Um terço dos procuradores abandona departamento que concentra investigações sensíveis

Dois dos magistrados que assinaram a acusação de Tancos, Vítor Magalhães e João Valente, estão de saída do DCIAP. Departamento renova quadros e passa a ter 40 procuradores, um reforço de quatro magistrados.

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Nuno Ferreira Santos

Um terço dos procuradores que integram actualmente o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), a unidade mais especializada do Ministério Público e que concentra os inquéritos mais complexos ou mais violentos do país, vão abandonar aquele departamento do Ministério Público, confirmou o PÚBLICO junto de várias fontes ligadas a esta magistratura.

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Um terço dos procuradores que integram actualmente o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), a unidade mais especializada do Ministério Público e que concentra os inquéritos mais complexos ou mais violentos do país, vão abandonar aquele departamento do Ministério Público, confirmou o PÚBLICO junto de várias fontes ligadas a esta magistratura.

A saída vai trazer uma renovação de quadros ao DCIAP, que vai passar de um total de 36 para 40 procuradores, um reforço de quatro magistrados. De entrada estão muitos procuradores-adjuntos, a base da carreira, com menos experiência que os colegas que têm estado nos últimos anos naquele departamento. Serão 15 no total, mantendo-se, no entanto, em maioria (serão 25) os procuradores da república, o segundo escalão de uma carreira que tem neste momento três categorias e que vai mudar de forma substancial com o novo Estatuto do Ministério Público, que entra em vigor em Janeiro do próximo ano.

Do rol dos procuradores que estão de saída fazem parte Vítor Magalhães e João Valente, dois dos três magistrados que assinaram a acusação ao caso de Tancos, um inquérito onde houve uma polémica intervenção hierárquica do actual director do DCIAP, Albano Pinto, que travou a inquirição do primeiro-ministro António Costa e do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, como testemunhas.

Este diferendo não é, no entanto, a única explicação para a saída de 12 dos 36 magistrados que foram colocados no ano passado no DCIAP. Por exemplo, a procuradora Susana Figueiredo, que assinou a acusação do caso dos vistos gold em Novembro de 2015, saiu do departamento mais especializado do Ministério Público há uns meses para ir dar aulas no Centro de Estudos Judiciários (CEJ).

Outra saída é a da procuradora Cláudia Ribeiro, que integrou a equipa que investiga o colapso do Banco Espírito Santo e do grupo com o mesmo nome, e que se terá desentendido com o coordenador do caso, tendo pedido várias vezes para sair do DCIAP sem sucesso.

Renovação anual obrigatório

Outros invocaram razões pessoais e há quem não se tenha querido comprometer com uma comissão de serviço por três anos, uma novidade que decorre da entrada em vigor do novo Estatuto do Ministério Público, em Janeiro do próximo ano. Até agora, os procuradores eram colocados por destacamento, por um ano, sendo obrigatória a renovação anual da sua situação.

Isso mesmo admite o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, contactado pelo PÚBLICO, para comentar a saída de um terço dos procuradores do DCIAP. “Este é um momento de renovação do DCIAP e essas saídas têm várias causas”, afirma António Ventinhas, que admite que a intervenção do director do DCIAP no caso de Tancos foi uma das razões das saídas, mas não a única.

O procurador Vítor Magalhães, dos magistrados mais antigos do DCIAP, deverá regressar ao seu lugar de origem no Juízo Central Criminal de Sintra, e outros devem integrar os novos Departamentos de Investigação e Acção Penal regionais, unidades especializadas na investigação da criminalidade altamente organizada ou violenta, que se disperse por mais de uma das comarcas que integram as actuais procuradorias-gerais distritais (Porto, Coimbra, Lisboa e Évora). São uma espécie de DCIAP a nível regional.

Contactada pelo PÚBLICO, o director do DCIAP, Albano Pinto, não quis fazer declarações sobre as saídas e as entradas no departamento que dirige desde Janeiro, na sequência de uma proposta da nova procuradora-geral da República, Lucília Gago, aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público por unanimidade.

As saídas ocorrem no âmbito do último movimento de procuradores, cujas colocações provisórias foram conhecidas esta quinta-feira à noite, estando agora a decorrer um prazo para apresentação de reclamações. Estes movimentos ocorrem todos os anos, tendo o deste ano acontecido um pouco mais tarde do que é habitual para coincidir com o ingresso de novos procuradores que vão sair do CEJ, que forma novos magistrados, e com a entrada em vigor do novo Estatuto do Ministério Público. O que não é habitual é uma saída tão maciça de pessoas, sendo comum haver três ou quatro saídas todos os anos.

Todos os magistrados que estão de saída nem sequer concorreram aos lugares existentes no DCIAP, actualmente dependentes de uma avaliação curricular feita pelo director do departamento, que propõe ao Conselho Superior do Ministério Público o nome das pessoas a colocar, fundamentando as suas escolhas. É este órgão colegial que aprova a colocação das pessoas, tendo validado as opções de Albano Pinto. O director decidiu manter os 24 procuradores que já estavam no DCIAP e concorreram para ficar.

A maior parte dos procuradores que entram são magistrados mais novos, que possuem a categoria de procuradores-adjuntos, mas que por força da alteração do estatuto passam a ganhar o salário base de um procurador do escalão superior, por estarem a exercer funções no DCIAP.

Vão manter-se no DCIAP, procuradores como o titular da Operação Marquês, Rosário Teixeira, o coordenador das investigações ao universo BES, José Ranito, o titular do caso das rendas da EDP, Casimiro Nunes, ou Inês Bonina, titular do processo em que o ex-vice-presidente de Angola foi acusado.