Alexandra Cousteau: “Resolver o problema do plástico é só o primeiro passo” para salvar os oceanos
Tirar o plástico do mar não chega: é preciso restaurar a abundância de espécies. A activista pelos oceanos acredita que conseguimos fazê-lo até 2050, mas para isso é preciso aplicar quotas de pesca, reduzir a captura e restaurar florestas marinhas.
Tinha sete anos quando fez mergulho pela primeira vez, durante uma expedição com o avô, Jacques Cousteau. Foi rodeada por “montes de peixes pequeninos e prateados”: uma imagem que nunca mais lhe saiu da cabeça, tal era a “abundância” e “vida” que encontrou debaixo de água. Decidiu dedicar-se à “regeneração” e “reconstrução” dos mares porque a “sustentabilidade” já não é suficiente: “Devemos aspirar a abundância, não apenas a manter um oceano que está a degradado.”
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Tinha sete anos quando fez mergulho pela primeira vez, durante uma expedição com o avô, Jacques Cousteau. Foi rodeada por “montes de peixes pequeninos e prateados”: uma imagem que nunca mais lhe saiu da cabeça, tal era a “abundância” e “vida” que encontrou debaixo de água. Decidiu dedicar-se à “regeneração” e “reconstrução” dos mares porque a “sustentabilidade” já não é suficiente: “Devemos aspirar a abundância, não apenas a manter um oceano que está a degradado.”
Agora, aos 43 anos, acredita que é possível “restaurar” essa desejada abundância em apenas uma geração. A activista esteve no Porto, no âmbito da conferência SB Oceans, para lembrar que o plástico não é o único problema: é preciso aplicar quotas de pesca, reduzir a captura e restaurar florestas marinhas. Até 2050.
Passaste toda a vida a cruzar mares: é um legado de família. Que oceanos temos agora e que oceanos tínhamos no tempo do teu avô?
Quando o meu avô andava a explorar oceanos e a fazer filmes, nos anos 50, os oceanos eram abundantes, diversos, cheios de vida. E esse foi o oceano que ele levou às televisões e foi por ele que as pessoas se apaixonaram. Hoje temos menos 50% dos nossos oceanos. E não falamos apenas de 50% da vida no oceano: é 50% da abundância e produtividade de que dependemos para comer e tantas outras coisas. E quando perdemos metade de alguma coisa, não faz sentido falarmos sobre como manter o status quo — que é, na verdade, a definição de “conservação” e “sustentabilidade”. Então desafio as pessoas a pensar em usar novos termos como “regeneração”, “reconstrução” e “restauração” da abundância que existia nos oceanos e que perdemos, para que possamos alimentar o dobro das pessoas. Além de que ninguém quer deixar oceanos mortos para os filhos.
Mas as pessoas parecem estar mais atentas. Há jovens a faltar às aulas pelo clima, os governos começam a introduzir a expressão “crise climática” no discurso, tem havido uma preocupação crescente à volta do uso do plástico. Como vês esta consciencialização generalizada?
Estamos a viver um fantástico momento. Andámos a falar destes problemas durante décadas e ver finalmente uma preocupação pública, acção, entidades que tentam solucionar o problema… é muito importante. Convém relembrar que por muito importante que seja resolver o problema do plástico, esse não é o único problema. Temos de usar a mobilização que existe à volta do plástico como exemplo de que conseguimos gerar mudança em diferentes áreas como a pesca, áreas marítimas protegidas, poluição, zonas mortas, acidificação, desoxigenação. O oceano está a morrer independentemente de resolvermos o problema do plástico ou não. Resolver o problema do plástico é só o primeiro passo.
Há algum mar que te preocupe particularmente?
A Europa tem grandes problemas com os mares: o Báltico e o Mediterrâneo, que tem quatro vezes mais plástico do que qualquer outro mar. Para os europeus, o desafio é que os mares são geridos por diferentes países. E, por isso, começar um plano de acção e implementá-lo é muito difícil. Já a Ásia é responsável pela maior parte do plástico que acaba no oceano. Os rios asiáticos estão entupidos de plástico. Há problemas em todo o lado, isso é certo. E a questão do plástico trouxe os oceanos para as cabeças de toda a gente. Só temos que nos certificar de que fica lá.
Em Portugal e Espanha, o stock de sardinha é menos de metade do que deveria ser. Quando atingimos números como estes, é altura de parar de pescar de vez esta espécie? Que medidas temos de tomar?
Há três coisas que podemos fazer para ajudar qualquer espécie a voltar. Uma delas é aplicar quotas ao stock existente; a segunda é reduzir a captura e a terceira é expandir zonas protegidas. A sardinha é o peixe perfeito: é uma indústria maravilhosa, um alimento maravilhoso. Deveria ser abundante. E nós conseguimos atingir a abundância, só temos que estar dispostos a isso. Não é um mistério, é apenas compromisso. E temos de mudar a mensagem. Termos como “conservação” e “sustentabilidade” são, na minha opinião, o motivo pelo qual há excesso de pesca. Em alguns sítios, o stock está apenas em 6% dos níveis históricos. E isso é considerado sustentável porque podemos continuar assim para sempre. Temos que dizer que isto não é suficiente: precisamos de mais peixe, de abundância.
Mas é possível atingir essa tão desejada abundância em apenas uma geração, como defendes na tua tese? O que é preciso fazer?
Proteger e restaurar florestas marinhas, expandir o cultivo de algas, que são extremamente benéficas: sequestram carbono, providenciam comida, habitat, empregos, um stock de alimento para produtos industriais. As algas são extraordinárias. Precisamos de ajustar os nossos sistemas de agricultura para não criarmos zonas mortas nas margens dos rios. É preciso ter quotas de pesca estabelecidas por especialistas, para uma pesca sustentável: tecnologia como a de rastreabilidade, transparência e boas políticas podem levar-nos lá. Há muita tecnologia que está a criar transparência, dando melhores escolhas para os consumidores e criando economia para os governos.
Então estamos no caminho certo?
Acho que estamos. Temos jovens mobilizados como nunca vimos, temos tecnologia que promete progresso se a implementarmos. Vamos conseguir a tempo? Essa é a única questão.
O que é que cada um de nós, individualmente, pode fazer para contrariar o que está a acontecer aos oceanos?
Reduzir o uso de plástico tanto quanto conseguirmos. Às vezes é difícil não produzir lixo, mas tentar o melhor que conseguirmos. Comprar a granel, levar o nosso próprio saco quando vamos às compras. Prestar atenção aos alimentos que vêm do mar — e de onde vêm. O atum, peixe-espada, bacalhau, estão a esgotar-se. Por isso devemos evitar estes peixes, dar-lhes uma oportunidade para recuperar. E, claro, é muito importante pensarmos em quem votamos: como se posiciona quem nos governa em relação à crise climática? Percebem que é um desafio ou negam e olham para o lado quando fogos destroem países e temperaturas estão fora do controlo?