O Atlas da V: está na hora de falarmos sobre vulvas e vaginas

Escrito pela médica e investigadora Lisa Vicente, O Atlas da V quer desmistificar tabus, responder a dúvidas e acabar com o medo de dizer a palavra “vulva”. Este livro é para quem tem vulva e vagina e (não) tem medo de as encarar.

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Anna Costa

Pensa numa vulva. O que vês? Provavelmente a tua, se a tens — e tens coragem para a encarar (já vamos lá) —, a de alguém com quem já tiveste relações sexuais, a que viste num filme para adultos ou a que estava no livro de Ciências Naturais do 5.º ano.

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Pensa numa vulva. O que vês? Provavelmente a tua, se a tens — e tens coragem para a encarar (já vamos lá) —, a de alguém com quem já tiveste relações sexuais, a que viste num filme para adultos ou a que estava no livro de Ciências Naturais do 5.º ano.

Se já viste mais do que uma, com certeza reparaste que não há duas iguais — tal como não há caras, mãos, pés ou olhos iguais. Mas nem toda a gente sabe disso: “Algumas pessoas desconhecem que as vulvas são diferentes”, porque “não vêem outras vulvas” e “só têm [como referência] as imagens de um livro de Biologia ou da Internet, muitas vezes da pornografia”. E o problema destes dois últimos é que normalmente mostram imagens de vulvas que tendem a ser iguais — aquilo a que a autora do livro chama de “vulva light”: “grandes lábios pequenos, pequenos lábios pequenos e certinhos e, por dentro, um pequeno clitóris.”

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O livro conta com ilustrações de Pedro Aires Anna Costa

Foi precisamente para desmistificar tabus e mostrar que nem todas as vulvas são light — mas que não deixam de ser normais — que O Atlas da V (Arena Editora) nasceu. E também para dissipar dúvidas ou desconstruir preconceitos e estereótipos. Escrito por Lisa Vicente — médica ginecologista e obstetra, investigadora e formadora em temas como a saúde sexual, reprodutiva ou mutilação genital feminina —, o livro é um guia ilustrado que aborda temas como resposta sexual e género, além dos órgãos sexuais. Sempre “num tom descontraído e sem juízos de valor”, chamando as coisas pelos nomes — só assim se normalizam.

O desconhecimento em torno da vulva nasce muitas vezes do medo de olhar para ela. Em diversas consultas, Lisa pergunta às pacientes se querem que ela utilize um espelho para que possam ver (e perceber) melhor a sua vulva. As respostas vão variando: “Algumas mulheres já usam o espelho para ver como está a sua vulva, mas outras, como nunca viram nenhuma, também não querem ver a sua”, explica a autora do livro, em conversa telefónica com o P3.  

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Lisa Vicente, médica ginecologista de 51 anos DR

A depilação trouxe algumas revoluções: “Quando as mulheres tinham muitos pelos, não viam nada. Nem grandes lábios, nem pequenos lábios, nem clitóris. Isto tornava as vulvas mais parecidas”, explica. É quando deixam de ter pelos que as pessoas começam a perceber, por exemplo, “que têm uns pequenos lábios maiores do que os grandes lábios, ou que são assimétricos, ou que são em forma de borboleta”.

E aqui pode nascer um novo desafio. “Quando as pessoas percebem que têm uma vulva diferente da light, imaginam que aquilo possa ser um problema, ou em termos de saúde ou numa questão de auto-imagem”. E isso pode provocar constrangimentos em diversos aspectos da vida: “Há mulheres que têm vergonha de ter relações sexuais e contam que as têm quase às escuras”, exemplifica a autora. A ideia d'O Atlas da V é também mostrar que “uma variação não traduz doença” e que todos nós as temos.

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Mas além de olhar para ela, falta também falar sobre ela. “Há um receio de que a palavra vulva e o próprio órgão sejam feios”, aponta. Por isso, o “V” deste livro não é só para “vulva” e “vagina”, mas também para a “vitória de conseguir dizer esta palavra” que foi “apagada do discurso” ou erradamente substituída por “vagina”. E de saber aceitar as diferentes formas e feitios que pode ter.

Hilde Atlanta, ilustradora holandesa, autora do livro The Vulva Gallery e uma das muitas autoras que Lisa estudou para escrever O Atlas da V, diz que “todas as vulvas são únicas e bonitas”. Lisa não vai tão longe: “Eu não diria que todas as vulvas são bonitas, porque eu também não consigo dizer que todas as caras são bonitas.” O que não tem de ser um problema. “Há quem tenha um nariz grande, por exemplo, e viva bem com isso.”

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Anna Costa

Desengane-se quem pensa que este livro é para mulheres. O Atlas da V é para “as pessoas com vulva e vagina”, independentemente do género com que se identificam. Até porque “todas as pessoas que têm vulva e vagina têm que continuar a cuidar dela”. E devem entender que “a diversidade, o sermos diferentes, quer dizer que existe individualidade”. E quem não gosta de ser original?