Sismos e tsunamis praticamente ignorados no aeroporto do Montijo
Cientistas portugueses referem que o estudo de impacto ambiental ao projecto do aeroporto do Montijo tem lacunas na avaliação do risco de sismos e tsunamis.
Além de falhas na avaliação dos riscos associados à subida do nível médio do mar e do aumento dos gases com efeito de estufa, um grupo de 11 cientistas portugueses avisa que o “Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ao Aeroporto do Montijo e Respectivas Acessibilidades” tem omissões na avaliação dos sismos e subestima o risco elevado associado à susceptibilidade de inundação por tsunami.
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Além de falhas na avaliação dos riscos associados à subida do nível médio do mar e do aumento dos gases com efeito de estufa, um grupo de 11 cientistas portugueses avisa que o “Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ao Aeroporto do Montijo e Respectivas Acessibilidades” tem omissões na avaliação dos sismos e subestima o risco elevado associado à susceptibilidade de inundação por tsunami.
Sobre os efeitos da geologia e geomorfologia no aeroporto do Montijo, o EIA refere que a sismicidade na área é elevada. Afinal, a península do Montijo é uma zona baixa constituída por um substrato geológico sedimentar pouco ou nada consolidado, predominantemente arenoso, que inclui lodos e argilas saturados em água. Contudo, no resumo não técnico do EIA assinala-se que “os impactos geomorfológicos da movimentação de terras na área do aeroporto consideram-se negativos e pouco significativos”.
Ora para os cientistas, o “EIA apenas aborda a avaliação da ‘acção sísmica’ de forma superficial e muito incompleta”, escreveram no documento “Contestação abaixo-assinada sobre o EIA do Aeroporto do Montijo e suas Acessibilidades” e submetido na plataforma de consulta pública ao estudo de impacto ambiental, que decorreu até 19 de Setembro.
Além de considerarem que não foi concebido um mapa específico sobre a acção sísmica para aquela zona, Carlos Antunes (engenheiro geógrafo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos signatários do documento) alerta que a avaliação à acção sísmica foi feita com base num regulamento já desactualizado (o Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e Pontes de 1983). Actualmente, já é aplicado o conjunto de normas Eurocódigo 8 – Projecto de Estruturas para Resistência aos Sismos.
“Não fizeram a caracterização de solos à luz do Eurocódigo 8 e é isso fundamental porque o tipo de solo caracteriza a intensidade do sismo sentido no local e os danos causados nesse local”, esclarece Carlos Antunes. “Isto é determinante para se seguir a chamada ‘acção sísmica’, que depois vai condicionar o tipo de construção que terá de ser feito de acordo com o tal regulamento.”
Também não foi identificada a classe de importância da construção – isto é, se está sujeita a sismos de maior ou menor intensidade. “[O EIA] não identificou devidamente os factores fundamentais para caracterizar o tipo de medidas que têm de ser implementadas naquele tipo de estruturas de elevada importância”, considera o investigador.
Quanto ao risco de inundação por tsunami, o EIA aponta que a geração destes fenómenos se encontra associada a sismos com epicentro no mar, o que faz do Norte da Base Aérea N.º 6 (onde ficará o aeroporto) uma zona de “elevada susceptibilidade a estes fenómenos”.
Carlos Antunes alerta que a avaliação no EIA foi insuficiente: fizeram-se apenas mapas de pequena escala, usou-se bibliografia antiga e omitiu-se a mais recente. O cientista indica ainda que não foi feita uma avaliação para cenários da propagação das ondas de tsunami considerando a subida do nível médio do mar no futuro. “Dado o conhecimento científico, deveria ter sido feita uma caracterização rigorosa do risco de inundação de tsunami tendo como referência tanto a situação actual como o nível médio do mar no futuro”, nota Carlos Antunes. “Como isso não foi feito, não se pôde identificar um conjunto de medidas de minimização de impactos para esse risco.” Para reduzir os efeitos de um tsunami, seria necessário aplicar soluções de engenharia de “elevado custo que estariam muito para além da capacidade de investimento do projecto”, adianta ainda.
Na contestação que apresentaram ao EIA, os cientistas pediam a sua rejeição parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), assim como uma revisão do estudo para ter em consideração os riscos apresentados pelos 11 investigadores. A 30 de Outubro, a APA anunciou que deu um parecer favorável condicionado ao aeroporto do Montijo.