Há 11 milhões de anos um símio andava de pé nos ramos das árvores
Encontrados na Alemanha, fósseis do Danuvius guggenmosi revelam-nos que a forma de locomoção desse símio pode ter estado na origem do bipedismo nos humanos.
O fóssil de um pequeno símio foi encontrado na região de Allgäu, no estado alemão da Baviera. A descoberta permitiu identificar uma nova espécie, o Danuvius guggenmosi. Viveu durante a época do Miocénico Médio, há cerca de 11,6 milhões de anos, e movia-se de forma peculiar. Ao contrário dos outros primatas vivos, que se deslocam preferencialmente com o apoio dos braços, o Danuvius guggenmosi utilizava predominantemente as duas pernas para se movimentar na copa das árvores.
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O fóssil de um pequeno símio foi encontrado na região de Allgäu, no estado alemão da Baviera. A descoberta permitiu identificar uma nova espécie, o Danuvius guggenmosi. Viveu durante a época do Miocénico Médio, há cerca de 11,6 milhões de anos, e movia-se de forma peculiar. Ao contrário dos outros primatas vivos, que se deslocam preferencialmente com o apoio dos braços, o Danuvius guggenmosi utilizava predominantemente as duas pernas para se movimentar na copa das árvores.
“O último antepassado comum dos humanos e dos grandes símios não se parece com um chimpanzé, ou qualquer outro grande símio actual. Seria parecido com o Danuvius”, diz ao PÚBLICO Madelaine Böhme, primeira autora do artigo científico sobre a descoberta e investigadora do Departamento de Geociências da Universidade de Tubinga (Alemanha). O trabalho é publicado esta quinta-feira na revista Nature.
A equipa encontrou fósseis de quatro indivíduos da mesma espécie. O esqueleto mais completo corresponde a um macho adulto. É constituído por ossos dos membros – como o cúbito, o fémur e a tíbia –, algumas vértebras, ossos das mãos e dos pés e uma parte do crânio. Os dentes do Danuvius guggenmosi eram muito parecidos com os dos driopitecos, um género de símios extintos que viveram durante o Miocénico Médio e Superior.
A estatura do Danuvius guggenmosi seria idêntica à dos bonobos, um pequeno primata ainda vivo e que é endémico da República Democrática do Congo. Os bonobos, juntamente com os chimpanzés, são os parentes mais próximos dos humanos. O Danuvius guggenmosi mediria pouco mais de um metro de altura e poderia atingir os 31 quilos.
Os ossos encontrados permitem reconstituir a forma como o Danuvius guggenmosi se movia no seu ambiente. “Pela primeira vez, conseguiu-se estudar várias articulações importantes, como as do cotovelo, do pulso, da anca, do joelho e do tornozelo, num único fóssil com esta idade”, congratula-se Madelaine Böhme. A equipa identificou, assim, um novo tipo de locomoção.
Durante a locomoção, os primatas vivos podem favorecer ora os braços (como os orangotangos e os gibões), ora as pernas (como os humanos). O Danuvius guggenmosi possuiria braços compridos e polegares fortes, que utilizaria para agarrar os ramos das árvores e pendurar-se. Além disso, teria pernas semelhantes às nossas, que lhe permitiam colocar-se de pé e caminhar sobre os ramos, com o apoio de dedos grandes dos pés adequados para se agarrar. A análise do fémur e da tíbia mostra que a distensão das articulações dos joelhos e das ancas no Danuvius guggenmosi seria superior à dos grandes símios africanos actuais, como os chimpanzés e gorilas, que se deslocam com os dois pés ocasionalmente.
A origem do bipedismo
Os antepassados humanos terão desenvolvido o bipedismo durante o final do Miocénico (entre há sete ou cinco milhões de anos). O trabalho de Charles Darwin sobre a origem das espécies no século XIX lançou as bases para a compreensão da evolução humana. Desde então, vários cientistas têm estudado o desenvolvimento do bipedismo nos humanos.
Já foram descobertos diversos fósseis – incluindo de driopitecos – da época do Miocénico Médio e Superior (entre 13 e 5,3 milhões de anos) que permitiram perceber quando é que os antepassados dos humanos começaram a caminhar com os dois pés. No entanto, nenhum desses fósseis inclui ossos completos dos membros, dificultando o entendimento sobre como e por que razão o bipedismo se desenvolveu nos humanos.
“O esqueleto do Danuvius guggenmosi tem características únicas quando comparado com exemplares de driopitecos”, afirma a paleoantropóloga Tracy L. Kivell, que não fez parte do estudo, num comentário publicado na revista Nature sobre a descoberta. Madelaine Böhme e a equipa mostram que o bipedismo nos humanos pode ter derivado do tipo de locomoção empreendido pelo Danuvius guggenmosi.
A investigação indica também que o bipedismo teve origem num contexto arbóreo, e não no solo. Os investigadores sugerem ainda que a locomoção do último antepassado comum entre os humanos e os símios seria semelhante à do Danuvius guggenmosi. “E assim ficamos mais perto de perceber como e por que razão os antepassados humanos se tornaram menos dependentes da vida nas árvores e adoptaram a locomoção terrestre bípede”, escreve Tracy Kivell.
Os autores do estudo ficaram surpreendidos com as semelhanças que existem entre a morfologia do Danuvius guggenmosi e a dos antepassados dos humanos. “O Danuvius é, ao mesmo tempo, como um símio e como um hominíneo”, elucida Madelaine Böhme. Por um lado, os braços alongados e a forma do dedo grande do pé tornam o Danuvius guggenmosi mais parecido com os símios. Por outro, o amplo tórax, a parte inferior da coluna mais comprida, bem como as ancas e os joelhos largos são características que se assemelham às dos nossos antepassados.
Texto editado por Teresa Firmino