Revisitações e transformações à volta do Barroco

“À Volta do Barroco”, diferentes programas levaram ao mesmo palco dois dos agrupamentos residentes da Casa da Música.

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“À Volta do Barroco”, diferentes programas levaram ao mesmo palco dois dos agrupamentos residentes da Casa da Música. No domingo, a Orquestra Barroca Casa da Música (OBCdM) e o Remix Ensemble (RE) estiveram até sentados lado a lado, alternando peças da Arte da Fuga, de Johann Sebastian Bach, interpretadas pelo primeiro, com as respectivas “transformações” elaboradas pelo alemão Johannes Schöllhorn (1962), na interpretação do RE.

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“À Volta do Barroco”, diferentes programas levaram ao mesmo palco dois dos agrupamentos residentes da Casa da Música. No domingo, a Orquestra Barroca Casa da Música (OBCdM) e o Remix Ensemble (RE) estiveram até sentados lado a lado, alternando peças da Arte da Fuga, de Johann Sebastian Bach, interpretadas pelo primeiro, com as respectivas “transformações” elaboradas pelo alemão Johannes Schöllhorn (1962), na interpretação do RE.

Seja pelo facto de o compositor não ter notado uma instrumentação específica para a obra, ou pela genialidade desta que é por muitos tida como a opus magnum de Bach, a Arte da Fuga tem sido alvo de inúmeras revisitações — meras orquestrações ou, como é o caso desta de Schöllhorn, transformações mais livres.

Resultou muito bem essa fórmula de alternância, pondo em evidência não só o ponto de partida e a transformação, mas ainda a distinta sonoridade dos próprios agrupamentos. Se Schöllhorn usou diferentes combinações tímbricas nas suas peças, também a OBCdM se moveu entre o solo de cravo, com que interpretou o Canon in Hypodiapason (a encerrar a sua prestação), e um tutti com seis violinos, duas violas, dois violoncelos, contrabaixo, dois oboés, fagote e cravo/órgão, passando por um convincente duo de violino e violoncelo e outras formações menos pequenas. Destacou-se o violinista Huw Daniel (bem apoiado por Reyes Gallardo), muito seguro e versátil, apesar da heterogeneidade dos violinos, por vezes quase desencontrados.

Não foi a primeira vez que o RE e o maestro Peter Rundel trabalharam com Johannes Schöllhorn (compositor que estudou, entre outros, com o saudoso Emmanuel Nunes). Esta mesma obra — que reúne lentíssimas evocações do contraponto e retratos esfumados a revisitações quase dançantes — foi por eles gravada, estando disponível num óptimo registo da etiqueta Printemps des Arts de Monte Carlo.

Já na terça-feira, a “parceria” entre a OBCdM e o RE traduziu-se em pouco mais do que a utilização de um único ingresso para os dois concertos consecutivos. Na primeira (longa) parte, a OBCdM (numa formação de cordas e cravo/órgão) apresentou um programa variado, começando pelo Concerto para quatro violinos e violoncelo em Ré Maior, op. 3 nº1 RV 549, de Vivaldi. Logo aqui, foi notória a energia (por vezes excessiva) de alguns violinos, cujo vigor originou algum desajuste na afinação. Não foi o caso da Fantazia, Three parts upon a ground em Ré Maior Z 731, de Purcell, ela própria povoada de estranhas harmonias dissonantes. Uma leitura enérgica e veloz do famosíssimo Cânone de Pachelbel (com Giga) foi uma séria demonstração de como se pode fugir ao trivial, tornando interessante o que já mal concebe sem banalidade. Uma breve Chaconne de John Blow permeou as duas obras de maior formação que pareceram melhor ensaiadas: o Concerto II em Si bemol maior (de IV Concerti Armonici), de Unico Wilhelm van Wassenaer, e o Concerto Brandeburguês nº 3 em Sol Maior BWV 1048, de J. S. Bach (esta última sentindo-se um pouco do tal vigor exagerado em alguns violinos). Também nessa tarde, Huw Daniel sobressaiu pela segurança e riqueza da sua interpretação.

Após um intervalo, o RE faria a estreia absoluta de uma encomenda da Casa da Música a Pedro Lima (1994) — jovem compositor em residência — e debater-se-ia com a complexidade de Conlon Nancarrow, na estreia nacional de uma orquestração de Yvar Mikhashoff.  

Não constituindo grande novidade, a peça de Pedro Lima exibiu a energia de um jovem um tanto irreverente, ainda em descoberta e deslumbrado com o mundo que habita. Nada pretensiosa, essa energia traduziu-se por uma electrónica que remete para o imaginário de bandas sonoras — com uma voz narradora e sons envolventes bem misturados — ela própria envolvendo um cenário instrumental que encaixa na memória como maioritariamente forte e com muita homorritmia bem articulada.

Antes de iniciar a interpretação dos cinco Estudos orquestrados de Conlon Nancarrow, Peter Rundel pegou no microfone para dedicar aquele enorme desafio musical ao violinista do RE cujo trabalho se traduziu em rigor e dedicação, ao longo dos últimos anos, e que agora se despede do agrupamento onde cresceu e que ajudou a crescer: José Pereira. A reinterpretação de Yvar Mikhashoff dos mirabolantes estudos (números 1, 30, 12, 6 e 7) permitiu um novo entendimento (mas quantos será possível extrair?) das potenciais linhas inscritas nas densas obras de Nancarrow.