Casa onde não há inclusão…
A nossa educação não foi ainda capaz de se libertar de uma herança de desinvestimento de muitas dezenas de anos. Faltam recursos? Faltam sim, e muitos.
Não é novo – parece até bastante velho – falar-se das carências que existem nas escolas portuguesas para que se possa cumprir o desiderato expresso na nossa legislação de criar uma escola inclusiva. Abreviando razões, diríamos que a escola inclusiva é a que consegue educar todos, com todos, isto é, em que através de uma pedagogia diferenciada se consegue pôr em prática uma educação diferenciada e interativa. Sem diferenciação não será obviamente possível desenvolver a inclusão, dadas as eloquentes e tão manifestas diferenças entre os alunos; mas esta diferenciação não é feita criando “lugares à parte”, mas incentivando ambientes em que os alunos cooperam, aprendem juntos, aprendem uns dos outros.
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Não é novo – parece até bastante velho – falar-se das carências que existem nas escolas portuguesas para que se possa cumprir o desiderato expresso na nossa legislação de criar uma escola inclusiva. Abreviando razões, diríamos que a escola inclusiva é a que consegue educar todos, com todos, isto é, em que através de uma pedagogia diferenciada se consegue pôr em prática uma educação diferenciada e interativa. Sem diferenciação não será obviamente possível desenvolver a inclusão, dadas as eloquentes e tão manifestas diferenças entre os alunos; mas esta diferenciação não é feita criando “lugares à parte”, mas incentivando ambientes em que os alunos cooperam, aprendem juntos, aprendem uns dos outros.
Enquanto os alunos da “Educação Especial” estavam na escola, mas, muitas vezes, “longe da vista e longe do coração”, a premência destas carências era menos notada… era qualquer coisa que se passava “lá”, “lá” na Educação Especial, e dizia respeito aos professores de Educação Especial. Mas agora, a partir da publicação do dec. lei 54/2018, ficou claro que o problema não é “lá”: é “cá”. É “cá” é em toda a escola e diz respeito a todos os professores.
A implicação de toda a escola num processo que muitos de nós fomos habituados a ver como sendo “exterior” e “circunscrito” origina naturalmente dúvidas e resistências. É desnecessário enumerar as razões de “falta de formação”, “de excesso de trabalho”, “de ter mais 27 alunos na turma”, etc., etc., que são invocadas para este “transbordamento” da Educação Especial para uma Educação Inclusiva. Existe até uma questão concreta sobre a organização das escolas que parece muito sintomática da forma como se aborda esta mudança de uma escola com Educação Especial para uma escola inclusiva. Como é sabido, usamos uma pirâmide de medidas de apoio ao aluno que tem na base as medidas universais, no seu meio as medidas seletivas e no seu vértice as medidas adicionais. As medidas universais são aquelas que, em caso de alguma dificuldade identificada no aluno, mobilizam os recursos e as competências existentes na escola para as procurar resolver.
Recentemente visitei uma escola que, ao fazer a sua apresentação sobre a sua organização de apoio aos alunos, indicou que havia em todo o Agrupamento 98 alunos apoiados. Destes, 92% eram alunos com medidas universais, e a restante percentagem destinava-se às outras medidas. Noutra escola – curiosamente no mesmo concelho –, quando perguntei quantos alunos usufruíam de medidas universais, a professora olhou-me e disse: “Se as medidas são universais são para todos, logo os beneficiários são todos os alunos.” Não deixa de ser interessante pensar como a forma como se olham as medidas universais pode constituir um excelente indicador de como a escola trabalha em inclusão.
As dificuldades em desenvolver a inclusão desembocam – talvez na maioria dos casos – na questão dos recursos. Ouve-se frequentemente que não se faz inclusão, porque faltam recursos. Gostaria de tratar, ainda que sucintamente, este assunto. E em três pontos:
Antes de mais, para assumir que há efetivamente uma falta de recursos: i) conhecemos casos em que os professores de Educação Especial estão sobrecarregados com um número excessivo de casos que não lhes permite um bom acompanhamento de cada um deles, ii) por outro lado, a esperança que os Centros de Recursos para a Inclusão (CRI) pudessem prover os recursos essenciais está completamente abalada. Os CRI recebem há muitos anos o mesmo financiamento, quando o número de casos que precisam de apoio terapêutico-educativo tem aumentado. Trata-se na maioria dos casos de apoios que são reconhecidos pelos CRI e pelas escolas como insuficientes. E isto há muitos anos. A nossa educação fez um percurso notável durante o período após a Revolução de 25 de Abril de 1974, mas, mesmo assim, não foi capaz de se libertar de uma herança de desinvestimento de muitas dezenas de anos. Faltam recursos? Faltam sim, e muitos.
Em segundo lugar, precisamos de saber para que precisamos dos recursos. Precisamos de recursos para a inclusão. Vale a pena fazer passar por esta pergunta os recursos que se pedem. Por vezes, os recursos serviriam para que o aluno estivesse mais tempo fora da sala de aula, ou fora das atividades escolares ou até fora da escola. Não são esses certamente os recursos que precisamos: precisamos de recursos que ajudem a escola, os professores, os técnicos a melhorar a inclusão de cada criança: a sua inclusão na classe, na escola, na comunidade. Precisamos de recursos que se articulem com o trabalho pedagógico para o qualificar, para contribuir para ele ser mais diferenciado, flexível e logo mais adequado a educar todos e… com todos
Por fim, convido os meus leitores a uma viagem pela “imaginação pedagógica”. Imaginem que teríamos um governo que, afinal, achasse que “isto” da inclusão era um grande equívoco. Esse Governo conseguia encontrar verbas para construir grandes escolas especiais, por exemplo, em cada concelho. Todos os recursos que possuíamos iriam para essas escolas, professores, psicólogos, terapeutas, médicos, enfim, todas as pessoas que sabíamos ser as mais competentes. Já imaginaram? Talvez neste caso não se falasse de falta de recursos… estas escolas, sendo em número inferior, teriam talvez muito mais meios. Mas há uma questão fundamental: estas escolas especiais que acabamos de imaginar tinham uma falta imperdoável, uma falta tão grave que as inviabilizariam como estruturas credíveis. Faltar-lhes-ia a vivência, a experiência da inclusão. Por isso é que talvez seja preferível lidar com a falta de recursos nos 811 agrupamentos que procuram este valor precioso da inclusão do que criar escolas em que tudo pareceria ser abundante e só faltaria o essencial.
Na verdade, a inclusão é um recurso. É certamente “o” recurso sem o qual todos os outros recursos perdem significado. Em Portugal entendemos isso. E continuaremos a lutar para que o apoio inclusivo seja cada vez melhor, com mais vontades, com mais formação, com mais recursos e com mais utopia.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico