Eleições britânicas: Corbyn e Johnson querem ser anti-sistema à sua própria maneira

Líder trabalhista inicia campanha eleitoral determinado em contrariar estratégia do primeiro-ministro de culpabilizar as elites de Westminster pelo fracasso do “Brexit”. “Os conservadores é que são as elites do sistema”, acusa Corbyn.

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Jeremy Corbyn no comício desta quinta-feira NEIL HALL/EPA

Jeremy Corbyn deu esta quinta-feira o pontapé-de-saída na campanha do Partido Trabalhista para as eleições antecipadas de Dezembro, no Reino Unido, determinado em neutralizar o principal slogan eleitoral de Boris Johnson, que acusa as elites do Parlamento de quererem frustrar a vontade popular de cumprir o “Brexit”.

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Jeremy Corbyn deu esta quinta-feira o pontapé-de-saída na campanha do Partido Trabalhista para as eleições antecipadas de Dezembro, no Reino Unido, determinado em neutralizar o principal slogan eleitoral de Boris Johnson, que acusa as elites do Parlamento de quererem frustrar a vontade popular de cumprir o “Brexit”.

O líder do Labour apresentou a sua própria versão de uma mensagem reconhecidamente populista, argumentando que as verdadeiras elites estão no Partido Conservador e prometendo que é contra elas que vai pôr em marcha a “maior e mais radical campanha popular da História”, para “transformar o país” e colocá-lo ao serviço de todos, não apenas “dos poucos que dirigem um sistema corrupto”.

“O primeiro-ministro quer fazer-vos acreditar que estamos a realizar esta eleição porque o ‘Brexit’ está a ser bloqueado pelas elites do sistema. Mas a população não é enganada tão facilmente porque sabe que os conservadores é que são a elites do sistema”, atirou Corbyn num discurso ambicioso, no Sul de Londres, denunciando o seu adversário e os que o rodeiam, por quererem “lutar da forma mais dura e suja de sempre”.

“Vão atirar-nos com tudo o que têm, porque sabem que não temos medo. Por isso mesmo, vamos atrás dos que fogem aos impostos, dos senhorios duvidosos, dos maus patrões e dos grandes poluidores. Porque nós sabemos de que lado é que estamos”, afiançou o líder trabalhista.

Três anos e meio depois do referendo e com a saída do Reino Unido da União Europeia ainda por resolver – devia ter sido esta quinta-feira mas foi adiada até Janeiro de 2020 – os britânicos preparam-se para uma eleição atípica a 12 de Dezembro. Apesar de ter falhado em a promessa de cumprir o “Brexit” “ou morrer a tentá-lo”, Johnson é o grande favorito na corrida ao número 10 de Downing Street.

Uma sondagem da IPSOS Mori para o Evening Standard, publicada esta quinta-feira, coloca o Partido Conservador com 17 pontos percentuais de vantagem sobre o Labour – 41% contra 24% – e sugere que o principal prejudicado por novo adiamento do divórcio com a UE não foi o primeiro-ministro, mas o líder da oposição: 79% dos participantes no inquérito consideram que Corbyn fez um “mau trabalho” na gestão do dossiê do “Brexit” nos últimos meses, ao passo que Johnson recebe 47% de avaliações positivas ao seu desempenho sobre o mesmo tema.

Os números pouco simpáticos não assustam, ainda assim, Corbyn, que mesmo assegurando que vai resolver o “Brexit” “em seis meses se for eleito primeiro-ministro, prefere focar-se nos temas sociais, que lhe são mais queridos e que lhe valeram, durante décadas, o rótulo de rebelde dentro do seu próprio partido.” No seu discurso em Battersea, o trabalhista prometeu acabar com as propinas universitárias, eliminar os custos das receitas e cuidados médicos para os idosos, reduzir os preços das creches, comprar “todas as propriedades necessárias” para acolher os sem-abrigo e, acima de tudo, garantir que o NHS (sistema nacional de saúde) “não é posto à venda” para Donald Trump e as empresas norte-americanas comprarem.

Boris outsider

Foi empunhando a bandeira de outsider da política britânica, que Boris Johnson – um estudante privilegiado que se tornou jornalista, que virou deputado, que depois foi presidente da câmara e mais tarde ministro – deu a cara pelo Leave no referendo de 2016 e que chegou à liderança do Partido Conservador em Julho deste ano. E é nesse papel de dirigente político anti-sistema que quer convencer agora os eleitores a oferecerem-lhe uma maioria estável para cumprir o “Brexit”.

O primeiro-ministro aparenta ter todo o interesse em manter a campanha focada no divórcio com a UE ou no que considera ter sido a sua obstrução propositada pela classe política parlamentar. Há várias semanas que já o faz.

“Se o Parlamento fosse um reality show, os deputados já teriam sido todos expulsos. Os eleitores têm mais coisas interessantes para dizer sobre o I’m a Celebrity do que sobre esta Câmara dos Comuns, que recusa cumprir o ‘Brexit’ ou fazer alguma coisa construtiva”, criticou no congresso do partido, em Setembro.

Esta quinta-feira, o primeiro-ministro andou a fazer campanha por escolas e hospitais, não sem antes divulgar um comunicado a insistir que foi a oposição que “impediu” propositadamente a aprovação do seu “excelente acordo” de saída da UE no Parlamento, em nome de “mais hesitações, mais atrasos e mais incertezas para as famílias e as empresas” e da “incessante indecisão de Corbyn” – que, segundo Johnson, quer organizar “mais dois referendos tóxicos” e “fatigantes”, ao “Brexit” e à independência escocesa.

Entre desistências, afastamentos e reformas antecipadas de diversos deputados de moderados e remainers, a verdade é que a lista que o Partido Conservador pretende apresentar às eleições deverá ser a mais brexiteer possível e aquela que o primeiro-ministro acredita que lhe oferece mais garantias na transmissão da mensagem “povo versus Parlamento” por todo o país.