A dignidade dos advogados
Vários exemplos têm ocorrido que demonstram estarmos a assistir a uma situação extremamente grave, que representa um padrão de comportamento por parte dos tribunais contra os advogados que é urgente reverter.
Temos vindo a assistir nos últimos tempos a sucessivas desconsiderações dos advogados no âmbito do seu trabalho nos tribunais, sem que por parte da Ordem dos Advogados surja qualquer tomada de posição em defesa da dignidade dos advogados. Vários exemplos têm ocorrido que demonstram estarmos a assistir a uma situação extremamente grave, que representa um padrão de comportamento por parte dos tribunais contra os advogados que é urgente reverter.
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Temos vindo a assistir nos últimos tempos a sucessivas desconsiderações dos advogados no âmbito do seu trabalho nos tribunais, sem que por parte da Ordem dos Advogados surja qualquer tomada de posição em defesa da dignidade dos advogados. Vários exemplos têm ocorrido que demonstram estarmos a assistir a uma situação extremamente grave, que representa um padrão de comportamento por parte dos tribunais contra os advogados que é urgente reverter.
Uma das primeiras demonstrações deste comportamento passou pelo facto de termos assistido à exigência aos advogados de senhas de entrada para poderem aceder aos tribunais, indicando a diligência a que irão comparecer. Ora, a exigência dessas senhas, além de constituir um tratamento absolutamente achincalhante para os advogados, restringe o seu direito de acesso nas secretarias judiciais aos dias em que tenham diligências marcadas. Tal viola claramente o seu direito de ingresso nas secretarias dos tribunais, garantido pelo art. 79.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Da mesma forma, soube-se recentemente que um advogado tinha sido processado judicialmente por ter subscrito uma queixa contra um magistrado, seguindo as instruções do seu cliente. Ora, tal situação viola claramente o art. 208.º da Constituição que determina que a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça. Precisamente por esse motivo, o Estado português foi condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (caso L. P. e Carvalho c. Portugal, processos 24845/13 e 49103/15), que considerou a situação uma violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Poderíamos dizer que neste caso, ainda que tardiamente, se fez justiça. É, no entanto, preocupante que a defesa dos direitos humanos dos advogados apenas ocorra nos tribunais europeus, não tendo os tribunais nacionais sido capazes de a estabelecer.
Recentemente foi igualmente notícia que num tribunal se teria determinado a apreensão dos telemóveis dos advogados para evitar fugas de informação sobre o processo. Ora, um telemóvel é um instrumento utilizado pelo advogado para efeitos de contacto com o cliente, contendo por isso naturalmente mensagens sujeitas a sigilo profissional. Precisamente por esse motivo, o Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece nos seus arts. 75.º e 76.º regras rigorosas relativamente a este tipo de apreensão. Mas, mesmo que não contivesse matéria de sigilo profissional, um telemóvel é um instrumento de trabalho do advogado, que pode ser utilizado para consulta de legislação e jurisprudência. E, em qualquer caso, a apreensão de telemóveis, apenas por motivo de receio de fugas de informação, representa uma profunda desconsideração pelos advogados, que são assim envolvidos numa suspeita colectiva, sem qualquer justificação.
O art. 72.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados determina que “os magistrados, agentes de autoridade e trabalhadores em funções públicas devem assegurar aos advogados, aquando do exercício da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato”. Nos termos do art. 40.º, n.º 1, d) do mesmo Estatuto compete ao bastonário “velar pelo cumprimento da legislação respeitante à Ordem dos Advogados”. Aos Conselhos Regionais, nos termos do art. 54.º, n.º 1, c) do mesmo Estatuto, compete também “zelar pela dignidade e independência da Ordem dos Advogados e assegurar o respeito dos direitos dos advogados”. É manifesto que a Ordem, quer a nível do seu órgão geral, quer dos seus órgãos regionais, tem claudicado nesta função, que é, aliás, uma das suas atribuições fundamentais, nos termos do art. 3.º, n.º 1, d) do Estatuto. É preciso por isso uma mudança profunda na Ordem dos Advogados que a coloque em defesa da dignidade dos advogados.