Urgência de pediatria do Garcia de Orta atende em média 12 crianças de madrugada
Ex-ministra da Saúde coordena grupo que estuda reorganização de urgências pediátricas em Lisboa. Três quartos dos atendimentos foram classificados como pouco urgentes ou não urgentes e podiam ter sido feitos fora do hospital, nota o Garcia de Orta.
A urgência pediátrica do Hospital de Garcia de Orta (Almada) atende, em média, 38 crianças e jovens entre as 20 e as 8 horas, período durante o qual o serviço vai passar a estar encerrado a partir da próxima segunda-feira por falta de médicos para assegurar as escalas. É entre o horário das 20 às 24 horas que a afluência de doentes é maior (foram 26 por dia, em média, entre Janeiro e Outubro deste ano), mas de madrugada os médicos de serviço viam até agora 12 as crianças e jovens, em média, adianta o hospital.
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A urgência pediátrica do Hospital de Garcia de Orta (Almada) atende, em média, 38 crianças e jovens entre as 20 e as 8 horas, período durante o qual o serviço vai passar a estar encerrado a partir da próxima segunda-feira por falta de médicos para assegurar as escalas. É entre o horário das 20 às 24 horas que a afluência de doentes é maior (foram 26 por dia, em média, entre Janeiro e Outubro deste ano), mas de madrugada os médicos de serviço viam até agora 12 as crianças e jovens, em média, adianta o hospital.
Se o primeiro grupo passa a poder ser atendido nos centros de saúde - o da Amora (Seixal) e o Rainha D. Leonor (Almada) passam a estar abertos até às 24 horas durante a semana e entre as 10 e as 22 horas aos fim-de-semana - no segundo caso, se a situação for urgente será necessário o recurso aos hospitais de D. Estefânia ou o Santa Maria, no centro de Lisboa, do outro lado da ponte. A comissão de utentes não se conforma com esta decisão e marcou uma vigília para segunda-feira.
Segundo os dados do Garcia de Orta, cerca de três quartos (74%) dos atendimentos na urgência pediátricas são situações de doença aguda, mas que não necessitam de cuidados hospitalares, tendo sido classificadas com as pulseiras verde (pouco urgente) e azuis (não urgente) na triagem efectuada à chegada. O que se percebe também, dos dados disponibilizados pelo hospital ao PÚBLICO, é que o número de urgências pediátricas diminuiu este ano face a 2018 (nessa altura a média era de 129 atendimentos diários quando, este ano, entre Janeiro e Outubro, baixou para 119 em média por dia, ao que tudo indica por causa dos sucessivos fechos temporários do serviço).
O problema é que a população em idade pediátrica abrangida pelo hospital de Almada é muito vasta e maior do que a que é servida por vários serviços de urgência que atendem crianças e jovens na área metropolitana de Lisboa, nota a ex-ministra da Saúde Ana Jorge, que coordena um grupo técnico incumbido de estudar a reorganização das urgências pediátricas na região.
Em análise está a possibilidade de concentração de serviços, à semelhança do que aconteceu há mais de uma década na Área Metropolitana do Porto, uma opção que se prevê muito polémica. “Se calhar não faz sentido ter tantas urgências [pediátricas] aberta na Área Metropolitana de Lisboa”, defende Ana Jorge, lembrando que, no Porto, desde 2008 que as urgências pediátricas estão a cargo apenas dos hospitais de S. João e do de Gaia. “A Administração Regional de Saúde do Norte conseguiu, no Sul é mais complicado, mas depois acontecem situações de ruptura”.
Reorganização “vai demorar"
Mesmo que se decida avançar neste sentido, porém, a reorganização não vai avançar de imediato e não chegará a tempo de evitar que a urgência de pediátrica do Garcia de Orta feche à noite, numa altura em que começa a epidemia de gripe sazonal e se aproxima o fim do ano, época em que os serviços de urgência registam sempre picos de procura e por vezes entram em ruptura. “Vai demorar [uma eventual reorganização] e não é bom que aconteça durante o período de maior afluência”, justifica Ana Jorge, para quem a urgência pediátrica de Almada deve funcionar no período nocturno, porque é aqui que residem mais casais jovens, que não conseguem aguentar os preços do centro de Lisboa. “Este é um período de contingência, mas é necessário que Garcia de Orta reabra à noite, logo que seja possível, mas com condições”, enfatiza.
Enquanto isso não é possível – os concursos para médicos lançados este ano ficaram vazios e nem o valor mais elevado à hora pago neste hospital tem sido suficiente para atrair mais médicos em prestação de serviço, lembra -, esta foi a solução encontrada para “evitar o abre agora, fecha agora”. Foi uma “conjugação de vários factores” que conduziu à actual situação: a equipa que faz urgência é muito reduzida (sete médicos, dos quais só quatro têm menos de 50 anos), a oferta privada aumentou, sobretudo com a abertura do hospital Cuf Almada "com uma suposta urgência pediátrica que é apenas uma consulta aberta”, e os concursos para contratação de médicos “ficam desertos”.
Neste momento, segundo a administração, são apenas quatro os pediatras disponíveis para fazer urgências à noite, quando uma escala é composta por três.
Mas Ana Jorge sublinha também que “cerca de 80% das situações de doença aguda banal não precisam de cuidados hospitalares”, apesar de necessitarem da observação e do conselho de um profissional de saúde. “A população tem que perceber que, se quer bons cuidados, tem que usá-los bem”, frisa.
Concentrar urgências pediátricas?
“Nunca vi um projecto de reorganização da urgência quando [Ana Jorge] foi ministra da Saúde”, critica João Proença, do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, lembrando que a ex-governante até foi presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo antes de ser ministra. Defendendo que este processo da urgência pediátrica é "vergonhoso”, o dirigente sindical atribui ainda uma parte da responsabilidade pelo estado a que o Garcia de Orta chegou ao anterior presidente do conselho de administração, Daniel Ferro (agora à frente do hospital de Santa Maria) e avisa que a pediatria não é a única especialidade em risco, mas também a anestesia, a cirurgia, a medicina interna, exemplifica.
Sem medo de ser polémico, o médico também defende que é preciso ponderar uma concentração de urgências pediátricas como a que foi feita na Área Metropolitana do Porto. Mas sobretudo, defende, é preciso que se volte a ser possível que os médicos trabalhem no SNS em dedicação exclusiva e que os profissionais sejam devidamente remunerados pelo trabalho complexo e desgastante que fazem nas urgências. Quando o hospital Cuf de Almada abriu, recorda, “todos os directores de serviço do Garcia de Orta foram convidados para ir para lá e a maior parte foi”.