Fundos europeus devem começar a financiar directamente as políticas de habitação
Conferência internacional debateu necessidade de mais investimento público, mais transparência nos negócios, mais activismo e cidadania e maior regulação, tanto nos mercados financeiros como nos da habitação.
A União Europeia não tem actualmente competência para legislar em matéria de habitação e o financiamento directo a projectos de habitação tem estado arredado dos fundos comunitários ao longo dos últimos ciclos. Mas há várias formas de alterar este estado de coisas, e de contornar os critérios de convergência e as regras sobre os défices orçamentais, que têm sido aplicadas de forma particularmente restritiva a países como Portugal.
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A União Europeia não tem actualmente competência para legislar em matéria de habitação e o financiamento directo a projectos de habitação tem estado arredado dos fundos comunitários ao longo dos últimos ciclos. Mas há várias formas de alterar este estado de coisas, e de contornar os critérios de convergência e as regras sobre os défices orçamentais, que têm sido aplicadas de forma particularmente restritiva a países como Portugal.
Mas se houve algum consenso ao longo do intenso e participado debate que durante o dia de ontem decorreu na conferência internacional “Housing for All – What Problems? What Solutions?”, em Lisboa, é que é possível contornar estes limites (houve vários países a fazê-lo, o último dos quais, a Alemanha, que aceitou receber refugiados negociando que o investimento na construção das suas casas não fosse contabilizado para a défice) e que é necessário lutar para alterar a legislação.
De acordo com os números trazidos ao debate por João Carvalhosa, do Comité Português de Coordenação da Habitação Social, há 156 milhões de cidadãos europeus em riscos de pobreza, considerando os custos do acesso à habitação e há 50 milhões em pobreza energética. E se é verdade que em 2017 os subsídios atribuídos para habitação (não há apoios directos) subiram para 80,8 mil milhões de euros em 2017, também é que, contabilizou a Comissão Europeia, todos os anos são investidos menos 57 mil milhões de euros do que aqueles que seriam necessários para assegurar o acesso à habitação.
Numa altura em que está a ser discutido o novo ciclo de fundos comunitários, é altura de decidir como é que os fundos europeus vão ajudar a resolver estes problemas.
Promovida pelo Colectivo Urbanólogo, o Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Nova FCSH, a Fundação Friedrich Ebert em Portugal e o Goethe-Institut Portugal, a conferência contou com o testemunho de vários especialistas nacionais e internacionais, desde académicos a contribuir para o diagnóstico, a activistas e lobbyistas que tem estado a tentar influenciar a mudança de políticas, a nível local, nacional e comunitário.
É o caso de Barbara Steenberg, que começou há 18 anos como presidente de uma associação de inquilinos em Berlim e está hoje credenciada como lobbyista em Bruxelas, para representar o interesse dos inquilinos a nível comunitário. Foi Barbara quem pediu à audiência para “ultrapassar o trauma português” acerca do que foi o efeito do congelamento das rendas.
“Não tenham medo de voltar a fazer uma regulação no mercado de arrendamento. É importante haver limites ao seu crescimento. É importante dar segurança aos inquilinos”, assegurou. Habituada aos corredores europeus, Barbara Steenberg lembrou aos presentes que as políticas da União Europeia não são apenas impostas – como aconteceu nos memorandos da troika em que a intervenção nos países foi directa – mas que elas também são negociadas.
“A Comissão europeia esta a perguntar aos Estados-membros sobre se o orçamento comunitário deve ou não servir para fazer financiamento directo a políticas de habitação. Eu não sei o que Portugal respondeu. Sei que a Alemanha, a Espanha e os países escandinavos disseram que sim. E Portugal? Perguntem! Insistam com o Governo do vosso país!”, apelou.
Esta é também a altura que a dimensão urbana começa a ganhar algum destaque nas agendas políticas internacionais. Como, por exemplo, a Agenda Urbana para a União Europeia, um esforço conjunto da Comissão Europeia, dos Estados-membros e das Cidades Europeias, lançada em 2016, ou a proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, onde o acesso à habitação também aparece mencionado.
E, neste aspecto, apontou Rui Franco, do pelouro da Habitação da Câmara de Lisboa, e representante do município na EU Urban Agenda Housing Partnership, que estuda e propõe medidas para a criação de habitação acessível e de qualidade na União Europeia, há coisas pelas quais não podemos culpar a União Europeia. “Foi Portugal quem decidiu não ter uma representação permanente em Bruxelas”, afirmou.
Mais investimento público, mais transparência nos negócios, mais activismo e cidadania, e maior regulação tanto nos mercados financeiros como nos da habitação. Durante a conferência, não faltaram propostas, prioridades, exemplos de como podem, ou devem, as instituições europeias alterar a forma como têm vindo a influenciar o acesso à habitação nos seus diferentes Estados-membros.
E ficou também uma certeza – a de que o movimento dos cidadãos, o activismo a nível local, acaba por ter impacto na definição de políticas. Karin Zauner-Lohmeyer, porta-voz da Iniciativa de Cidadania Europeia Habitação Acessível para Todos, tem o prazo de um ano para reunir um milhão de assinaturas que visa obrigar a Comissão Europeia a melhorar as condições jurídicas e financeiras de acesso à habitação para todos na Europa. “Cada assinatura conta”, lembrou.