Há hospitais afectados diariamente por rupturas de medicamentos
Inquérito promovido pela Associação dos Administradores Hospitalares e Ordem dos Farmacêuticos revela que em 2018 as falhas de fornecimento de medicamentos foram consideradas “um problema grave” para os hospitais do SNS. Das unidades que responderam, 39% disseram que enfrentaram este problema “diariamente”.
Todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que responderam ao Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar, que analisa o ano de 2018, consideraram as rupturas de fornecimento de medicamentos “um problema grave”. Das unidades que responderam ao inquérito, 39% afirmaram que enfrentaram este problema “diariamente” e outros 30,4% “semanalmente”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que responderam ao Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar, que analisa o ano de 2018, consideraram as rupturas de fornecimento de medicamentos “um problema grave”. Das unidades que responderam ao inquérito, 39% afirmaram que enfrentaram este problema “diariamente” e outros 30,4% “semanalmente”.
Os resultados do inquérito promovido pela Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) em parceria com a Ordem dos Farmacêuticos (OF), a que o PÚBLICO teve acesso, são apresentados esta sexta-feira em Lisboa. A recolha de dados foi feita através de um questionário electrónico enviado a 49 hospitais do SNS entre os dias 15 e 30 de Outubro deste ano. Responderam 23 (47%).
As falhas de fornecimento de medicamentos não afectaram só as farmácias comunitárias. Para 26,1% dos hospitais inquiridos “é um problema grave que afecta todos os medicamentos”, 30,4% disse que “afecta essencialmente medicamentos com genéricos” e outros 43,5% que “afecta apenas alguns medicamentos”. Uma das causas que apontam são “os preços excessivamente baixos dos medicamentos genéricos”.
Alexandre Lourenço, presidente da APAH, diz que “os hospitais acabam por optar por comprar medicamentos mais caros, por vezes menos adaptados à situação dos doentes, ou comprar fora do país”. “Também fazem partilhas entre eles com o objectivo de minimizar o impacto para o doente. Só numa lógica de SNS e de rede é possível garantir isto”, diz.
Segundo o inquérito, 39,1% das unidades disseram que as rupturas se verificaram diariamente, 30,4% semanalmente e percentagem idêntica disse “mensalmente”. Rogério Gaspar, coordenador do estudo e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, assume que esta resposta foi uma “surpresa”. “Esperaria alguma frequência de rupturas, mas se juntar os grupos que dizem diariamente e semanalmente estamos a falar de 70% das unidades. É enorme e deve preocupar muito”, diz.
Alexandre Lourenço assegura que “os doentes não ficam sem assistência” e que “as rupturas podem ser resolvidas no mesmo dia”. “Podemos estar a falar de situações pontuais. As farmácias hospitalares têm 2000 referências de medicamentos”, reforça, referindo que também é preciso “melhorar a logística dos hospitais” com sistemas que monitorizem os stocks de medicamentos nas enfermarias e os prazos de validade para maximizar toda a sua utilização.
Francisco Ramos, presidente do Fórum do Medicamento — evento onde o índex vai ser apresentado — e ex-secretário de Estado da Saúde, fala numa situação multifactorial. Medicamentos que “têm preços de tal forma baixos que que os laboratórios tendem a descontinuar”, questões administrativas relacionadas com a compra centralizada nomeadamente a necessidade de antecipar a decisão da escolha do vencedor “para que a empresa possa abastecer os hospitais sem nenhum problema” e a exportação paralela para outros países europeus.
Indica ainda outro factor: “Uma das formas que o Infarmed e o Ministério da Saúde têm de controlar o volume de gastos é pôr tectos de despesa. Do que sabemos, algumas empresas quando atingem esse tecto tentam limitar o fornecimento de medicamentos. Isso exige uma maior fiscalização do Infarmed e provavelmente exigirá também que se encontre um novo modelo de controlo de gastos que não conflitue com a necessidade de abastecimento do mercado.”
Acesso à inovação
Os hospitais disseram ter acesso a medicamentos inovadores, com 56,5% das unidades a utilizá-los ainda antes da aprovação por parte da Agência Europeia do Medicamento. Como foi o caso da bebé Matilde, que sofre de atrofia muscular espinhal. Também no caso dos medicamentos aprovados para entrar no mercado, mas em que ainda se está a negociar a comparticipação do Estado tem havido resposta. Dos 1730 pedidos de autorização de utilização excepcional feitos pelos hospitais para aquisição desses fármacos, 1494 foram aprovados pelo Infarmed.
“Os dados apresentados permitem-nos afirmar, no que concerne ao acesso ao medicamento pelos doentes do SNS, que este se encontra devidamente assegurado”, diz o presidente do Infarmed. Rui Ivo adianta que desde Janeiro até Setembro deste ano “foram aprovados pelo Infarmed 93 medicamentos inovadores, novas substâncias ou novas indicações, dos quais 60 tiveram aprovação para utilização e financiamento pelo SNS”.
“Não fica evidente nenhuma restrição importante de acesso a novos medicamentos. O que fica evidente neste estudo é a falta de avaliação dos hospitais se os medicamentos dão aquilo que prometem ou não”, afirma Francisco Ramos, referindo-se ao facto de a maioria das instituições só monitorizar o número de doentes tratados e não analisar a qualidade e eficácia dos tratamentos. Reconhece que “a escassez de recursos humanos, sobretudo técnicos superiores ligados à gestão, fez com que ainda não tivesse sido possível dar resposta positiva” aos projectos de criação de registos e sistemas de monitorização, que estavam em estudo no ministério.
Rogério Gaspar explica que o sistema do medicamento tem suporte na avaliação dos níveis de segurança quando há autorização de introdução, “mas também da grande carga de acompanhamento do perfil de segurança durante o seu ciclo de vida”. “Se não está a ser contemplado nos hospitais fico preocupado”, assume.
“Estamos a usar tecnologia muito dispendiosa, com grandes efeitos sobre a saúde das pessoas e que criam grandes expectativas. E é importante saber que resultados temos. Faltam recursos técnicos capazes de fazer essa avaliação”, aponta Alexandre Lourenço, que recorda que 61% dos hospitais identificaram a falta de farmacêuticos e 52% de pessoal no aprovisionamento, elementos essenciais no processo de compra.
O inquérito mostrou também que há um intervalo de tempo entre a autorização do Infarmed e a compra do medicamento por parte do hospital. No caso dos medicamentos sem financiamento, a média foi de 25 dias. Porém, houve hospitais que demoraram três dias a comprar e outros levaram 120 dias. “Há uma assimetria nas práticas das várias instituições. Devia existir, como existe para as consultas e cirurgias, um tempo máximo de resposta garantido para a dispensa dos medicamentos aos doentes por parte dos hospitais”, propõe Alexandre Lourenço. Normas que podiam “ser trabalhadas em conjunto pelos hospitais, Infarmed, ordens dos Farmacêuticos e dos Médicos”.