Afectados pela barragem em Ribeira de Pena ficam nas suas casas até serem obrigados a sair

Os moradores terão de deixar as suas casas por causa da construção da barragem do Alto Tâmega. “Todas estas casas foram feitas pelas pessoas, com as suas poupanças. Agora vêm-se confrontados com a necessidade de sair de casa e sem alternativa”, vincou o autarca da região.

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Parte dos habitantes de Ribeira de Pena afectados pela construção da barragem do Alto Tâmega continuam nas suas casas apesar do final do prazo para deixarem a habitação e garantem manter-se até serem obrigados a sair.

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Parte dos habitantes de Ribeira de Pena afectados pela construção da barragem do Alto Tâmega continuam nas suas casas apesar do final do prazo para deixarem a habitação e garantem manter-se até serem obrigados a sair.

“Disseram-nos que tínhamos de sair até dia 4 de Novembro, mas agora pelos vistos vamos poder passar na nossa casa o Natal e a passagem de ano”, adiantou nesta quarta-feira à Lusa Maria da Glória Gonçalves, uma das moradoras de Ribeira de Baixo, no concelho de Ribeira de Pena, que terão de deixar a sua habitação devido à construção da barragem do Alto Tâmega.

A empresa responsável pelo projecto que integra o Sistema Electroprodutor do Tâmega (SET), a Iberdrola, preparou na localidade do distrito de Vila Real contentores para servirem de habitação provisória às famílias, mas estes ainda não estão a ser utilizados.

Segundo dados da autarquia de Ribeira de Pena, dos 49 casos de famílias que terão de ser realojadas no concelho, seis encontram-se resolvidos, 19 estão em tribunal e 24 em negociação.

Para Glória Gonçalves, que vive em Ribeira de Baixo com o seu marido há 40 anos, o valor da indemnização atribuído é insuficiente para construir uma nova casa.

“Nunca emigramos e com o dinheiro que ganhamos na lavoura, criamos quatro filhos e construímos esta casa, com muito sacrifício”, conta.

“Ficará sempre no meu coração”

Sem esconder a emoção com o aproximar da data para libertar a casa, Glória Gonçalves, de 69 anos, garante que apenas sairá quando for necessário, mas que não tem alternativa no momento.

“Com o dinheiro que nos deram não podemos construir uma nova casa como esta, com quatro quartos”, refere.

A assinalar 53 anos de casada com Eurico Fernandes, Glória Gonçalves lamenta ter de abandonar a localidade onde sempre viveu, depois de ter já visto vários vizinhos deixarem a terra depois de terem assinado os acordos.

Numa das casas já desocupada ficou mesmo escrita uma frase de despedida na parede: “adeus Ribeira de Baixo, ficará sempre no meu coração”.

Não muito distante e também em Ribeira de Baixo, Ana Maria Gonçalves continua a viver na sua casa de uma vida apesar da carta recebida para deixar a sua habitação.

“Não me deram dinheiro praticamente nenhum e por isso não saio daqui, pois não pagaram o suficiente para poder fazer outra”, atirou.

Com 83 anos, e a viver com o marido há 53 anos naquela casa, confessa sentir-se “muito triste” perante a necessidade de deixar a sua localidade.

“Trabalhamos muito para a ter, compramos o terreno e fizemos a casa com seis quartos, pois tivemos seis filhos”, explica.

Com os filhos emigrados em França, Ana Maria Gonçalves recusa-se mudar para os contentores provisórios por estes não terem “dignidade para lá viver”.

Com poupanças fizeram-se casas

Para o presidente da Câmara de Ribeira de Pena, João Noronha, a maior preocupação é com o “realojamento das pessoas que vão ficar sem a sua habitação”, acusando a Iberdrola de demora na resolução do processo.

“Todas estas casas foram feitas pelas pessoas, com as suas poupanças, quer após trabalharem em Portugal, quer emigrados. Agora vêm-se confrontados com a necessidade de sair de casa e sem alternativa”, vincou.

Segundo o autarca, nada foi feito para que as pessoas pudessem sair das suas casas e irem para outra pronta a substituir, o que levou a população a pedir ajuda ao município.

“A Iberdrola há nove ou dez anos que sabia que a determinada altura as pessoas tinham de sair de casa e nada foi feito. A câmara vê-se obrigada a tomar isso a peito, porque as pessoas já têm alguma idade e não têm forças para começar a construir uma casa”, lembrou.

João Noronha acrescentou ainda que os 70 ou 80 mil euros que a maioria das pessoas está a receber pelas suas casas não são suficientes para fazer uma nova com as mesmas condições no concelho.

Em comunicado enviado à Lusa, a Iberdrola salientou que tem procurado estabelecer sempre “um acordo amigável com os proprietários”.

“Os acordos amigáveis representam mais de 75% do total. Do restante, apenas 1,5% corresponde a casos de não -aceitação da indemnização proposta e os demais estão relacionados com problemas de registo predial e de titularidade de heranças indivisas”, explicou.

Sobre as habitações temporárias, a empresa espanhola manifestou-se “solidária com o desconforto que esta mudança de lar possa causar” e lembrou que realizou um estudo detalhado, caso a caso, desde o segundo semestre de 2017”.

“O objectivo primordial deste estudo foi dispor de todas as informações importantes para a agilização de um processo de realojamento adequado e justo para todos os casos. Uma vez compilada toda a informação, a Iberdrola está a articular, com as autoridades competentes, medidas de compensação adicionais ao processo de expropriação, que favoreçam o realojamento das famílias, com base na medida 29 do Plano de Acção Socioeconómico da Declaração de Impacte Ambiental (DIA). Entre outras acções, e para aquele número reduzido de casos nos quais essas medidas foram necessárias, a Iberdrola disponibilizou alternativas temporárias de habitação”, vincou.

Reportagem de Diogo Caldas (Lusa) e fotografias de Pedro Sarmento Costa (Lusa)