição 2020 do Guia Michelin foi lançada na noite desta quarta-feira, em Sevilha, num cenário de grande acontecimento e com a envolvente do histórico Teatro Lope de Vega. Ao contrário do que acontecia ainda há alguns anos, a gastronomia portuguesa atrai hoje o foco das atenções, e os 27 restaurantes estrelados – sete já com duas estrelas – assim o justificam.
Visivelmente emocionado, Rui Paula subiu ao palco, falou em português e as primeiras palavras foram, naturalmente, para a sua equipa, sem a qual “o objectivo não teria sido conseguido”. “Estou emocionado e quero dizer que sou muito feliz por viver num país tão bonito como Portugal e por ter um restaurante em cima daquele mar e com aqueles peixes maravilhosos.”
Mais tarde, aos jornalistas portugueses, recorreu ao humor para comentar uma conquista que o enche de orgulho: “Podem ir lá à vontade que eu não vou aumentar os preços”, garantiu. Depois, mais a sério, disse que desde que ganhou a primeira estrela passou “a trabalhar para a terceira”. O caminho está meio percorrido e Paula garante que, agora, continuará a trabalhar para o mesmo objectivo. Uma palavra ainda para a sua “equipa maravilhosa”: “Sem o seu esforço, empenho e colaboração nada disto era possível.”
E se a consagração de Rui Paula já era um segredo de polichinelo – a surpresa seria mesmo se não se confirmasse –, o mesmo se pode dizer também em relação aos novos estrelados. Com o Mesa de Lemos, o guia consagra não só a valia e qualidade do trabalho culinário que Diogo Rocha ali pratica há um punhado de anos, mas também a tendência crescente do turismo e experiências gastronómicas associadas às quintas e produtores de vinho.
E se é possível olhar para Diogo Rocha como estreante – o distrito de Viseu também nunca tinha tido honras Michelin –, já no caso dos outros três trata-se de cozinhas comandadas por velhos conhecidos dos inspectores. Com a estrela do Fifty Seconds, o restaurante da Torre Vasco da Gama, no Parque Expo, Martin Berasategui soma agora um total de doze estrelas outorgadas pelo guia, enquanto a consagração do projecto pessoal de Vincent Farges – o Epur – surge depois de o chef ter esperado em vão pela segunda estrela no Fortaleza do Guincho. “É uma recompensa para um trabalho duro e difícil, mas sempre bem feito. É um prémio excelente para a equipa e uma motivação extra. Agora o objectivo é manter a estrela e o nível de trabalho”, comentou Vincent Farges.
Embora com currículo ainda mais curto, o trabalho de Rui Silvestre já não era também desconhecido para os inspectores, que há quatro anos o consagraram – então sim, com surpresa – com a atribuição da estrela ao restaurante Bon Bon. No Vistas, o restaurante do Monte Rei Golf & Country Club, nas Sesmarias, Vila Nova de Cacela, onde chegou há coisa de dois anos, reconhecem não só a valia da sua cozinha como também o potencial de desenvolvimento do projecto associado ao empreendimento.
É também prémio e inspiração para a região do Sotavento, desde sempre dissociada do êxito e glamour associado à alta restauração do Algarve. Silvestre fez questão de lembrar que é no Sotavento que se encontram “os melhores peixes e os melhores mariscos do mundo”. “O nosso trabalho é saber aproveitar isso da melhor maneira.” A distinção da Michelin, sublinhou, é “um prémio para o sacrifício e dedicação de uma equipa forte e cada vez coesa”.
O director internacional dos Guias Michelin, Gwendal Poullennec, fala mesmo “numa consolidação da alta cozinha” e, referindo-se a Portugal e Espanha, de um “nível gastronómico que segue em alta e com a criatividade dos chefs em constante evolução”.
Na nota que apresenta as novidades da edição de 2020, o guia destaca, naturalmente, a entrada do restaurante de Rui Paula para a elite das duas estrelas. “Para nosso deleite, estamos encantados por outorgar a segunda estrela Michelin ao restaurante Casa de Chá da Boa Nova, já que cativou os inspectores tanto pela selvagem naturalidade do estabelecimento, sobre as rochas da praia da Boa Nova, como pela intensidade da proposta do chef, que joga com a memória, as técnicas mais actuais e a cozinha de proximidade para transmitir aos seus pratos o autêntico sabor do Atlântico”.
O reconhecimento chega poucos meses depois – quando o guia estaria já certamente fechado – de Ferran Adrià ter dito que a Casa de Chá da Boa Nova “é o restaurante mais bonito do mundo”. “É incrível, de fazer chorar, todas as pessoas que amam a gastronomia têm de lá ir”, disse o mítico chef do elBulli. Rui Paula nem em sonhos o terá imaginado.
Três perdem a estrela
E se quanto aos novos estrelados as novidades confirmam o bom momento que vive a gastronomia e restauração portuguesa, com crescente reconhecimento interno e externo, eram também como que esperadas as decisões do guia quanto aos restaurantes que deixam de fazer parte da lista. Dois no Algarve, Henrique Leis e Willie's, e também o L’And Vineyards, em Montemor-o-Novo, no Alentejo.
Quanto a Henrique Leis, desde Junho que o chef com o restaurante homónimo comunicou ao guia o propósito de não ostentar a distinção que mantinha desde 2001, se bem que isso tenha apenas o efeito de uma mera declaração, já que a Michelin responde que a classificação é sua e depende apenas da avaliação que é feito pelos seus inspectores.
No caso do restaurante de Willie Wurger, com estrela desde 2007, o seu estilo datado, orientado para uma clientela fixa e fiel e sem preocupações de actualização ou evolução há muito que anunciavam a saída. Surpresa, apenas por só agora se ter concretizado, enquanto no que respeita ao moderno restaurante do projecto L’And Vineyards se pode falar mesmo de um acontecimento já visto. Dois anos depois de ter conquistado a estrela (em 2014), o chef Miguel Laffan saiu e o restaurante perdeu a estrela. Regressou em 2017, recuperou-a, mas no ano passado voltou a desligar-se do projecto, pelo que esta era também uma decisão que estava como que pré-anunciada.
Em termos de balanço, Portugal soma mais um restaurante distinguido e acrescenta outro à lista dos duplamente estrelados. Não será o ano excepcional que anunciavam os responsáveis do guia, mas essa é a lógica puramente contabilística. Em termos de prestígio, visibilidade e reconhecimento, a gastronomia está num momento verdadeira e inegavelmente excepcional. Falta apenas que chegue ao patamar das três estrelas, mas basta olhar para o início da década – quando tínhamos apenas dez estrelas – e facilmente se percebe que a espera não há-de ser longa.
A Fugas viajou a convite da Michelin