A força do Governo está na fraqueza da esquerda
Como se fosse um rei feudal, Costa está disposto a fazer dos deputados à esquerda uma espécie de escudeiros. Com privilégios, mas obrigados a proteger o senhor.
Passavam poucos minutos das 16h00 desta quarta-feira quando, na Assembleia da República, o deputado Pedro Filipe Soares recuperou a fórmula de cálculo concebida pelo primeiro-ministro para analisar as hipóteses de derrube do Governo e afirmou: “Onde havia promessa de negociação no ar hoje parece haver um caminho de desafio e ameaça.” Nessa simples declaração ficou condensado o novo relacionamento entre o PS e a esquerda parlamentar e, em especial, o Bloco.
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Passavam poucos minutos das 16h00 desta quarta-feira quando, na Assembleia da República, o deputado Pedro Filipe Soares recuperou a fórmula de cálculo concebida pelo primeiro-ministro para analisar as hipóteses de derrube do Governo e afirmou: “Onde havia promessa de negociação no ar hoje parece haver um caminho de desafio e ameaça.” Nessa simples declaração ficou condensado o novo relacionamento entre o PS e a esquerda parlamentar e, em especial, o Bloco.
Se no passado a “geringonça” se alicerçou na dissimulação de uma relação entre partidos que na sua essência têm mais para se confrontar do que para colaborar, o futuro quadro político vai ser mais claro. O PS viverá sempre condicionado, mas quer o Bloco e o PCP estarão condenados a ponderar todos os dias os riscos políticos de deixarem cair um governo de esquerda.
Pedro Filipe Soares tem, por isso, razão no que disse. Quando António Costa declara que “a direita toda junta, desde o PSD ao Chega, só poderá derrotar o PS se conseguir somar os votos do PAN e de toda a esquerda” está a tornar clara a razão pela qual desta vez decidiu prescindir da negociação de posições conjuntas com o Bloco e o PCP. Está a sugerir que há uma coacção política a pairar sobre os partidos da esquerda que protege o seu Governo.
Para o primeiro-ministro, e para a maioria dos cidadãos, só uma anormalidade permitiria a soma dos votos de um destes partidos com o PSD. A imunidade do Governo a moções de censura, na teoria de António Costa, justifica-se pela fragilidade estratégica dos seus outrora parceiros.
Sobra ainda outra questão para a sustentabilidade do Governo: a obtenção de maiorias para aprovar leis. E aqui Costa regressa às suas conhecidas manobras de envolvimento. “Quem votou no BE votou mesmo para dar continuidade à solução governativa da anterior legislatura”, observou António Costa. O PS quer manter o anterior caminho, quer estar aberto à negociação, pronto para o diálogo e até para eventuais cedências, sugeriu. Como se fosse um rei feudal, Costa está disposto a fazer dos deputados à esquerda uma espécie de escudeiros. Com privilégios, mas obrigados a proteger o senhor.
Fica assim fechado o grande plano de António Costa. Um plano que revela uma inteligência táctica notável, um cinismo prático exemplar e um jogo de cintura impressionante. Se alguém tinha dúvidas de que o novo Governo tem condições para durar quatro anos, esta terça-feira teve novos argumentos para as desfazer.