Procurador-geral dos EUA recusou afirmar que conversa entre Trump e Zelensky foi legal
Em Setembro, o Presidente norte-americano pediu a William Barr que convocasse uma conferência de imprensa para dizer que não foi cometida nenhuma ilegalidade no telefonema de 25 de Julho, que está no centro do processo de impugnação.
O Presidente norte-americano, Donald Trump, tentou que o responsável máximo pela Justiça nos EUA, o procurador-geral William Barr, dissesse em público que não houve nada de ilegal na sua conversa telefónica com o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky – o caso que motivou a abertura de um processo de impugnação contra Trump na Câmara dos Representantes. Barr recusou-se a convocar uma conferência de imprensa para esse efeito, em Setembro, e o seu Departamento de Justiça emitiu um comunicado a dizer que a conversa não iria ser investigada porque “não houve violação das leis de financiamento das campanhas eleitorais”.
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O Presidente norte-americano, Donald Trump, tentou que o responsável máximo pela Justiça nos EUA, o procurador-geral William Barr, dissesse em público que não houve nada de ilegal na sua conversa telefónica com o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky – o caso que motivou a abertura de um processo de impugnação contra Trump na Câmara dos Representantes. Barr recusou-se a convocar uma conferência de imprensa para esse efeito, em Setembro, e o seu Departamento de Justiça emitiu um comunicado a dizer que a conversa não iria ser investigada porque “não houve violação das leis de financiamento das campanhas eleitorais”.
A notícia sobre o pedido de Trump ao procurador-geral, avançada esta quinta-feira pelo Washington Post e também confirmada pelo New York Times, pode vir a ser usada pelos congressistas do Partido Democrata durante a fase de inquérito do processo de impugnação, que começou na última semana de Setembro e que vai entrar, na próxima semana, numa segunda fase com audições públicas a testemunhas importantes.
Se vier a ser demonstrado, durante as audições, que o Presidente norte-americano tentou que o procurador-geral declarasse em público algo que pode vir a ser desmentido ao longo do processo de impugnação (a suposta legalidade de tudo o que foi dito entre Trump e Zelensky), os congressistas do Partido Democrata podem interpretar o caso como mais uma tentativa de obstrução da Justiça – um crime punível com a destituição.
Em resposta, o porta-voz adjunto da Casa Branca, Hogan Gidley, acusou os jornais norte-americanos de transmitirem informações “a partir de fontes obscuras que têm a intenção de dividir, difamar e caluniar” a relação entre o Presidente norte-americano e o procurador-geral.
"Um favor"
Na conversa telefónica entre Trump e Zelensky, no dia 25 de Julho, o Presidente norte-americano pediu ao líder ucraniano “um favor” (que na verdade foram dois) depois de salientar que “os Estados Unidos têm sido muito bons para a Ucrânia”.
Em primeiro lugar, Trump pediu a Zelensky que ajudasse o Departamento de Justiça a investigar uma teoria da conspiração relacionada com as eleições de 2016 nos EUA, segundo a qual o Governo ucraniano pró-Ocidente saído da revolução de 2014 montou uma campanha para culpar a Rússia pelos ataques informáticos contra o Partido Democrata e a sua candidata oficial à Casa Branca em 2016, Hillary Clinton.
Esta teoria, nascida nos grupos de apoio a Trump, contraria o resultado das investigações das várias agências de serviços secretos norte-americanas e da equipa do procurador especial Robert Mueller, que culparam o Kremlin pela campanha de propaganda e desinformação a favor de Donald Trump nas eleições de 2016.
Para além disso, Trump pediu a Zelensky que investigasse o antigo vice-presidente dos EUA Joe Biden e o seu filho, Hunter Biden, sobre acusações não fundamentadas – em particular, a acusação de que Hunter Biden foi contratado pela empresa ucraniana Burisma, em 2014, apenas por ser filho do então vice-presidente, e que Joe Biden provocou a demissão do procurador-geral ucraniano que estaria a investigar por suspeitas de corrupção a empresa em que o filho trabalhava.
Num vídeo disponível no YouTube, gravado durante um painel de discussão no Council on Foreign Relations, o próprio Joe Biden conta que exigiu a demissão do procurador-geral ucraniano em 2016, em troca de uma garantia para um empréstimo de mil milhões de dólares ao Governo ucraniano. Segundo Biden, essa pressão foi feita porque o procurador-geral em causa, Victor Shokin, estava a bloquear o combate à corrupção, e não o contrário.
Barr distancia-se
Não é claro o que levou William Barr a recusar o pedido de Donald Trump, mas há indícios de que o procurador-geral tem tentado manter uma certa distância da Casa Branca em relação à conversa telefónica que está no centro do processo de impugnação.
Em Setembro, quando a Casa Branca publicou uma versão escrita da conversa entre Trump e Zelensky, o Departamento de Justiça veio a público declarar que o Presidente norte-americano e o procurador-geral nunca falaram sobre os pedidos à Ucrânia para investigar os casos referidos na chamada de 25 de Julho – segundo a transcrição parcial, o Presidente norte-americano disse ao seu homólogo ucraniano que o procurador-geral dos EUA iria telefonar-lhe para falarem sobre os casos.
William Barr foi escolhido por Trump em Dezembro de 2018 para substituir o anterior procurador-geral, Jeff Sessions, que o Presidente despedira após meses de críticas públicas pela decisão de se afastar das investigações sobre as suspeitas de interferência da Rússia nas eleições de 2016.
Os seus críticos dizem que é capaz de fazer tudo para defender o Presidente Trump. Ainda antes de chegar ao cargo, Barr disse que os apelos de Trump à abertura de uma investigação criminal contra Hillary Clinton “não têm nada de errado intrinsecamente”, apoiou a demissão do director do FBI, James Comey, e disse que a equipa do procurador especial Robert Mueller devia ser “mais equilibrada", com mais elementos com ligações ao Partido Republicano.
No dia 24 de Março, Barr convocou uma conferência de imprensa para anunciar as principais conclusões do relatório da equipa de Robert Mueller, uma decisão que lhe valeu mais acusações de misturar a defesa da Constituição e das leis com a defesa do Presidente Trump. Dias depois, o procurador especial disse que as declarações do procurador-geral "não captaram inteiramente o contexto, a natureza e a substância do trabalho e das conclusões” da sua equipa, o que causou “confusão entre o público”.
Não é a primeira vez que um Presidente norte-americano olha para o cargo de procurador-geral mais como um seu subordinado do que como o garante do cumprimento da lei no país.
Em 1973, num episódio da história dos EUA que ficou conhecido com Saturday Night Massacre (massacre de sábado à noite), o procurador-geral e o procurador-geral adjunto foram despedidos em poucas horas, pelo Presidente Richard Nixon, por se terem recusado a afastar o responsável pelas investigações do escândalo de Watergate. O processo de impugnação contra Nixon viria a ser aberto dez dias mais tarde, a 30 de Outubro de 1973.
Archibald Cox, o procurador especial, seria afastado pelo terceiro na linha de comando do Departamento de Justiça, que aceitou cumprir a ordem de Nixon. Um mês depois, um tribunal decidiu que o despedimento do procurador especial tinha sido ilegal, mas o caso não chegou ao Supremo porque Cox não quis recuperar o cargo e o Departamento de Justiça não recorreu da decisão. Nixon resignaria em Agosto de 1974, quando a Câmara dos Representantes se preparava para aprovar a sua impugnação.