A “marcha-atrás” de José, o inglês

José Mourinho vai orientar o Tottenham, mantendo-se em Inglaterra, numa das primeiras vezes em que dá um passo atrás na carreira. Mesmo assim, este desafio está longe de ser um cenário desagradável para o setubalense.

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Saiu Pochettino, entrou Mourinho Reuters/Andrew Yates

Desempregado, desacreditado e, para muitos, desactualizado. José Mourinho não estava num momento pujante, mas “caiu-lhe no colo” um clube chamado Tottenham. O português foi escolhido para substituir o despedido Mauricio Pochettino e, pela primeira vez, dará um claro passo atrás na carreira. Mas, com Mourinho, nem mesmo este downgrade chega mesmo a sê-lo, na realidade. É que este novo desafio é, para o português, uma tremenda fortuna. Em vários sentidos.

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Desempregado, desacreditado e, para muitos, desactualizado. José Mourinho não estava num momento pujante, mas “caiu-lhe no colo” um clube chamado Tottenham. O português foi escolhido para substituir o despedido Mauricio Pochettino e, pela primeira vez, dará um claro passo atrás na carreira. Mas, com Mourinho, nem mesmo este downgrade chega mesmo a sê-lo, na realidade. É que este novo desafio é, para o português, uma tremenda fortuna. Em vários sentidos.

Sendo certo que do Benfica para Leiria, no início da carreira, houve um passo atrás, a partir daí Mourinho pautou o percurso por sucessivas e teóricas subidas de nível. Fê-lo de Leiria para o FC Porto, da invicta para o Chelsea, de Londres para o Inter Milão e de Itália para o Real Madrid. Interrompeu esta cadeia com o regresso ao Chelsea, mas retomou-a com a chegada ao “tubarão” Manchester United. Agora, ao contrário do que tem acontecido durante grande parte da carreira, Mourinho parece aceitar dar um claro passo atrás, pelo menos no que diz respeito ao mediatismo, ao historial, à dimensão e aos meios do clube que treinará, em tese, até 2023.

Não obstante a imagem desgastada que já tem no Reino Unido – e as consequências que daí podem advir na relação com imprensa, que já recordou o momento em que Mourinho disse que “nunca treinaria o Tottenham” –, o técnico português pode ter conseguido, na chegada aos “spurs”, um autêntico jackpot.

Tottenham precisa dele, ele precisa do Tottenham

Em Londres, Mourinho entra numa equipa recheada de jogadores de topo, terá a possibilidade de fazer um “ano zero” – perdida que está a luta pelo título inglês – e, também por isso, a hipótese de atacar provas a eliminar como a Liga dos Campeões e a Taça de Inglaterra. Este convite – uma clara fortuna para um treinador algo desacreditado – ainda tem um extra: o Tottenham é conhecido por ser um clube que não ganha. É, portanto, um local onde qualquer conquista dará ao português um crédito considerável. E não será difícil de ganhar mais do que Pochettino... que não ganhou nada.

Mas a fortuna de Mourinho não é apenas na acepção felizarda do termo, mas também num sentido menos lato: é que o treinador vai mesmo ganhar uma fortuna, com a imprensa britânica a estimar cerca de 17,5 milhões de euros anuais, quase o dobro do que ganhava Pochettino. Este valor faz do português o segundo treinador mais bem pago do mundo, apenas atrás de Guardiola (20 milhões anuais).

Para o Tottenham, a contratação de Mourinho parece tão inevitável como planeada. A rapidez no anúncio de Mourinho denota negociações feitas ainda com Pochettino no cargo, mas também evidencia a pressa de quem tem de “entrar no eixo” rapidamente. Em 14.º lugar na Liga inglesa, com 25 pontos conquistados nos últimos 24 jogos internos, a luta pela permanência poderia tornar-se uma admissível possibilidade, ou mesmo uma preocupação real. A nível de campeonato, o desafio é evidente: subir do 14.º lugar para uma posição de Champions, ainda que a história não esteja a favor: segundo dados da Opta, nunca uma equipa com tão poucos pontos à 12.ª jornada conseguiu terminar no top 4 da Premier League.

A “fome” de títulos também é uma preocupação para um clube que, apesar da luta dada nas últimas temporadas, tem sido constantemente incapaz de rivalizar com os grandes rivais de Londres em matéria de conquistas. E, aí, a aposta no sempre “resultadista” e quase sempre conquistador José Mourinho dificilmente será falhada.

A maior incerteza em tudo isto é a postura do dono do clube, Daniel Levy. Conservador na hora de “abrir a carteira” para comprar jogadores, o dono do Tottenham escolheu um treinador que, em dez temporadas em Inglaterra, gastou mais dinheiro em transferências do que o Tottenham em todo este século (925 contra 876 milhões de libras). Resta saber se o sempre exigente Mourinho vai ter o aval de Levy para gastar ou se vai ter de ser mais selectivo e criativo nas escolhas de jogadores. Seja qual for o cenário, o treinador setubalense terá, em Londres, um balneário recheado de craques.

Tem Eriksen, que termina contrato no próximo Verão – e o que fizer Mourinho pode ser fulcral nas escolhas do jogador –, mas ao dinamarquês juntam-se os bons finalizadores Kane e Alli, os criativos Lucas, Son, Lo Celso e Lamela, os trabalhadores Sissoko, N’Dombélé, Wanyama e Winks e uma linha defensiva experiente e rotinada, com Vertonghen, Alderweireld e Dier. Alguns destes jogadores, como Kane, Dier, Alderweireld ou Rose, foram, até, desejos de Mourinho em anos anteriores.

José, o inglês

Esta é a 11.ª temporada de Mourinho em Inglaterra e a sétima consecutiva. O contexto é, no entanto, diferente do habitual, já que os “spurs”, apesar de estarem apenas a três pontos do quinto lugar, que já daria qualificação europeia, estão já a 11 pontos de um lugar de Champions.

Sobre a experiência inglesa de Mourinho há um dado curioso, que encaixa na perfeição no objectivo para 2019/20. Tanto no Chelsea como no United o treinador fez sempre, pelo menos, meia-final da competição europeia que disputou (duas “semis” da Champions com o Chelsea e final da Liga Europa ganha pelo United).

Mourinho chega a Londres depois de quase um ano sem treinar, mas, como o próprio chegou a dizer, esteve a desenvolver competências. E até a nível de comunicação a abordagem parece ser diferente. Noutros tempos – e não só na célebre chegada ao Chelsea, em 2004 –, o português fez questão de “bater no peito” e lembrar aquilo de que é capaz. Agora, no Tottenham, Mourinho volta a “bater no peito”, mas em nome do clube.

“Quando vocês [Tottenham] dizem que têm um “estádio bonito” são muito humildes. Vocês têm de dizer “o melhor estádio do mundo”. Acho que é uma realidade. E o centro de treinos não pode ser comparado com nenhum do futebol europeu – e já estive na maioria deles”, disse o técnico, citado pelo site oficial do clube.

Por fim, importa destacar que, em Inglaterra, esta é a primeira vez que Mourinho entra a meio de uma temporada. Tanto nas duas passagens pelo Chelsea como na aventura em Manchester o português pegou nas equipas no Verão e, sobretudo, construiu os plantéis à sua medida. Mourinho já garantiu, ainda assim, que está satisfeito com o que tem em mãos.

“Gosto muito deste plantel e, olhando para os jovens jogadores, não há nenhum treinador no mundo que não goste de os desenvolver. O problema é que, por vezes, vais para um clube no qual o trabalho na formação não é bom o suficiente. Mas, aqui, olhando para a nossa história, vejo que a Academia está sempre a dar o talento de que a primeira equipa precisa”. No Tottenham, o plantel já está feito - e bem feito. E isso, tendo em conta os recentes falhanços do português nas contratações milionárias, até pode nem ser mau prenúncio.