“Apeadeiro” do Montijo – “solução” insensata e imperfeita
Com argumentos destes, é bom que o novo Governo se acautele e aceite pôr em causa uma “solução” que é tudo menos “sensata” e muito menos “perfeita”!
O anúncio do avanço para a construção do “Apeadeiro” do Montijo pelo anterior governo coincidiu praticamente com o início da campanha eleitoral, deixando por isso que a discussão pública sobre esta polémica decisão, apresentada como a única “sensata” e a mais “perfeita, fosse abafada pelo ruído da campanha. Agora que há um novo Governo, é, por isso, não só oportuno como urgente retomar o debate, para desfazer mitos, falsificações e imposturas com que os arautos desta “solução” quiseram defender o indefensável. Exemplo disso foram dois artigos que, nos dias 19 e 20 de Setembro último (terá sido coincidência?), foram aqui publicados, com os títulos “Aeroporto do Montijo – opção sensata”, do Eng. Pompeu Santos, e “Em busca do aeroporto perfeito”, de Alberto Souto Miranda, artigos que achámos útil recuperar porque pretendiam ser uma resposta ao manifesto “Poupem o Montijo”, do qual sou subscritor.
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O anúncio do avanço para a construção do “Apeadeiro” do Montijo pelo anterior governo coincidiu praticamente com o início da campanha eleitoral, deixando por isso que a discussão pública sobre esta polémica decisão, apresentada como a única “sensata” e a mais “perfeita, fosse abafada pelo ruído da campanha. Agora que há um novo Governo, é, por isso, não só oportuno como urgente retomar o debate, para desfazer mitos, falsificações e imposturas com que os arautos desta “solução” quiseram defender o indefensável. Exemplo disso foram dois artigos que, nos dias 19 e 20 de Setembro último (terá sido coincidência?), foram aqui publicados, com os títulos “Aeroporto do Montijo – opção sensata”, do Eng. Pompeu Santos, e “Em busca do aeroporto perfeito”, de Alberto Souto Miranda, artigos que achámos útil recuperar porque pretendiam ser uma resposta ao manifesto “Poupem o Montijo”, do qual sou subscritor.
Do texto do Eng.º Pompeu Santos podemos retirar duas intenções: o encaminhamento para o livro do próprio, que legitimamente pretende vender, e a missão de eliminar o estigma político de favorecimento à Vinci. No modelo defendido, o autor propõe:
- Desenvolvimento do “Apeadeiro";
- Metrobus na Ponte Vasco da Gama;
- Terminal fluvial no Montijo;
- Ferrovia para carga na Ponte 25 de Abril ligando Lisboa a Caia e Setúbal, Sines e Poceirão;
- Adiamento da construção do novo aeroporto, até às calendas tugas, para Rio Frio;
- Terceira travessia do Tejo, de rodovia em túnel, para a Trafaria.
Tudo isto em alternativa a:
- Construção da 1.ª fase do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) no Campo de Tiro de Alcochete (CTA);
- Ferrovia de alto desempenho, com travessia de Chelas-Barreiro, ligando Lisboa a Caia e também ao NAL no CTA.
Para defesa destas alternativas, o autor remete, para além do seu livro, para o Plano Estratégico de Transportes (PET) e Contrato de Concessão. Acontece que estes documentos não suportam estas alternativas.
Por exemplo, para a mobilidade aérea, o PET propõe: (i) a utilização da BA5 de Monte Real; (ii) reforço do Aeroporto de Beja; (iii) desenvolvimento do NAL. Para a ferrovia, destina 1000 milhões de euros para a ligação de Lisboa-Caia, sem mencionar a Ponte 25 de Abril. Já agora, pode explicar em que canais horários faria passar as composições diárias de carga de 750 metros pela Ponte 25 de Abril e onde faria a respectiva manobra das composições?
Há um ponto nas suas propostas que merece reflexão. Os investimentos nas travessias pela Vasco da Gama, 25 de Abril e o túnel da Trafaria seriam feitos pela Lusoponte. Desta forma, o contrato de concessão iria ser perpetuado até ao próximo século! O mesmo aconteceria com os investimentos no “Apeadeiro”, no metrobus, no terminal fluvial e nas acessibilidades rodoviárias de ligação da Vasco da Gama ao “Apeadeiro”: teriam como consequência a perpetuação do Contrato de Concessão da ANA. Tudo isto, portanto, em favor da Vinci, dona da ANA e da Lusoponte!
De mencionar que, se a terceira travessia do Tejo for de ferrovia, a obrigatoriedade de ser construída pela Lusoponte, simplesmente, não existe! Recorde-se que a Vinci já obteve um ganho acrescido, comparativamente ao modelo deixado pronto pelo governo anterior, de 12 mil milhões de euros, que resultou da extensão em mais cinco anos do período da concessão, da exclusão da responsabilidade de construção do NAL, da reformulação da regulação económica que permite a apropriação de maiores ganhos para a concessionária e ainda do ganho fiscal da internalização do direito de concessão na ANA.
Sem negar o problema da subida média da água do mar, o sr. eng.º afirma que o mesmo só existe daqui a muito tempo. Como se ainda não tivesse percebido que as alterações climáticas não se irão verificar de forma linear e, como tal, dificilmente serão determináveis no tempo.
O sr. eng.º nada contradiz aos riscos das aves, da água potável e do ruído. Ou seja, supomos que os aceita e reconhece que as medidas que pudessem vir a ser desenvolvidas não teriam o grau de cobertura de 100% necessárias para este efeito.
Quanto ao texto do então sr. secretário de Estado das Comunicações (SEC), traduz uma enorme contradição com ele próprio. Argumenta que “já chega de indecisões”. Esquece-se que a decisão de avançar para o aeroporto na Ota, aprovada quase por unanimidade da Assembleia da República, foi há mais de 20 anos e que a troca para o Campo de Tiro de Alcochete (CTA) já tem mais de dez.
Importa também lembrar que o PET, para o período de 2014-2020, da Resolução de Conselho de Ministro 61-A/2015, não contempla absolutamente nada referente ao “Apeadeiro”. Portanto, sim, é verdade que temos de implementar as decisões e não estar constantemente a fazer estudos. E muito menos a inventar estudos com Alverca e Sintra para suportar a escolha da Vinci pelo Montijo.
Depois, discorre sobre a distância do CTA. É bom lembrar que, aquando da escolha da Portela, a alternativa era o topo do Parque Eduardo VII. Ora, o CTA não será o aeroporto europeu mais longínquo da cidade que serve, principalmente quando consideramos aeroportos com função de “hub”.
O NAL no CTA é um “hub” aeroportuário, mas também a centralidade de um novo ordenamento do território, das plataformas logísticas e das redes de transportes transeuropeias. A solução não pode ser reduzida à alternativa de um “Apeadeiro” que tem um tempo de vida e capacidade operacional extremamente reduzido.
O então SEC envereda por várias inverdades, esperando que, dizendo-as várias vezes, se transformem em verdades.
- O CTA não fica ao dobro da distância do “Apeadeiro”, e ainda menos quando medida em tempo de viagem;
- Os “vultosos e demorados investimentos complementares nas acessibilidades” nunca foram devidamente comparados entre os cenários do “Apeadeiro” e o CTA;
- Os impactos ambientais que existem no CTA não têm a menor comparação com os riscos identificados para o “Apeadeiro";
- O “Apeadeiro” não tem duas pistas! Tem só uma, que necessita de ser elevada e prolongada para o estuário do Tejo com grau de dificuldade por determinar;
- A acessibilidade ao “Apeadeiro” não é fácil. Teria de ser complementada por sistema de transporte colectivo e incremento do serviço fluvial, para além da construção de vias rodoviárias adicionais;
- Os custos de investimento não têm de necessariamente afectar o OE, pois dependem do modelo de financiamento que vier a ser escolhido;
- A adaptação do “Apeadeiro” não é mais rápida que a 1.ª fase do CTA. Se logo após a privatização da ANA se tivesse iniciado a sua construção, estaríamos a inaugurar a sua operação;
- Em caso de insuficiência de oferta durante a construção do NAL, existem alternativas de oferta – Porto, Beja e Monte Real.
Por fim, entramos nos actos de fé: a promessa de o Governo cumprir as medidas mitigadoras para os riscos ambientais. O então SEC centra-se nas soluções para o ruído e passa ao lado dos riscos de colisão com aves, das águas, da flora, etc. A solução de o Estado pagar a instalação de vidros duplos para a população afectada no Montijo e na Portela é triste e, se me permitem, ridícula. Mas levanta uma questão pertinente. Os riscos ambientais não podem ser analisados apenas para o “Apeadeiro”, mas sim para o conjunto aeroportuário da área de Lisboa, incluindo a Portela.
Com argumentos destes, é bom que o novo Governo se acautele e aceite, com a urgência que se impõe, pôr em causa uma “solução” que é tudo menos “sensata” e muito menos “perfeita”!