Professor diz que se alunos faltarem a Moral não podem entrar na igreja. Diocese do Porto diz que é “coacção”
Coordenador de escola escreveu um texto a avisar pais que faltas dos filhos a EMRC são comunicadas à Igreja e que essas ausências teriam consequências. Fonte da Diocese do Porto garante que não existe nenhuma base de dados e que “não se mete nos procedimentos escolares”. Ministério diz que a questão já foi resolvida.
Esta semana, os pais e encarregados de educação da Centro Escolar de Torrados, em Felgueiras, receberam uma carta pouco comum: assinado pelo coordenador daquela instituição de ensino, o documento dizia que se os seus filhos continuassem a faltar às aulas de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) “corriam o risco” de não poder ir à catequese, ser baptizados, de fazer a comunhão ou mesmo de não entrar numa igreja.
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Esta semana, os pais e encarregados de educação da Centro Escolar de Torrados, em Felgueiras, receberam uma carta pouco comum: assinado pelo coordenador daquela instituição de ensino, o documento dizia que se os seus filhos continuassem a faltar às aulas de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) “corriam o risco” de não poder ir à catequese, ser baptizados, de fazer a comunhão ou mesmo de não entrar numa igreja.
Na carta a que o PÚBLICO teve acesso, Arménio Rodrigues, o coordenador, refere que os educandos “têm de frequentar a disciplina de EMRC uma vez que “no acto da matrícula” foi feita essa escolha. “A comunicação de não frequência do aluno é feita mensalmente para a base de dados da igreja católica portuguesa, correndo o risco de lhe ser barrado o acesso aos vários serviços disponibilizado”, lê-se ainda no documento.
De acordo com a mesma fonte, a ausência do aluno à disciplina, que pertence à componente lectiva e “tem uma nota de classificação para avaliação” passaram, a partir daquela data, a ser contabilizadas para a marcação de faltas — à decima, o aluno reprova.
Contactada pelo PÚBLICO, o responsável da Diocese do Porto que acompanha as escolas no que toca a esta disciplina, António Madureira, diz que julgava que era um texto falso quando a notícia lhe chegou aos ouvidos. “Não nos revemos em nada do que lá foi escrito, a Igreja não tem plataformas nem se mete nos comportamentos e procedimentos escolares. É importante que se perceba que isto está inserido numa comunidade e que aquele coordenador nem sequer é professor de Moral”, diz o responsável.
O professor de primeiro ciclo desempenha o papel de coordenador e tem a função de informar a Direcção do Agrupamento de Felgueiras sobre os assuntos relacionados com a escola. “Este coordenador estava a coagir os pais para conseguir minimizar as faltas às disciplinas. Não fazemos ideia onde foi buscar aquele cenário. Ele é um bom homem e está muito bem situado na comunidade, mas acho a única coisa que ia fazer mudar estes pais era criar este cenário quase de inferno: ‘se os vossos filhos não vierem a Moral, condenam-se’, refere ainda António Madureira.
Segundo a Direcção-Geral da Educação, EMRC é de “oferta obrigatória e de frequência facultativa”, ou seja, só as crianças que foram inscritas pelos pais na disciplina em questão são “obrigadas” a frequentá-la. Como destaca o representante da Diocese do Porto, um aluno que não se inscreva pode ir na mesma à catequese porque “a igreja é uma casa de porta aberta e a educação moral não é só para cristãos”. A partir dos 16 anos são os próprios alunos que decidem se vão ou não ter aulas de EMRC. Os resultados da avaliação nesta disciplina não são considerados, nem para efeitos de retenção, nem para o cálculo de médias.
Aos 16 anos a maioria dos alunos portugueses já está no ensino secundário. Segundo a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no ano lectivo de 2012/2013, último sobre o qual existem dados publicados relativos à frequência da disciplina de Educação Moral e Religiosa, só cerca de 15 mil estudantes do secundário optaram por ter estas aulas nas escolas públicas. Nesse mesmo ano, a representatividade do grupo que tinha aulas de moral e religião no 2.º 3.º ciclo, quando a decisão de frequência ainda pertence maioritariamente aos pais, era substancialmente maior – cerca de 248 mil.
“Ficamos incomodados porque passa uma imagem da igreja que não corresponde à realidade. Colocou-nos um problema grave, porque há pessoas que pensam que aquilo é verdade”, explicou o coordenador, que garante que o próprio Director do Agrupamento ficou “em estado de choque” por não ter conseguido controlar a situação.
O PÚBLICO aguarda ainda esclarecimentos por parte da Direcção do Agrupamento de Escolas de Felgueiras e contactou também o Centro Escolar de Torrados que remeteu todos os esclarecimentos para a mesma entidade. Por sua vez, o Ministério da Educação (ME) afirma que “desconhecia a existência do comunicado que não tem qualquer cabimento”, garantindo que a direcção do Agrupamento, contactada pelo serviços do ME, já procedeu à correcção da situação.