A importância do “poder exortatório” da Entidade para a Transparência
O poder que assiste à nova entidade para emitir recomendações genéricas, com caráter objetivo e estritamente vinculadas à lei, no âmbito dos seus poderes de controlo e fiscalização ganha uma importância decisiva na construção real e efetiva de um novo paradigma ético.
Passou relativamente despercebida a recente publicação do estatuto da tão promissora e há muito desejada Entidade para a Transparência. Trata-se, como o legislador (Lei Orgânica 4/2019, de 13 de setembro) desde logo faz questão de enfatizar, de uma entidade independente que irá funcionar junto do Tribunal Constitucional e que terá a missão, espinhosa refira-se, de fiscalizar a declaração única de rendimentos, património e interesses dos muitos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos que pontificam pela nossa administração.
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Passou relativamente despercebida a recente publicação do estatuto da tão promissora e há muito desejada Entidade para a Transparência. Trata-se, como o legislador (Lei Orgânica 4/2019, de 13 de setembro) desde logo faz questão de enfatizar, de uma entidade independente que irá funcionar junto do Tribunal Constitucional e que terá a missão, espinhosa refira-se, de fiscalizar a declaração única de rendimentos, património e interesses dos muitos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos que pontificam pela nossa administração.
Como resulta do texto legal, espera-se que esta nova entidade possa vir a desempenhar, com independência, proficiência e recursos próprios, um papel decisivo no complexo e exigente processo de identificação e controlo de riscos que, em regra, potencialmente, obstam ao exercício íntegro e eticamente irrepreensível dos mandatos outorgados aos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Para tanto, e entre outros tantos predicados atributivos dessa sua distintiva marca de independência, prevê-se, como seria expetável, um exigente regime de designação e de incompatibilidades dos seus membros, associando-se-lhe, concomitantemente, um conjunto de prerrogativas, em especial no plano da proteção das carreiras profissionais dos seus futuros colaboradores, capazes de se revelarem suficientemente atrativas para captar os melhores e não, como de todo em todo se revela indesejável, os que para tanto se mostrem disponíveis.
Da parte dos declarantes fiscalizados, o princípio que impera é, como não podia deixar de ser, o da verdade quanto aos factos que terão que declarar. Nada mais do que isso.
Regista-se, também, a existência de mecanismos de natureza colaborativa que permitem, de forma ágil, no decurso do processo, que a nova entidade interaja com o declarante a fim de que possa, sempre que tal se venha a reputar de útil e necessário ao bom andamento do processo, solicitar-lhe elementos adicionais aos que inicialmente prestou. Outra novidade constituiu-se, também, pelo facto da nova entidade dever ainda proceder à elaboração de uma base de dados informatizada das declarações criando, simultaneamente, as condições que permitam assegurar aos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos a respetiva atualização, através da Internet, sempre que para tanto o reputem útil e necessário.
A ideia é clara, pois a declaração prestada inicialmente pelo fiscalizado não se esgota a um ato, sendo antes uma realidade dinâmica (tal qual como a que é vivida pelo sujeito declarante no exercício das suas funções públicas) que merece e deve, como tal, ser acompanhada pela nova entidade, em plena e harmoniosa comunhão de esforços com o visado.
Uma última linha de reflexão, por sinal da maior importância, é a que se prende com o poder que assiste à nova entidade para emitir recomendações genéricas, com caráter objetivo e estritamente vinculadas à lei, no âmbito dos seus poderes de controlo e fiscalização.
Parecendo, numa primeira e precipitada leitura, uma injunção estulta e de valor axiologicamente neutro no quadro e economia das novas opções assumidas pelo legislador, este poder (dever) de natureza “exortatória” outorgado à nova entidade ganha uma importância decisiva na construção real e efetiva de um novo paradigma ético.
Mais do que encarcerar as entidades e, sobretudo, as pessoas em arenas sancionatórias infindáveis e afundadas em complexos e intrincados quadros legais, o que se espera da nova Entidade para a Transparência, é que se possa afirmar, sobretudo (mas não só) por via do exercício do “poder (dever) exortatório” que em boa hora a lei lhe atribuiu, como a bússola e o azimute das boas práticas nestes domínios, com isso criando as condições adequadas para uma melhor e mais transparente atuação dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico