O que é prazer sexual para si?
As ideias feitas e precipitadas prevalecem e talvez a maior precipitação seja confundir (ou equivaler) o conceito de prazer sexual com o de orgasmo.
O prazer sexual constitui um conceito jargão, adornado de ideias pré-concebidas. Pouco se conhece acerca do prazer sexual e o que o distingue de outros indicadores importantes de saúde sexual, como por exemplo a satisfação sexual. As ideias feitas e precipitadas prevalecem e talvez a maior precipitação seja confundir (ou equivaler) o conceito de prazer sexual com o de orgasmo. Ainda que o orgasmo seja uma componente fundamental do prazer, assumir que são sinónimos é redutor. A via mais eficaz para experimentar um orgasmo é a estimulação dos genitais, mas o prazer sexual é muito mais abrangente do que a experiência orgásmica.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O prazer sexual constitui um conceito jargão, adornado de ideias pré-concebidas. Pouco se conhece acerca do prazer sexual e o que o distingue de outros indicadores importantes de saúde sexual, como por exemplo a satisfação sexual. As ideias feitas e precipitadas prevalecem e talvez a maior precipitação seja confundir (ou equivaler) o conceito de prazer sexual com o de orgasmo. Ainda que o orgasmo seja uma componente fundamental do prazer, assumir que são sinónimos é redutor. A via mais eficaz para experimentar um orgasmo é a estimulação dos genitais, mas o prazer sexual é muito mais abrangente do que a experiência orgásmica.
Num estudo que será publicado em breve em demos voz a dezenas de pessoas para que explanassem o que é o prazer sexual, confirmámos que este não se pode reduzir ao prazer genital. O prazer sexual é uma experiência ampla que se define pela intersecção de múltiplas experiências que incluem, entre outras, sensação de excitação corporal por diversas vias sensoriais, plenitude, desinibição, exaltação, jogo erótico, suspensão e tensão sexual, experiência de imersão na outra pessoa, perda de controlo, felicidade plena, transcendência, arrepios, demora…
As descrições são ricas e demonstram empiricamente que o que as pessoas testemunham é mais esclarecedor do que aquilo que os investigadores elaboram e presumem quando se confinam aos seus modelos teóricos tantas vezes já datados. Há todo um mundo — aqui uso mundo no sentido literal, o mundo enquanto experiência humana para além da experiência europeia e anglo-saxónica — por descobrir e conhecer acerca do prazer sexual: o que é, como se expressa, qual a sua função, quais os custos para a saúde global, mental e social da sua repressão.
A investigação acerca do prazer sexual é praticamente inexistente. A complexidade e abrangência deste conceito dificultam a sua avaliação e a única medida publicada para usar em contexto de investigação, sim a única, foi estudada em Portugal, estando agora a ser amplamente difundida pelo resto do mundo. O estudo desta medida permitiu indicar de forma inequívoca que o prazer sexual, e não apenas a função genital, está diminuído nas pessoas que procuram ajuda em contexto clínico. Esta constatação levou-me a defender desde há vários anos que o trabalho em sexologia clínica e em psicoterapia visa, além da eliminação do sofrimento, a promoção do prazer. E é fundamental que assim seja, o prazer é um direito sexual, um direito humano, tal como é claramente advogado na Declaração dos Direitos Sexuais.
Mas o direito ao prazer sexual de cada pessoa não é um direito absoluto, egoísta, descontextualizado, que legitime o exercício de poder de grupos sociais sobre outros grupos sociais ou de adultos ou jovens adultos sobre menores de idade. O prazer sexual é o ponto nodal onde se encontram a dimensão política e ética da sexualidade. Porquê? Porque o direito ao prazer sexual de cada pessoa implica o respeito e a possibilidade de viver uma vida sexual segura e livre de qualquer tipo de coacção, abraçando o respeito pela diversidade sexual e contribuindo para a auto-determinação sexual em contexto de consensualidade tal como se pode confirmar na muito recente Declaração Sobre o Prazer Sexual redigida em Outubro deste ano pela Associação Mundial de Saúde Sexual.
A educação informada e compreensiva para a sexualidade adaptada aos estágios de desenvolvimento, o reconhecimento da diversidade sexual (que inclui por exemplo a assexualidade), as medidas legais e sociais que sejam eficazes no combate ao abuso e agressões sexuais, a luta pela não estigmatização ou discriminação em função da diversidade sexual a promoção de uma cultura positiva acerca da diversidade dos corpos e o reconhecimento da saúde sexual como parte integrante da saúde global e mental são alguns pontos fundamentais para assegurar o acesso e defesa do prazer sexual.
Enquanto se abre este novo caminho de luta pelo direito ao prazer sexual encaixado numa visão positiva da saúde sexual para todas as pessoas, deixo-vos um desafio com três componentes: já pensou o que é prazer sexual para si? E de que forma tem contribuído pela defesa deste seu direito? E do das outras pessoas cujos direitos sexuais estão sob ameaça? O acto de compaixão, de contribuir para minorar o sofrimento do outro, é um caminho que muitas pessoas, se puderem e assim quiserem, podem fazer e que permitirá melhor saúde global, menos discriminação, mais conhecimento, mais paridade. Pelo direito ao prazer sexual.
Psicoterapeuta, investigadora e professora universitária; presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica; membro das Comissões Consultiva, Científica e do dia Mundial da Saúde Sexual da Associação Mundial de Saúde Sexual