Madrid nas mãos de Barcelona
Na Espanha, o Vox força a extrema polarização. Na Catalunha, agrava-se o conflito entre nacionalistas. Entretanto, Oriol Junqueras, condenado pelos Supremo, tem nas mãos a sorte do Governo espanhol.
A questão catalã foi o eixo da campanha eleitoral espanhola. E os independentistas ditaram o resultado: o despertar do nacionalismo espanhol e a ascensão do Vox. Derrotado, Pedro Sánchez deu a volta à situação promovendo uma coligação do PSOE com o Unidas Podemos (UP), de Pablo Iglesias. E imediatamente a Catalunha voltou ao centro do palco: a sorte do novo governo da Espanha está nas mãos da Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), o mais antigo partido independentista. O que terá pesadas consequências, na Espanha e na Catalunha.
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A questão catalã foi o eixo da campanha eleitoral espanhola. E os independentistas ditaram o resultado: o despertar do nacionalismo espanhol e a ascensão do Vox. Derrotado, Pedro Sánchez deu a volta à situação promovendo uma coligação do PSOE com o Unidas Podemos (UP), de Pablo Iglesias. E imediatamente a Catalunha voltou ao centro do palco: a sorte do novo governo da Espanha está nas mãos da Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), o mais antigo partido independentista. O que terá pesadas consequências, na Espanha e na Catalunha.
Sánchez deverá reunir o apoio de 169 deputados. Mas este número fica abaixo da maioria absoluta - 176. Na segunda votação, apenas precisará da maioria relativa: mais votos a favor do que contra. O “não” tem 163 votos garantidos. Se a estes se juntassem os 13 deputados da ERC, Sánchez não seria investido. Oriol Junqueras, líder da ERC, condenado pelo Supremo Tribunal, será o decisor.
Pere Aragonés, “número dois” da ERC, comunicou que o seu partido se inclina para o “não”. Mas admite mudar de opinião. A ERC quer um acordo com o PSOE-UP e por isso não faz reivindicações impossíveis, como o indulto dos presos ou a negociação do “referendo catalão.” Pede que Sánchez reconheça que na Catalunha há “um problema político” e não “um problema de convivência”. Não é um jogo de palavras.
Reconhecer o “problema político” significa equacionar o diferendo nos termos dos independentistas catalães: há um conflito entre a Espanha e a Catalunha. O “problema de convivência”, que Sánchez muito evocou na campanha eleitoral, indica a existência de um “conflito entre catalães”: entre os independentistas, que controlam a Generalitat, e os unionistas que defendem a permanência dentro do Estado espanhol. “Este não é um problema entre catalães como se houvesse duas comunidades em conflito”, argumentou Aragonés. É um “problema” entre a Espanha e a Catalunha. A ERC não confia em Sánchez perante “a frivolidade” das cambalhotas de 180 graus sobre a Catalunha. Quer garantias, até porque corre riscos em Barcelona.
Aragonés pede a Sánchez um “compromisso” sobre a convocação de uma “mesa de negociação e diálogo entre iguais”, inspirada na reunião de Pedralbes em Dezembro de 2018. Um fórum onde se discutiriam todos os temas, inclusive a autodeterminação”, e que não deveria ser limitado pelo quadro constitucional. Os independentistas argumentam representar “a vontade de um povo”.
Foi ontem divulgado o último barómetro do Centre d’Estudis d’Opinió (CEO), da Generalitat. Em Outubro, os partidários da independência somavam 41,8%, contra 48,8% que querem permanecer na Espanha. Dado importante: 58,8% consideram que “a Catalunha tem um nível insuficiente de autonomia”, contra 25,1% que concordam com o actual estatuto.
A Catalunha, mais do que partida ao meio, está dividida em “três terços” afirma o politólogo Fernando Vallespín. Um terço é independentista, outro terço espanholista e o último terço não tem uma ligação emotiva ao independentismo mas quer alterar o estatuto da Catalunha dentro da Espanha. “Quem ganhar este terço ganha a guerra, que o perder perde a guerra.”
A nova guerra catalã
É altura de inverter a pergunta. Pode a ERC dar luz verde a Sánchez? A resposta não é óbvia. Na Catalunha, as coisas raramente são o que parecem. Encoberta pelo procés independentista e pela ficção da “unidade nacional”, trava-se uma guerra subterrânea pela hegemonia do campo nacionalista. Sem a ter em conta, a Catalunha é ininteligível.
Foi esta disputa que fez precipitar a declaração de independência em Outubro de 2017, numa competição perversa entre a ERC e os “pós-convergentes”, herdeiros da Convergência de Jordi Pujol, ou mais precisamente, entre Carles Puigdemont e Oriol Junqueras. Ambos queriam travar o procés mas de forma a atribuir ao outro a responsabilidade do recuo. Foi aquilo a que os americanos chamam um “chicken game”.
Depois, a ERC fez uma viragem pragmática. Abandonou a linha da “independência unilateral” e propôs uma estratégia de alargamento gradual da base social do independentismo. Acaba de ganhar as eleições na Catalunha – bateu o JxCat por 24,6% contra 12,0% – e quer eleições autonómicas antecipadas.
Os pós-convergentes, principalmente o Juntos pela Catalunha (JxCat), de Puigdemont e Quim Torra, temem que Junqueras lhes arranque a hegemonia. “A direita independentista catalã é capaz de tudo para evitar que a ERC lhe arrebate a Generalitat”, resume Enric Juliana, director-adjunto de La Vanguardia.
“Os dados dos inquéritos do CEO mostram que existem dois independentismos na Catalunha, dois universos que partilham o objectivo final da independência mas que são muito diferentes”, escreve o politólogo Oriol Bartomeus. “O independentismo da ERC é claramente mestiço, de pessoas bilingues e com origem familiares de fora da Catalunha. É um grupo mais urbano e que se situa mais à esquerda. O JxCat é um bloco que se define pelas origens quase exclusivamente catalãs, mais rurais e mais conservadores.”
Mas “os partidos independentistas mudaram muito nos últimos anos”, escreve Francesc-Marc Alvaro, um independentista crítico. “Os que antes eram moderados são agora partidários do momentum insurreccional, e os que eram partidários da via unilateral são agora pragmáticos e gradualistas.”
A perspectiva de um acordo entre Sánchez, Iglesias e Junqueras tira o sono a Puigdemont e Torra. A ERC quer estabilizar a situação política. O JxCat adoptou uma estratégia de tornar “absolutamente ingovernável” o Estado espanhol. O chamado Tsunami Democratic, controlado por Puigdemont, os CDR, patrocinados pelos “anticapitalistas” da CUP, e a Assembleia Nacional Catalã (que nas eleições apelou ao voto no JxCat e na CUP, contra a ERC) ameaçam agora denunciar a Esquerra Republicana como “traidora”, se viabilizar o governo Sánchez-Iglesias. Os CDR ameaçam: “Independência ou barbárie.”
A Catalunha pode entrar num novo ciclo de agitação. E a Espanha? “O maior inconveniente do pacto [PSOE-Podemos] é que as duas esquerdas e seus satélites deverão governar num clima de enorme polarização, agora que o Vox tem um único objectivo: aumentar ao máximo a tensão política”, escreve o colunista catalão Antoni Puigverd. “A tensão de Abascal impossibilitará a moderação de Casado.” Acrescenta Juliana: “A direita independentista catalã fará, nas próximas semanas, o possível e o impossível para rebentar a coligação.”
Querem melhor quadro?