Identificado novo alvo terapêutico para cancro renal
Equipa internacional de cientistas confirmou que há um gene essencial para a sobrevivência de células de cancro renal e identificou um biomarcador que pode indicar como será a resposta do doente à terapia.
Se olhássemos para as células de um tumor como um ser vivo que se alimenta de vários ingredientes e soubéssemos quais eram os verdadeiramente decisivos e que as mantêm vivas, talvez tivéssemos aqui uma oportunidade de ataque. Talvez se tirássemos às células de um cancro um ingrediente que sabemos que é essencial, as conseguíssemos derrotar. É mais ou menos este o plano de uma equipa internacional de investigadores que está a tentar encontrar novas formas de luta contra o cancro renal. O trabalho que envolve a identificação de novos alvos terapêuticos e biomarcadores para o prognóstico foi publicado na revista Nature Communications e conta com a participação de alguns elementos do Departamento de Oncologia da Novartis (na Suíça), entre os quais o investigador português Rui Lopes.
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Se olhássemos para as células de um tumor como um ser vivo que se alimenta de vários ingredientes e soubéssemos quais eram os verdadeiramente decisivos e que as mantêm vivas, talvez tivéssemos aqui uma oportunidade de ataque. Talvez se tirássemos às células de um cancro um ingrediente que sabemos que é essencial, as conseguíssemos derrotar. É mais ou menos este o plano de uma equipa internacional de investigadores que está a tentar encontrar novas formas de luta contra o cancro renal. O trabalho que envolve a identificação de novos alvos terapêuticos e biomarcadores para o prognóstico foi publicado na revista Nature Communications e conta com a participação de alguns elementos do Departamento de Oncologia da Novartis (na Suíça), entre os quais o investigador português Rui Lopes.
O projecto terá começado numa minuciosa análise de uma “biblioteca” com cerca de oito mil genes que foram inibidos em 398 linhas celulares de cancro, explica ao PÚBLICO Rui Lopes. Para fazer esta biblioteca que ficou conhecida como projecto “DRIVE” e que “demorou vários anos”, os investigadores da Novartis recorreram a uma técnica (ARN de interferência) que permite “desligar” genes no ADN e, desta forma, perceber quais são os que as células precisam mesmo para crescer e sobreviver. “O DRIVE foi a primeira tentativa de descobrir as vulnerabilidades genéticas em vários tipos de cancros de uma forma muito abrangente, e resultou na identificação de centenas de genes que são essenciais para o crescimento e a sobrevivência das células malignas. A função de alguns destes genes em células tumorais já era conhecida, no entanto a maioria dos genes identificados não tinha função conhecida até à data”, diz Rui Lopes.
Além dos cientistas da Novartis, a equipa inclui investigadores do Departamento de Genética Humana Molecular, da Faculdade de Medicina de Baylor (EUA), da Universidade de Basileia (na Suíça), do Centro Alemão de Investigação de Cancro, do Centro de Oncologia Pediátrica em Utrecht (Holanda) e do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Harvard (EUA).
Neste trabalho, os cientistas perceberam que o gene PAX8 era essencial para o crescimento e a sobrevivência das células em cancro renal e dos ovários. O trabalho centrou-se no cancro renal e o objectivo era perceber como “desligar” este gene de forma a travar as células malignas. “A nossa equipa focou-se no cancro renal, dado que constitui cerca de 2% de todos os casos de cancro diagnosticados anualmente. Demonstrámos que o PAX8 é um factor de transcrição que se liga a milhares de regiões no genoma de forma a controlar a actividade de outros genes. A grande maioria destes genes está envolvida no metabolismo e na divisão celular, e estas observações explicam o facto de a inibição do PAX8 causar a morte das células tumorais”, refere o investigador português.
Mas nem todas as células parecem ser vulneráveis à inibição do PAX8. Como saber quais as que podemos atacar? “Identificámos uma proteína, chamada CP, que pode ser usada como biomarcador para identificar células tumorais que são sensíveis à inibição do PAX8”, responde Rui Lopes. Mas além de assinalar os melhores alvos, esta proteína terá outras vantagens no que diz respeito ao prognóstico e até ao diagnóstico destes doentes, acredita o investigador. “Os níveis da tal proteína CP conseguem assinalar quais as células tumorais que são sensíveis a inibição do PAX8 e identificar os pacientes que têm bom ou mau prognóstico.” É uma ferramenta importante se tivermos em conta que, frequentemente, o cancro renal é diagnosticado tardiamente e, por causa disso, a doença é detectada em estados avançados e os pacientes têm pior prognóstico. Por fim, a tal proteína CP é produzida pelas células para a corrente sanguínea e, por isso, a equipa de investigadores acredita ainda que será possível desenvolver um método de diagnóstico para cancro renal através de uma simples colheita de sangue e medição dos níveis do CP.
Ou seja, já existe um alvo (o gene PAX8) e até uma ajuda (biomarcador) que nos avisa quais os melhores alvos. Falta, no entanto, perceber como desligar o gene. “Desenvolvemos um ensaio in vitro que permite testar se o PAX8 esta activo ou inactivo, e agora podemos testar dezenas de milhares de moléculas orgânicas e identificar qual (ou quais) são mais eficazes para inibir o PAX8 e, consequentemente, eliminar as células tumorais”, adianta o investigador. Depois de encontrada a melhor molécula orgânica, esta “pode ser dissolvida ou encapsulada para ser usada como fármaco para tratar os pacientes na clinica”. A investigação poderá caminhar para uma “terapia dirigida”, ainda que o percurso até esse objectivo seja, como admite Rui Lopes, “longo e tortuoso”.
A ligação do gene PAX8 ao cancro já tinha sido provada em estudos anteriores. A presença deste gene surge em tumores na tiróide, nos rins e no sistema urinário e reprodutivo. Por que é que a tiróide ficou de fora deste estudo? “O PAX8 não é essencial para o crescimento das células tumorais da tiróide. Sabemos isso porque o projecto também inclui células tumorais da tiróide e o PAX8 não foi identificado como vulnerabilidade genética neste (ou noutros tipos de tumor), mas apenas nos ovários e rins”, justifica Rui Lopes, que aproveita para sublinhar: “Este é um dos resultados mais importantes do nosso estudo porque identificou o PAX8 como um candidato para desenvolver uma terapia específica nestes dois tipos de tumor.”